Qual o potencial das zonas marinhas do país. E o que as ameaça
Mariana Vick
23 de novembro de 2023(atualizado 28/12/2023 às 22h15)Pesquisadores e representantes de comunidades tradicionais publicam levantamento mais completo já feito sobre biodiversidade da costa e oceano brasileiros. Gestores dão pouca atenção a litoral, diz estudo
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Tartaruga nada em mar da Ilha Âncora, em Búzios (RJ)
O Brasil tem mais de 10 mil km de extensão de litoral, o que o torna uma “nação oceânica”. Apesar disso, a atenção que se dá a essas localidades é pequena, e sua conservação está ameaçada.
É essa a mensagem principal do 1º Diagnóstico Brasileiro Marinho-Costeiro sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos, lançado nesta quinta-feira (23) pela BPBES (Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos) e pela Cátedra Unesco para a Sustentabilidade do Oceano.
Elaborada por acadêmicos, jovens pesquisadores e representantes de povos indígenas e populações tradicionais, a publicação é o mais completo levantamento já realizado sobre a biodiversidade marinha-costeira do Brasil. Também reúne informações sobre seu papel para o bem-estar humano e a geração de riqueza. A prosperidade e a resiliência do país à atual crise ambiental dependem da conservação desses ambientes, segundo o relatório.
Neste texto, o Nexo explica o que se sabe sobre a biodiversidade marinho-costeira no Brasil, segundo os dados reunidos no relatório. Mostra também qual é a importância desses ambientes para a população, quais são as atuais ameaças a eles e quais são as recomendações dos pesquisadores para conservá-los.
A costa brasileira é enorme. Abriga 17 estados, 443 municípios e 13 capitais, cujas regiões metropolitanas reúnem 18% da população brasileira, segundo a publicação desta quinta-feira (23). A área marinha sob domínio nacional, chamada de “Amazônia azul”, tem 5,7 milhões de km², o que equivale a cerca de dois terços do território continental.
A área é considerada um mosaico de territórios e paisagens. Praias, dunas, restingas, manguezais , recifes de corais , costões rochosos, ilhas oceânicas e bancos de algas calcárias estão entre os exemplos de habitats brasileiros costeiros, que abarcam uma gigantesca diversidade de espécies. Estão entre elas:
Destacam-se nessas paisagens os manguezais, ecossistemas de transição entre terra e mar. O Brasil tem a segunda maior área global desse tipo de vegetação — 12 mil km². Os mangues são importantes por serem “berçários de espécies”, onde peixes desovam sua prole para que obtenham alimento e proteção contra predadores na primeira fase do ciclo de vida.
Homens quilombolas andam em cavalos no mar no Quilombo Banadeiras, na Bahia
Há também grande diversidade cultural nas zonas costeiras. Diferentes grupos sociais e comunidades tradicionais vivem no litoral do Brasil. Ao menos 61 terras indígenas, 111 territórios quilombolas (em diferentes etapas do processo de reconhecimento) e inúmeras comunidades de extrativistas, caiçaras e pescadores artesanais estão nessas áreas, segundo o relatório.
A costa e o oceano trazem diversos benefícios para a população brasileira. O mar tem influência sobre o clima do continente sul-americano e contribui para a segurança alimentar, energética e hídrica do país. Também traz benefícios imateriais, como inspiração, lazer, cultura e espiritualidade.
As atividades econômicas que ocorrem nesses espaços são a pesca, a aquicultura, a navegação, a mineração e o turismo. O valor desses setores foi estimado em R$ 1,1 trilhão em 2015, o que corresponde a quase 20% do PIB (Produto Interno Bruto) nacional. Atividades como a pesca e a aquicultura geram renda para milhares de pessoas, muitas em situação de vulnerabilidade, segundo o relatório.
1 milhão
é a quantidade de pescadores artesanais no Brasil; grupo é responsável por mais da metade da produção anual de pescado no país, estimada em 500 mil toneladas
Os benefícios ambientais não são menos importantes. Os ecossistemas marinho-costeiros são fundamentais para proteger o litoral contra tempestades, ressacas, erosão costeira e elevação do nível do mar. Os oceanos também ajudam a regular as chuvas no continente e a sequestrar carbono da atmosfera, o que é relevante no contexto da mudança climática.
Pescadores navegam na costa do Amapá
Beatrice Padovani, professora de oceanografia da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) e uma das coordenadoras do diagnóstico, disse ao Nexo que o oceano “ainda tem potencial enorme de utilização e fornecimento de serviços” no Brasil, “desde que bem explorado”. Um dos setores que a publicação diz que têm potencial de crescimento é a bioeconomia . A alta diversidade de espécies marinhas é uma oportunidade de desenvolvimento de bioprodutos (como remédios), mas faltam investimentos.
As zonas costeiras e marinhas têm sofrido uma série de alterações. Atividades humanas e políticas públicas que incentivam o uso desordenado desses ambientes têm levado à perda de sua biodiversidade e dos benefícios que eles trazem para as pessoas, a economia e o clima. Esses problemas incluem:
Cento e sessenta espécies da fauna marinha brasileira estão ameaçadas de extinção nesse contexto. Outras possíveis consequências dessas ações são o colapso de estoques pesqueiros e o aumento da insegurança alimentar. Há ainda a possibilidade de estreitamento da costa nos casos de ocupação desordenada do solo.
Fiscais do Ibama fazem apreensão de embarcações usadas para pesca ilegal em área de proteção ambiental, no litoral do Rio de Janeiro
Padovani afirmou que outra ameaça a esses ambientes é a mudança climática. “É uma ameaça maior, que atua em paralelo, em sinergia com as outras”, disse. Por isso, segundo ela, é importante conservar os chamados “serviços da natureza” — como a capacidade da zona marinha de regular o clima —, já que eles podem ajudar a enfrentar essa crise.
Para ela, o Brasil não dá importância o suficiente para o tema. “O país tem muitos outros problemas e percebe as zonas marinhas e costeiras como um bônus, algo que está ali e vai se resolver por si mesmo. Essa não é a realidade. Temos que olhar para a zona marinha e costeira da mesma forma que olhamos para outros biomas”, disse.
Padovani diz que, para mudar o atual cenário, é preciso adotar estratégias de desenvolvimento sustentável. Isso passa por medidas como o planejamento espacial marinho, a criação de unidades de conservação e o estímulo à ciência. A gestão desses espaços também deve ser mais integrada, incluindo governos municipais, estaduais e federal, segundo ela.
A publicação desta quinta (23) cita a chamada “cultura oceânica”. Trata-se de um movimento que busca disseminar informações sobre a influência dos oceanos, incentivando a reconexão das pessoas com o mar. O fomento dessa cultura pode criar uma sociedade mais engajada e capaz de qualificar a forma como o Brasil vai se relacionar com esses ambientes no futuro, segundo o texto.
Grupo leva ao mar oferendas para Iemanjá
Outra recomendação é escutar as comunidades costeiras, indígenas e tradicionais, de acordo com Padovani. Esses grupos manejam o ambiente em que vivem, para a manutenção de seus modos de vida,há gerações e podem contribuir para estratégias de desenvolvimento sustentável. “Ancestralmente, tem que ter voz e vez”, disse a professora.
O diagnóstico também destaca o papel do setor privado. Boa parte do empresariado brasileiro vê os oceanos como fonte de recursos e considera sua conservação um obstáculo ao desenvolvimento, segundo a publicação. Para os pesquisadores, no entanto, é possível integrar os dois por meio de investimentos em ciência e ações sustentáveis.
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