Expresso

Como é a exploração de petróleo nos países da Amazônia

Mariana Vick

26 de agosto de 2023(atualizado 28/12/2023 às 22h07)

Líderes da região travam embates que opõem desenvolvimento e conservação do bioma. Plano de Lula de furar poços na foz do rio que corta a floresta divide integrantes do governo brasileiro

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FOTO: ALESSANDRO CINQUE/REUTERS – 22.FEV.2022

Homens caminham e conversam perto de uma embarcação na beira de um rio. Na embarcação há diversos botijões de gás vermelhos. Ao fundo se vê a água clara e árvores verdes.

Homens descarregam botijões de gás no rio Pastaza, perto de bloco de petróleo em Nuevo Andoas, no Peru

A pressão de órgãos do governo brasileiro para liberar a exploração de petróleo na foz do rio Amazonas , ao mesmo tempo em que países como Colômbia e Equador tentam frear a extração de combustíveis fósseis no bioma, mostra a crescente disputa de visões sobre preservação e desenvolvimento da região num contexto de mudança climática .

Maior floresta tropical do mundo, a Amazônia é compartilhada por oito países e um território francês. Todos, com exceção da Guiana Francesa, produzem petróleo e gás em diferentes níveis no bioma, que combina a ampla biodiversidade com jazidas de combustíveis na terra e no mar. Tratada por um lado como garantia de prosperidade econômica, a atividade tem sido cada vez mais questionada por seus danos sociais e ambientais.

Neste texto, o Nexo mostra qual o estado da produção de petróleo e gás nos países da Amazônia e onde a atividade mais se destaca. Mostra também quais são os impactos da exploração dos combustíveis no bioma, quais países têm questionado esse modelo de desenvolvimento e como está a discussão sobre o tema no Brasil.

O que marca a produção na região

Oito países da América do Sul têm o território ocupado pela floresta amazônica: Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Venezuela e Suriname. O bioma ocupa no total 6,74 milhões de km². Ele também passa pela Guiana Francesa, território da França que faz fronteira com o estado do Amapá.

O grupo inclui importantes produtores de petróleo. O líder no ranking é o Brasil, que gera em todo o território nacional 3 milhões de barris por dia, levando em conta todo o seu território. Em seguida estão a Colômbia, a Venezuela e o Equador, que produzem de 400 mil a pouco mais de 700 mil barris diários cada. Outros países têm produção menos significativa, embora em lugares como a Guiana o setor seja relevante.

Em números

Gráfico de barras compara a produção diária de barris de petróleo nos oito países da Amazônia.

Parte dessa produção ocorre na floresta amazônica. A exploração da área teve início há décadas, embora, no geral, não seja tão relevante (em números) para produtores como o Brasil , que concentra sua produção fora do bioma. O mapa abaixo mostra a localização dos poços da região em fase de exploração (estudos) e produção de fato:

Mapa da exploração de petróleo e gás na Amazônia e seus entornos

Países como Colômbia, Bolívia, Peru e Equador se destacam na região. Os dois primeiros somavam juntos dois terços dos blocos de petróleo e gás ativos no bioma em 2020 — embora, em termos proporcionais, a produção amazônica represente apenas 11% do total colombiano. A floresta peruana abriga um dos maiores projetos de gás natural da América do Sul, o Camisea, enquanto o Equador concentra sua produção no chamado Parque Nacional Yasuní.

Suriname e Guiana estão entre as novas fronteiras locais do petróleo depois de terem descoberto reservas nas águas da chamada margem equatorial, faixa costeira no norte da América do Sul — no Brasil ela vai do Amapá ao Rio Grande do Norte. A Guiana vive um boom econômico desde que passou a produzir óleo na região. O cenário é diferente do de outros países, onde a maioria dos projetos na Amazônia se concentra em terra.

Onde o Brasil produz petróleo e gás

A produção brasileira de petróleo e gás na Amazônia se concentra, em terra, na chamada província de Urucu , na bacia do Solimões, no Amazonas. Maior reserva provada (ou seja, cuja quantidade de petróleo e gás é recuperável comercialmente) terrestre dos dois combustíveis do Brasil, a área foi descoberta em 1986 em Coari, a cerca de 650 km de Manaus. Seus campos se destacam pela produção de gás natural , levado à capital amazonense por um gasoduto.

FOTO: JAMIL BITTAR/REUTERS – 08.DEZ.2004

Imagem aérea mostra planta de petróleo e gás construída no meio de uma floresta verde e densa.

Planta de petróleo e gás natural no complexo de Urucu, no Amazonas

O gás de Urucu é usado principalmente na geração de eletricidade em usinas termelétricas, que atendem, junto com o diesel, à maior parte da demanda por energia na Amazônia. Apesar de o bioma abrigar várias hidrelétricas, sua produção vai para outras regiões do país. Já o óleo produzido em Urucu é aproveitado na produção de gasolina, diesel e GLP (Gás Liquefeito de Petróleo).

35.387

foi a quantidade de barris de petróleo por dia que o complexo de Urucu produziu em 2016, quando a área completou 30 anos de operação; uma única unidade do pré-sal produz 100 mil barris por dia, para efeitos de comparação

13,9 milhões

foi a quantidade metros cúbicos de gás natural por dia que o complexo produziu no mesmo ano

A operação no complexo é da Petrobras. A estatal, assim como empresas do mesmo tipo de outros países do continente, tem papel fundamental para os projetos em estudo ou implementados de petróleo e gás na Amazônia. Para realizar a operação, a companhia diz realizar ações de reflorestamento e preservação de espécies do entorno.

Quais são os impactos da atividade

Projetos de petróleo e gás têm diversos impactos sobre o meio ambiente. A operação emite gases de efeito estufa, que podem piorar a qualidade do ar a nível local, por exemplo. A construção de infraestrutura para essa indústria (estradas, plataformas de perfuração, oleodutos etc.) também causa danos como o desmatamento.

Falhas operacionais e a gestão inadequada dessa infraestrutura podem resultar ainda em vazamentos de petróleo. Acidentes como esse têm potencial de contaminar recursos hídricos, degradar o solo e afetar a segurança alimentar. Estudo da organização Oxfam de 2020 mostra que houve 474 derrames de óleo na Amazônia peruana entre 2000 e 2019, por exemplo.

FOTO: JOHANNA ALARCON/REUTERS – 24.MAR.2022

Grupo de pessoas, algumas usando máscaras contra a covid-19, segura cartazes coloridos com palavras de ordem no meio da rua.

Indígenas protestam contra exploração na Amazônia de petróleo e gás em Quito, no Equador

Em alguns lugares da Amazônia, as reservas de petróleo e gás se sobrepõem a terras indígenas. Grande parte dos países da região estabelece o direito desses povos à consulta prévia e ao consentimento para esse tipo de projeto. Na prática, no entanto, nem sempre o processo é respeitado.

Esses efeitos, somados ao aumento da consciência sobre o papel dos combustíveis fósseis para a mudança climática, têm levado parte dos países da Amazônia a questionar seus projetos de óleo e gás. O presidente da Colômbia, Gustavo Petro, não iniciou novos contratos de petróleo desde que assumiu o governo, em 2022. Na Cúpula da Amazônia , em Belém (PA), no início de agosto, ele defendeu um pacto para o fim desse tipo de exploração na floresta, mas a proposta não foi acatada por outros países, que mantêm o interesse na atividade:

“Há um enorme conflito ético [em explorar petróleo na região amazônica], sobretudo de forças progressistas, que deveriam estar ao lado da ciência (…). A direita tem um fácil escape, que é o negacionismo. Negam a ciência. Para os progressistas, é muito difícil. Gera então outro tipo de negacionismo: falar em transições”

Gustavo Petro

presidente da Colômbia , em discurso na Cúpula da Amazônia no dia 8 de agosto, segundo relato do jornal Folha de S.Paulo

Outro país onde esses projetos são contestados é o Equador. Em referendo no domingo (20), a população votou para suspender a exploração de petróleo em campos do Parque Nacional Yasuní, dando ao governo um ano, a partir de 4 de outubro, para retirar suas atividades dali. O governo de Guillermo Lasso, porém, sinalizou que deve invocar um artigo da Constituição para não seguir o resultado.

A discussão sobre a foz do Amazonas

Embates sobre projetos de óleo e gás na Amazônia também ocorrem no Brasil. O principal deles está no pedido da Petrobras para explorar um bloco disponível na foz do Amazonas , área localizada na margem equatorial a 60 km da costa do Amapá. Em maio, o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) negou a licença para a estatal perfurar na região, e a companhia tenta recorrer.

A margem equatorial é considerada o novo alvo exploratório da Petrobras. Estima-se que a faixa marítima abrigue 30 bilhões de barris de petróleo — metade das observadas no pré-sal. Por outro lado, a bacia da foz do Amazonas é uma região ambientalmente sensível, rica em biodiversidade e em recursos pesqueiros, que pode ser afetada pela exploração.

Mapa mostra blocos de petróleo na bacia da foz do Amazonas, na costa do Amapá.

Para negar a licença à estatal, o Ibama afirmou que o plano da Petrobras não apresenta garantias para atendimentos à fauna em possíveis acidentes com o derramamento de óleo. Também há lacunas quanto à previsão de impactos da atividade em terras indígenas próximas da costa. O órgão solicitou à empresa ainda uma avaliação ambiental de área sedimentar, chamada de AAAS.

A decisão da autarquia causou uma cisão no governo. A Petrobras pediu ao Ibama para rever a negativa, e o Ministério de Minas e Energia acionou a Advocacia-Geral da União, que divulgou na terça-feira (22) um parecer jurídico favorável à exploração. A AGU disse que a AAAS é dispensável para a licença ambiental e propôs a tentativa de um acordo na Câmara de Mediação e de Conciliação do governo.

O parecer não autoriza a exploração da foz do Amazonas — a palavra final continua sendo do Ibama —, mas aumenta a pressão sobre a área ambiental do governo. Em nota, o Ministério do Meio Ambiente respondeu na terça (22) que a negativa de licença do Ibama se deve a “inconsistências nas informações” da Petrobras, e não apenas à falta de avaliação. A chefe da pasta, Marina Silva, afirmou também que a decisão da autarquia é técnica, e não pode ser alvo de conciliação:

“O Ibama não dá licenças políticas. O Ibama dá licenças técnicas. […] Não existe conciliação para questões técnicas, não tenho como dizer diferente. Porque não posso colocar numa rodada de conciliação a Anvisa, para decidir, por decisão administrativa, se aquele remédio é tóxico ou não. A mesma coisa são os processos técnicos de licenciamento do Ibama”

Marina Silva

ministra do Meio Ambiente, em audiência no Senado na quarta-feira (23)

Colaboraram Gabriel Zanlorenssi e Mariana Froner com os mapas

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