Como os conselhos tutelares mobilizam de religiosos a partidos
Mariana Vick
26 de setembro de 2023(atualizado 06/02/2024 às 10h56)Guerra cultural acentua disputa por cadeiras em órgãos de defesa de crianças e adolescentes. Votação está marcada para outubro. Eleitores de todo o Brasil podem votar
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Crianças jogam futebol em Lajeado (RS)
Acontecem no domingo (1º) as eleições para os conselhos tutelares. Eleitores de todo o Brasil podem ir às urnas para escolher os novos integrantes dos órgãos, que terão mandato de quatro anos. As votações, organizadas pelos governos municipais, ocorrerão em todas as cidades do país, das 8h às 17h.
Usuários nas redes sociais, líderes religiosos, organizações da sociedade civil e partidos têm organizado campanhas para promover seus candidatos. A votação é facultativa e pouco conhecida. Com a mobilização, esses grupos tentam aproximar a população do trabalho dos órgãos, cujo comando está em constante disputa.
Neste texto, o Nexo explica o que são os conselhos tutelares, de que forma eles atuam e como vão funcionar as eleições para conselheiros em 2023. Mostra também por que a votação gera disputa e quais são as campanhas para promover candidatos de diferentes perfis.
Conselhos tutelares são órgãos públicos criados com o objetivo de defender os direitos de crianças e adolescentes. Funcionam no âmbito municipal. Grandes cidades, como São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador, têm vários deles, divididos por regiões ou distritos, que atuam em funções como:
Os conselhos foram criados com o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), lei federal que está em vigor desde 1990. O estatuto estabeleceu que cada município deve ter pelo menos um desses órgãos, com cinco conselheiros titulares em cada. Com mandatos de quatro anos, a atividade é remunerada e requer dedicação exclusiva.
30.500
conselheiros tutelares serão eleitos em 2023, segundo o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania
O ECA garante que os conselhos têm autonomia de atuação, sem se submeter às gestões municipais. Ainda assim, seu poder é limitado. Os órgãos não podem julgar casos ou aplicar medidas judiciais, por exemplo, embora possam acionar o poder público, repassando informações ao Ministério Público ou à Justiça.
Eleger nomes para os conselhos tutelares significa confiar a alguém um cargo remunerado e com poder de decisão sobre uma área sensível das políticas públicas: os temas da infância e adolescência. Quando eleitos, os conselheiros também ganham visibilidade em sua comunidade. Essa atuação pode render a eles influência política.
As vagas para os órgãos são disputadas historicamente por representantes de grupos com visões muito diferentes sobre a infância: igrejas evangélicas, a Igreja Católica, partidos políticos, movimentos sociais, ONGs, entre outras. A presença de grupos religiosos cresceu nos anos recentes no contexto da chamada guerra cultural (tensão na sociedade que ocorre no campo dos costumes) e do fortalecimento do conservadorismo, que mobiliza temas como o combate ao aborto e à suposta“ ideologia de gênero ”.
Diferentes perfis de conselheiros podem ter atuações muito distintas. Casos recentes mostram o tipo de impacto que eles podem causar:
Perda de guarda
Em 2020, uma mulher em Araçatuba (SP) perdeu a guarda da filha de 12 anos após a adolescente ter passado por um ritual de iniciação no candomblé, em ação movida pelo conselho tutelar. O órgão havia recebido denúncias de maus-tratos e abuso sexual, incluindo da avó, que era evangélica. A defesa da família afirmou que o caso era de intolerância religiosa.
Aborto legal
Outro episódio foi o da menina de 10 anos que engravidou após ser estuprada em São Miguel (ES) em 2020. A garota não conseguiu fazer o aborto legal no estado por causa da intervenção da ex-ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, que teria contado com informações prestadas por conselheiros para tentar convencer a vítima a desistir da interrupção da gravidez. A menina fez o aborto em outro estado.
Crianças LGBTI+
Reportagem do jornal El País Brasil de 2020 mostra que conselheiros tutelares da cidade de são paulo ligados à Igreja Universal do Reino de Deus teriam encaminhado crianças LGBTI+ para “ sessão de descarrego ”. O grupo também teria ameaçado com envio para abrigo jovens que ficaram violentos por sofrer bullying na escola. além disso, de casais com filhos teriam sido tratados como um problema de “falta de Deus”.
Estão aptos para participar das eleições para os conselhos tutelares todas as pessoas com 16 anos ou mais e título de eleitor regularizado. O voto não é obrigatório. Para votar, é necessário levar o título e documento de identidade, assim como acontece nas eleições para prefeito, vereador, governador e outros cargos públicos.
Crianças em fila para receber dose da vacina contra a covid-19 em escola no Rio de Janeiro
É possível consultar o local de votação nos canais dos governos municipais (nem sempre ele é o mesmo que o das outras eleições). As prefeituras também divulgam em seus sites as listas de candidatos, junto com seus números. A votação é feita em urnas eletrônicas cedidas pela Justiça Eleitoral, embora o órgão não seja responsável pela organização e coordenação do pleito.
Cada eleitor pode votar em um candidato a conselheiro da sua cidade (ou região, caso o município tenha mais de um órgão desse tipo). Depois da votação, quem analisa os votos é a Comissão Eleitoral composta em cada local. As prefeituras são responsáveis por publicar o resultado, que define os conselheiros que vão atuar de 2024 a 2028.
Apesar de a eleição ser pouco conhecida, grupos engajados na disputa pelos conselhos tutelares criaram campanhas para dar visibilidade a candidaturas. Pastores evangélicos, por exemplo, têm gravado vídeos dentro das igrejas para divulgar seus candidatos em cidades como pioneira (ap) . Em 2019, eles também se engajaram na votação.
Grupos progressistas também criaram iniciativas em 2023 para divulgar seus nomes favoritos. Está entre elas o site “ A eleição do ano ”, criado por 13 organizações da sociedade civil. A página reúne nomes de candidatos de várias cidades que se dizem comprometidos com as determinações do ECA.
Criança faz refeição com comida encontrada pela mãe em lixeira, no Rio de Janeiro
Fernanda Flaviana de Souza Martins e Flávio Debique, integrantes do movimento Agenda 227, escreveram em coluna publicada na seção “Ponto futuro”, do Nexo , que a eleição “representa uma rara janela de oportunidade para que a sociedade se aproxime dos conselhos” e “colabore ativamente com o esforço por garantir uma vida digna para todas as crianças e os adolescentes brasileiros”.
“Diante da centralidade do órgão na garantia de direitos, não se pode perder a oportunidade de contar com ampla participação popular na escolha de conselheiras e conselheiros”, afirmaram. “Trata-se de atender a uma responsabilidade cívica, estabelecida pelo artigo 227 da Constituição Federal, quando coloca os direitos das crianças e adolescentes como prioridade absoluta não apenas para o Estado, mas também para a família e para toda a sociedade.”
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