Expresso

Como as mudanças climáticas afetam o setor de seguros

Marcelo Roubicek

27 de março de 2024(atualizado 27/03/2024 às 20h03)

Maior ocorrência de eventos extremos impacta mercado com mais riscos e maior imprevisibilidade. O ‘Nexo’ mostra os principais efeitos e formas de lidar com a nova realidade

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FOTO: Fred Greaves/REUTERS - 19.MAR.2023Cerca de dez casas cobertas por água e lama na beira de uma estrada de terra.

Enchente atinge casas na cidade de Manteca, na Califórnia, EUA

Que os eventos climáticos extremos estão mais frequentes e mais intensos não é novidade. Também não há dúvidas entre cientistas de que esse fenômeno está relacionado ao aumento da temperatura média global causada em parte pela atividade humana.

A maior ocorrência desses fenômenos torna os bens e atividades dos seres humanos mais suscetíveis a riscos de chuvas, secas, calor, frio, ventos e outros eventos do tipo. E isso afeta diretamente um mercado que existe para proteger as pessoas e empresas de riscos: os seguros.

Neste texto, o Nexo mostra como esse processo de aumento de riscos e incertezas impacta globalmente o mercado de seguros.

Como funciona o mercado de seguros

Os seguros funcionam da seguinte maneira:

  • Uma pessoa (ou empresa) contrata uma seguradora para cobrir determinados eventos que podem vir a acontecer. Esse contrato é chamado de apólice
  • Nesse contrato, a pessoa se compromete a pagar a cada determinado tempo um valor, chamado de prêmio. Pode ser mensal, anual ou com outra frequência
  • Se um evento coberto pelo contrato — chamado de sinistro — acontece, a pessoa aciona a seguradora para receber um pagamento, que pode ser parcial ou total
  • Tendo conferido documentos que comprovem o evento e suas causas, a seguradora paga o segurado com uma indenização

Há seguros de saúde, de carro, de casa e de vida. Mas há também seguros para viagens, transportes, imóveis comerciais e até para a produção rural.

Para calcular os valores dos prêmios e das indenizações, as seguradoras levam em conta uma ampla gama de variáveis: o perfil da pessoa que está contratando, o histórico com sinistros, o tipo de bem segurado, e até a frequência com que os eventos podem acontecer.

O impacto das mudanças climáticas

No mundo todo, as seguradoras estão acostumadas a cobrir danos causados por eventos climáticos, como enchentes relacionadas a chuvas, incêndios associados a secas e temperaturas elevadas, e destruições deixadas por furacões ou terremotos.

Com o aquecimento global e as mudanças climáticas tornando eventos extremos mais intensos e frequentes, do ponto de vista dos seguros, isso quer dizer que os sinistros se tornam mais frequentes e mais graves.

“Os extremos climáticos acabam afetando os seguros por diversos eventos que causam danos. Isso vale para seguro rural, residencial… Mesmo de carro e de vida”, disse ao Nexo Priscila Souza, gerente sênior de pesquisa do CPI/PUC-Rio (Climate Policy Initiative da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro).

FOTO: Tracey Nearmy/Reuters - 05.01.2020Sob uma neblina de tom amarelo escuro, uma grande árvore pende para a esquerda, quase caindo sobre uma rua asfaltada.

Árvore cai em Corbago, na Austrália, após incêndio na região

Segundo o jornal britânico Financial Times, até a década de 2010, um ano considerado ruim pela indústria de seguros era um ano em que as perdas causadas por eventos da natureza (e cobertas por seguros) batiam a casa dos US$ 100 bilhões mundialmente.

Mas dados da Swiss Re, uma resseguradora (seguradora de seguradoras) suíça, mostram que essa marca foi atingida em todos os anos entre 2020 e 2023. Ou seja, o que antes era raro está virando regra.

Além das indenizações mais frequentes, que estão deixando um rombo maior nas seguradoras, há outros impactos que já aparecem no mercado. Veja os principais abaixo.

Alguns efeitos práticos

PRÊMIOS MAIS CAROS

O aumento dos riscos significa também que o preço de contratar um seguro está mais alto. Ou seja, os prêmios estão subindo em diferentes setores e regiões do mundo.

 

MAIOR DEMANDA

Por causa do aumento da frequência e intensidade, empresas no Brasil estão procurando cada vez mais seguros para proteger suas operações, como registrou o jornal Folha de S.Paulo.

 

COBERTURA REDUZIDA

Há também casos de seguradoras que simplesmente estão deixando de ofertar determinados seguros. “As seguradoras acabam não entrando em alguns mercados porque o risco é muito alto”, afirmou Souza.

 

DIFICULDADES DE CÁLCULO

Ao colocar um preço em um seguro, uma seguradora tenta, no fundo, calcular as chances de que um evento aconteça. Mas, com as mudanças climáticas, esse exercício está mais difícil. “Uma vez que as coisas estão saindo do padrão, há uma dificuldade de previsão de perdas. Então é difícil precificar as apólices”, disse Souza. Por isso, seguradoras estão mudando suas contas, adaptando-as para a nova realidade.

Alguns casos de setores impactados

O setor agropecuário é vulnerável à questão climática, já que a produção depende das condições ligadas ao sol, à chuva e outros elementos. Por isso, os eventos extremos implicam uma maior frequência de quebras de safra que prejudicam os produtores rurais.

“As indenizações do seguro rural têm aumentado exponencialmente”, disse Souza, do CPI/PUC-Rio. Um dos exemplos é o Proagro (Programa de Garantia da Atividade Agropecuária). Trata-se de uma política de seguros subsidiados pelo governo para produtores rurais.

O custo do Proagro para os cofres públicos subiu de R$ 1,7 bilhão em 2021 para quase R$ 10 bilhões em 2023. O aumento significativo levou o governo a fazer um pente-fino no programa em 2024, como mostrou o Nexo. A ideia é entender formas de melhorar o desenho da política e, eventualmente, encontrar irregularidades nos benefícios.

FOTO: Roosevelt Cassio/REUTERS - 30.JUL.2021Pessoa caminha entre filas de cafezais que estão com aspecto queimado

Plantação de café afetada pela geada em Varginha, Minas Gerais

Há outros exemplos de setores afetados pelas mudanças climáticas, como os seguros residenciais nos EUA. Por causa da maior incidência de enchentes e incêndios em determinadas regiões, seguradoras estão aumentando muito o preço das apólices ou simplesmente deixando mercados.

De todo modo, pessoas que moram em regiões de risco estão ficando sem seguro — ou porque não conseguem pagar os prêmios, ou porque não há mais quem ofereça o serviço. Há casos parecidos também no Reino Unido e na Austrália.

O jornal americano The Wall Street Journal mostrou em uma reportagem de fevereiro de 2024 que as adaptações dos seguros às mudanças climáticas podem em breve chegar aos planos de saúde. Seguradoras estão estudando como incorporar em seus cálculos os eventos extremos climáticos e seus vários efeitos sobre a saúde humana.

O que pode ser feito para melhorar o cenário

Algumas seguradoras nos EUA estão apostando na tecnologia para reduzir seus riscos, como registrou o Wall Street Journal. Com novos aparelhos, algoritmos e inteligências artificiais, algumas pequenas empresas estão aperfeiçoando seus cálculos de risco e de preços dos seguros.

As soluções não precisam vir apenas do setor privado. O poder público também pode participar do mundo dos seguros, de diferentes formas (além da tradicional regulação). Nos EUA, por exemplo, alguns estados como Flórida e Califórnia estão oferecendo seguros residenciais para seus moradores.

No Brasil, o governo federal atua principalmente com subsídios para seguros rurais. Segundo Souza, do CPI/PUC-Rio, há formas de melhorar o desenho dos programas, que costumam chegar mais nos grandes produtores.

FOTO: Rahel Patrasso/Reuters - 08.ABR.2020Homem de chapéu anda entre longas filas de acelga que estão plantadas no solo

Agricultor em plantação de acelga em Piedade, São Paulo

“É importante privilegiar nos subsídios os pequenos produtores, que são aqueles que efetivamente não têm recursos para lidar com eventos extremos”, afirmou a pesquisadora. Para ela, é também preciso dar preferência para agricultores que adotam práticas de redução de emissões de gases do efeito estufa.

Por fim, Souza também disse que é preciso que o poder público tome ações para mitigar as mudanças climáticas (reduzir emissões) e adaptar os locais para os efeitos climáticos, de forma a reduzir os riscos para a população.

“Se a política pública reduz os riscos e ajuda na adaptação às condições climáticas, aí o mercado de seguros consegue atuar [melhor], porque há mais condições de oferecer um prêmio que seja razoável”, afirmou Souza.

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