Expresso

A vacina que pode mudar o tratamento contra o câncer 

Mariana Vick

21 de junho de 2024(atualizado 21/06/2024 às 22h37)

Dados preliminares mostram resultados positivos de tratamento que combina imunizante e remédio contra melanoma. Tecnologia de RNA mensageiro é aplicada em pessoas em estágio avançado da doença

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FOTO: David McNew/Reuters - 19.ago.2013Homem de meia-idade, branco, com bigode, está sentado em uma grande cadeira, prestes a rececer um tratamento intravenoso. Um homem de avental de médico está ao seu lado.

Paciente com melanoma recebe tratamento à base de medicamento em Los Angeles, nos EUA

Estudos preliminares de um tratamento contra o melanoma que combina um medicamento e uma vacina mostram que 74,8% dos pacientes que adotaram as duas terapias após fazerem cirurgia ficaram por dois anos e meio sem retorno da doença. A pesquisa é das farmacêuticas Moderna e Merck. Os dados foram apresentados neste mês em reunião da Sociedade Americana de Oncologia Clínica, em Chicago.

O melanoma é um tipo de câncer de pele que afeta mais de 150 mil pessoas por ano em todo o mundo, cujo risco médio de recorrência após cirurgia para pacientes em estado grave costuma ser de 50%. Por isso, os resultados apresentados são promissores, segundo cientistas. A eficácia, se confirmada em novos estudos, pode impulsionar uma nova era de tratamentos contra o câncer.

Neste texto, o Nexo explica como a vacina desenvolvida pela Moderna funciona, em que estágio estão os ensaios clínicos e por que cientistas consideram os resultados promissores. Mostra também o que ainda falta para a conclusão do desenvolvimento do imunizante. 

O que o estudo mostra

A combinação de tratamentos estudada contra o melanoma baseia-se num medicamento da Merck chamado Kreytuda (ou pembrolizumabe) e numa vacina de mRNA (RNA mensageiro) desenvolvida pela Moderna. A tecnologia do imunizante é a mesma usada nas doses contra a covid-19. A vacina, feita a partir do mRNA de células cancerígenas, leva o paciente a produzir antígenos característicos da doença, que serão reconhecidos pelas células T (de defesa) do sistema imunológico.

Os pesquisadores chamam o mRNA do imunizante contra o melanoma de mRNA-4157. A vacina é personalizada. Antes de produzir as doses, os cientistas sequenciaram geneticamente amostras dos tumores dos pacientes que participaram do estudo, para que a dose que recebessem os levasse a produzir exatamente os antígenos de que precisavam. 

6 a 8 semanas

foi o tempo necessário para o desenvolvimento de vacinas adaptadas às mutações específicas do tumor de cada paciente

A pesquisa divulgada neste mês teve a participação de 157 pacientes com melanoma em estágio 3 ou 4 (avançado) que haviam acabado de passar por cirurgias para remover a maior parte de seus tumores. Dois terços receberam por nove meses uma dose mensal da vacina da Moderna junto com tratamentos com Kreytuda a cada três semanas por um ano. O restante recebeu apenas o remédio.

Depois de dois anos e meio, o tratamento aumentou o número de células T que enfrentam os tumores do melanoma no organismo dos pacientes. Aqueles que receberam os dois tratamentos (vacina e remédio) tiveram risco 49% menor de morte por câncer e risco 62% menor de propagação do tumor. Enquanto quase 75% dos participantes que receberam a vacina não tiveram recorrências, 56% dos que usaram apenas o remédio tiveram o mesmo resultado.

34

“alvos” específicos dos tumores do melanoma estão contidos na vacina da Moderna; maioria dos participantes do estudo gerou grandes populações de células T contra 15 a 20 desses alvos 

Em que fase está a pesquisa

Os dados divulgados neste mês são dos ensaios clínicos de fase 2 do tratamento que combina o medicamento da Merck e a vacina da Moderna. Trata-se de uma fase intermediária dos estudos de imunizantes. As pesquisas sobre vacinas podem ser divididas em pelo menos quatro etapas: 

  • estudos pré-clínicos (em animais)
  • estudos clínicos (em humanos) de fase 1
  • estudos clínicos de fase 2
  • estudos clínicos de fase 3 

A fase 1 dos estudos clínicos costuma ter poucos participantes (cerca de dezenas) e serve para testar a segurança e a dose da vacina. A fase 2, com mais voluntários (cerca de centenas), obtém mais dados sobre segurança e avalia a eficácia do imunizante. Já a fase 3, com milhares de pessoas, busca confirmar os dados de eficácia e examinar possíveis reações adversas do tratamento.

A fase 3 é considerada a mais importante dos estudos de vacinas. Os dados da Merck e da Moderna, portanto, devem ser analisados com cautela, já que são preliminares — de fase 2 —, apesar de serem positivos. As farmacêuticas afirmam que incluirão cerca de 1.000 pessoas a mais na etapa seguinte dos ensaios clínicos. 

Além das três fases clínicas, há ainda o que cientistas chamam de fase 4 das pesquisas — que seria o “estudo de vida real”. A etapa ocorre  depois que a vacina é aprovada por agências reguladoras e disponibilizada no mercado. Ela consiste em acompanhar efeitos adversos a longo prazo do imunizante e reunir mais informações sobre sua efetividade num número maior de pessoas.

O que há de promissor

Stephen Hoge, presidente da Moderna, afirmou que os resultados vistos até agora fornecem “um grau extremamente elevado de confiança” de que os efeitos da vacina em desenvolvimento são reais e duradouros, como relatou a revista Time. Para ele, os resultados podem mudar o tratamento do câncer nos próximos anos. Outros cientistas demonstraram o mesmo otimismo:

“É terrivelmente emocionante. A nova vacina é mais uma peça do quebra-cabeça que permitirá que mais pacientes sejam curados, esperançosamente, ou que menos pacientes sofram recaídas da doença. Em última análise, contribuirá para que as taxas de sobrevivência melhorem continuamente nas próximas décadas e mais”

Charles Swanton

clínico-chefe da organização britânica Cancer Research UK, em  declaração publicada pelo jornal The Guardian 

Georgina Long, líder do estudo da Moderna, afirmou que a maior parte do risco de retorno do melanoma em pacientes como os analisados nos ensaios clínicos ocorre nos primeiros dois anos — o que indica que a vacina, se a eficácia for confirmada, pode atender às principais necessidades desse grupo. Ainda sim, segundo ela, é preciso olhar para os números de cinco a dez anos.

A vacina contra o melanoma pode também abrir caminho para imunizantes contra outros tipos de câncer. A Merck e a Moderna dizem estar testando o mesmo tratamento (imunizante mais medicação) para pacientes com outros tipos de câncer de pele, além de câncer de rim e bexiga, segundo a Time. Além de afastar o risco de recaídas, o tratamento, se for confirmada sua eficácia, pode produzir menos efeitos colaterais que a quimioterapia convencional.

Outras empresas conduzem em paralelo pesquisas de vacinas de mRNA contra o câncer. As farmacêuticas BioNTech e Genentech têm feito estudos — cuja conclusão deve vir só em 2027 — para pacientes com câncer de intestino, como conta uma reportagem da BBC News. Outro ensaio clínico apresentado em Chicago por pesquisadores da Universidade de Viena mostrou resultados promissores de vacinas contra o câncer de mama.

“Sabemos que, mesmo depois de uma operação bem-sucedida, os cânceres às vezes podem retornar, porque algumas células cancerígenas são deixadas no corpo. Usar uma vacina para atingir essas células restantes pode ser uma maneira de impedir que isso aconteça” 

Peter Johnson

diretor clínico nacional para câncer do Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido, em declaração publicada pela BBC News 

O que falta saber sobre a vacina

Além de ainda não ter chegado à fase 3, a pesquisa da Merck e da Moderna não foi publicada numa revista científica — ou seja, não passou pelo escrutínio necessário para esse tipo de estudo. Artigos editados nesses periódicos são, por padrão, revisados por pares (isto é, por outros cientistas) antes de serem publicados. Os dados das farmacêuticas foram divulgados apenas em conferências médicas.

Essa lacuna pode ser preenchida a qualquer momento. Os dados da fase 2 ou mesmo da fase 3 do estudo — que ainda não aconteceu — podem passar pelo processo de revisão por pares e vir a ser publicados em alguma revista (caso a qualidade dos dados seja confirmada). Não é porque um estudo ainda não foi publicado que ele tem problemas — apenas que é preciso olhá-lo com mais cautela.

Enfermeiro preparando uma vacina contra Covid-19 da Pfizer-BioNTech na Alemanha

Os primeiros pacientes para os estudos de fase 3 já estão sendo inscritos, segundo o site The Conversation. Os resultados finais dessa fase de estudos, no entanto, não devem aparecer antes de 2029. Até lá — a não ser que apareçam outras pesquisas —, é incerto o futuro do uso de vacinas contra o melanoma. 

Apesar dos avanços no tratamento da doença, a melhor forma de combate ao melanoma continua sendo a prevenção. Esse e outros tipos de câncer de pele podem ser afastados evitando-se a exposição prolongada ao sol nos horários mais quentes. Proteções como o filtro solar antes da exposição também são importantes. 

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