A proposta de revisão do Plano Diretor de SP sob análise
Mariana Vick
01 de junho de 2023(atualizado 28/12/2023 às 17h25)Sob protestos, Câmara dos Vereadores aprovou em primeira votação projeto que substitui lei de 2014. O ‘Nexo’ conversou com duas urbanistas sobre o texto
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A Câmara dos Vereadores de São Paulo aprovou na quarta-feira (31), em primeira votação, a revisão do Plano Diretor , principal lei de planejamento urbano da cidade. O texto substitui o Plano Diretor aprovado em 2014 e define como o município pode crescer, construir e se desenvolver. A proposta deve valer até 2029 caso vire lei.
A votação foi marcada por protestos de vereadores da oposição. Urbanistas também reprovaram o texto. As críticas se referem tanto ao conteúdo da proposta, que flexibiliza as regras para construções, quanto à forma como foi apresentada. O texto votado na quarta (31), do relator Rodrigo Goulart (PSD), foi disponibilizado oito dias antes da votação e discutido em apenas uma audiência pública.
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audiências públicas sobre o Plano Diretor foram realizadas desde abril, depois de a prefeitura ter enviado sua proposta à Câmara; relatório de Goulart, que alterou o texto original, foi apresentado no último encontro
A proposta deve passar pela segunda votação no dia 21 de junho. Caso seja aprovado, o texto segue para sanção ou veto do prefeito Ricardo Nunes (MDB). Oito novas audiências públicas devem ocorrer até que os vereadores voltem a analisar o texto. Parte delas foi incluída no calendário da Câmara após as críticas de falta de participação da sociedade civil.
Eixos de transporte
A proposta expande os chamados eixos de transporte, que são o entorno de corredores de ônibus e estações de metrô de 150 metros para até 225 metros (nos casos dos corredores) e de 600 metros para até um quilômetro (no caso das estações de metrô, trem, monotrilho, etc.). Essa mudança é importante porque essas áreas têm o maior limite de altura para construções de toda a cidade. Com o aumento delas, aumenta a verticalização.
Outorga onerosa
O texto cria uma nova forma de pagamento da outorga onerosa, que é uma taxa paga pelas empreiteiras para construir acima do limite básico. A proposta é que, no lugar do dinheiro, as empresas paguem a outorga na forma de obras de mobilidade, drenagem e habitação. Hoje, os valores da outorga onerosa vão para o Fundurb (Fundo de Desenvolvimento Urbano de São Paulo), usado para investimentos da prefeitura, que perderia capacidade com a queda de arrecadação.
Prédios mais altos
A proposta muda o chamado coeficiente máximo de aproveitamento, que determina quantas vezes a área construída de um empreendimento pode superar o tamanho do terreno sem a cobrança da outorga onerosa. Com exceção de áreas como os eixos de transporte, hoje o coeficiente é 1, chegando, no máximo, a 2 — num terreno de 100 m², por exemplo, pode-se construir até 200 m² sem pagar. O texto prevê que ele suba para 3, o que vai incentivar a construção de prédios mais altos.
Zonas de concessão
O texto cria as chamadas Zonas de Concessões, áreas que abrigam atividades que, “por suas características únicas, foram cessionadas ou estão com projetos para esse fim, e necessitem disciplina especial de uso e ocupação do solo”. Essas áreas poderiam ser tanto parques quanto mercados municipais e cemitérios geridos pela iniciativa privada. Ainda há pouca clareza sobre as regras que se aplicariam a essas áreas.
Microapartamentos
A proposta tira um trecho do Plano Diretor apresentado pela prefeitura que buscava desincentivar a construção de microapartamentos perto de corredores de ônibus e estações de metrô. O texto original restringia a construção de vagas de estacionamento sem a cobrança de outorga onerosa apenas para empreendimentos com unidades de ao menos 30 m². O substitutivo, por sua vez, manteve essa regra para empreendimentos totalmente residenciais, mas os de uso misto (com comércio no térreo, por exemplo) poderão ter uma vaga para cada apartamento.
Praças privadas
O texto cria as chamadas praças urbanas privadas, locais implantados em terrenos particulares e de acesso aberto à população na maior parte do dia (com exceção da madrugada). A limpeza e a conservação seriam de responsabilidade do proprietário. Em contrapartida, a prefeitura concederia incentivos fiscais no IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) para essas áreas.
O Nexo conversou com duas arquitetas e urbanistas sobre a revisão do Plano Diretor votada na quarta (31). Ambas comentam as críticas ao texto, citam os pontos em que ele pode melhorar o texto atual e explicam outras alterações que o projeto propõe. São elas:
LARISSA CAMPAGNER Os pontos de melhora são algumas das propostas para fomentar e organizar a produção de habitação de interesse social na cidade, com a diretriz para que o Executivo regulamente, detalhando questões a respeito dos conselhos gestores de ZEIS [Zona Especial de Interesse Social, que são porções da cidade destinadas predominantemente à moradia para a população da baixa renda]. Outro ponto é a inserção de incentivos e diretrizes ambientais, como a adoção de “ Soluções Baseadas na Natureza nas intervenções, especialmente do Sistema de Saneamento Ambiental, com o intuito de promover melhoria da qualidade urbanística e ambiental das bacias hidrográficas” [como diz o texto].
Os pontos insuficientes ou que pioram [o Plano Diretor atual] são a definição de uma nova zona, chamada Zona de Concessão — que se caracteriza por não trazer parâmetros urbanísticos prévios e, especialmente, por poder ser aplicada a concessões já realizadas — e, os PIUs (Projetos de Intervenção Urbana). [A revisão do Plano Diretor] seria uma ótima oportunidade para se aprimorar essa “metodologia” [o PIU] para elaboração de planos e projetos urbanos. No momento da elaboração do plano vigente [deveria haver] uma sinalização de melhor definição de escala e de desenho/projeto urbano dos territórios que receberão instrumentos urbanísticos como as operações urbanas e AIUs [Áreas de Intervenção Urbana].
CAMILA MALERONKA Sou pessimista. Não vejo melhorias. Tem temas importantes [do Plano Diretor de 2014] que deveriam estar sendo ajustados na revisão e não estão no foco do substitutivo. Praticamente tudo que está sendo proposto atende a pleitos curto-prazistas das associações de desenvolvimento imobiliário. É triste, porque isso significa construir uma cidade cada vez mais inviável. Poderíamos avançar no Plano Diretor, perseguir o que estava no texto de 2014 [e precisa melhorar], propor temas que não estavam e que são urgentes — como adaptação climática —, mas estamos abrindo mão disso.
Talvez o único ponto que faça um ajuste no plano [de 2014] é a mudança na cota de solidariedade. A cota de solidariedade é o que a gente chama de habitação inclusiva. É um instrumento presente em muitas cidades do mundo e obriga a construção de habitação social em empreendimentos de mercado. Em Paris, a cota de solidariedade é de 50% das unidades de empreendimentos com área a partir de 800 m². Hoje, em São Paulo, são 10% das unidades em terrenos a partir de 5.000 m² de área construída. É difícil ter um empreendimento grande assim, e são poucos os que entram nessa obrigatoriedade. Agora, a proposta é que essa regra não valha só para empreendimentos de grande porte. Pode ser para qualquer um, desde que ela não seja imposta, ou seja, os empreendimentos decidem se fazem ou se pagam para não fazer. Procurando muito, esse é o único ponto que realmente faz um ajuste no plano. Ampliou um pouquinho a cota. Mas acho, ainda assim, que ela deveria ser uma obrigação. Sem ela, não estamos endereçando a inclusão residencial, que é o objetivo do Plano Diretor.
LARISSA CAMPAGNER Acho que um dos principais pontos a serem discutidos e incorporados é justamente a revisão mais ampla sobre os PIUs. Esses projetos abarcam um território extenso e bem localizado na cidade, e a efetividade dos PIUs abriria novas frentes de desenvolvimento urbano, especialmente com a provisão de muitas moradias, bem localizadas na cidade.
CAMILA MALERONKA O melhor que poderia acontecer seria não acontecer, que essas alterações não fossem para frente. Não consigo nem dizer o que é mais grave ou nocivo para o futuro da cidade. Mas posso dar o exemplo de um ponto que não se concretizou no Plano Diretor de 2014, uma proposta chamada de Arco do Futuro na propaganda política do [ex-prefeito de São Paulo Fernando] Haddad. Essa ideia prevê que as várzeas, nas partes baixas da cidade, nas bordas dos rios, tenham tratamento especial, ou seja, um projeto urbano. O projeto urbano é uma intervenção concentrada do poder público em áreas muito bem localizadas, mas pouco ocupadas. Essas várzeas são importantes para a estruturação da região metropolitana, ou da macrometrópole paulista, mas têm fragilidades ambientais. São áreas de inundação, que têm também o problema da contaminação, porque nossos rios ainda estão contaminados, e há as indústrias. O projeto urbano cuida disso.
Por causa desse plano, essas áreas estavam com o desenvolvimento imobiliário desestimulado. Não poderia construir enquanto não houvesse um projeto de drenagem, de descontaminação, que pensasse no conjunto dessas regiões. Agora isso está liberado. Quando se começa a construir num lugar desses, nós perdemos a oportunidade de ter uma estratégia para o conjunto, de ter uma política de inserção residencial… O plano [de agora], aliás, parece que não fala de periferia. Fala, no máximo, do centro expandido. Na verdade, os eixos de transporte furam um pouco o centro expandido, mas, mesmo assim, ainda estamos falando numa cidade muito pequena, onde vive muito pouca gente. Me parece que o Plano Diretor virou uma coisa de elite — de uma tecnocracia junto com a elite da qual o setor imobiliário faz parte. São eles quem discute essas coisas. Não acham que é um assunto da população em geral.
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