7 meios para ampliar o uso de energias renováveis no Brasil
Mariana Vick
15 de agosto de 2024(atualizado 15/08/2024 às 15h28)País tem vocação para uso de fontes eólica e solar, mas sistema elétrico não se adaptou à diversificação da matriz. Documento propõe medidas para adaptação a novo cenário
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Trabalhador caminha sobre a maior usina solar flutuante do Brasil, em São Paulo
O Brasil tem vocação para o uso de energias renováveis, como a eólica e a solar, cujo crescimento acelerou nos últimos anos. Apesar disso, há desafios para incluir esses projetos no sistema elétrico nacional, que não se adaptou à diversificação da matriz. Essa é a mensagem de um estudo publicado nesta quinta-feira (15) pelo Iema (Instituto de Energia e Meio Ambiente), que propõe medidas para comportar as novas fontes.
31%
da capacidade instalada (parâmetro que corresponde à maior quantidade de potência que o país pode oferecer) do Brasil vinha das fontes eólica e solar em 2024, segundo o documento
Elaborado em parceria com a Coalizão Energia Limpa, o texto sugere mudanças em diversas áreas para adequar o sistema elétrico ao cenário atual e futuro. A matriz energética do país tem mudado cada vez mais no contexto de combate à mudança climática. O uso de renováveis pode fazê-lo reduzir suas emissões de gases de efeito estufa, além de eliminar medidas que encarecem a conta de luz, como a contratação de termelétricas.
Neste texto, o Nexo lista sete propostas da publicação para integrar as fontes renováveis ao sistema elétrico brasileiro e explica alguns dos principais conceitos ligados a esse campo de estudos. Mostra também quais podem ser os impactos das sugestões feitas no documento, caso elas venham a ser adotadas, segundo um profissional do setor.
A primeira proposta do documento é mudar o papel estratégico das hidrelétricas, que hoje constituem a principal fonte de energia no Brasil. O texto sugere que, em vez de apenas ofertar energia de forma contínua, as usinas a armazenem para serem acionadas em momentos de redução da oferta de energia eólica e solar. A medida daria segurança ao fornecimento de energia e compensaria a variabilidade das outras fontes (que estão sujeitas à disponibilidade de sol e vento), segundo o documento.
Usina hidrelétrica Porto Primavera, na divisa de São Paulo com Mato Grosso do Sul
A publicação usa o exemplo da Hidrelétrica de Sobradinho (BA) para ilustrar a proposta. A localização estratégica do local o torna candidato para prestar o que o texto chama de atendimento específico de potência. A usina forneceria potência ou energia elétrica por um período curto (de uma a quatro horas diárias) e perderia capacidade de fazê-lo de forma contínua.
“Não estamos falando de uma alteração estrutural das hidrelétricas, mas de operação”, disse ao Nexo Ricardo Baitelo, gerente de projetos do Iema. “Antes o Brasil tinha apenas hidrelétricas e termelétricas, e as hidrelétricas operavam o tempo todo — com exceção dos momentos de seca. Hoje temos energia solar e eólica. A hidrelétrica não precisa estar necessariamente na base do sistema.”
A publicação também defende a expansão de linhas de transmissão para dar conta do crescimento de projetos de energia solar e eólica. Essas linhas são responsáveis pelo transporte da energia gerada nas centrais para as subestações distribuidoras. Havia 180 mil km dessas linhas no Brasil em 2022, segundo o documento.
70 GW
de projetos solares estão em planejamento apenas em estados do Nordeste, segundo o estudo
As linhas de transmissão são fundamentais para a operação do sistema elétrico brasileiro. São elas que possibilitam a transferência de energia entre os subsistemas das regiões Sul, Sudeste/Centro-Oeste, Nordeste e Norte. A extensão atual das linhas já permite grande capacidade de intercâmbio, mas o salto previsto na geração exige a otimização desse trabalho, segundo o documento.
Outra proposta do documento é investir nos chamados sistemas de armazenamento de energia. O nome é dado para os métodos e tecnologias usados para armazenar energia elétrica. Estão entre esses sistemas os chamados bancos de bateria (agrupamentos de baterias que podem ser acionados em caso de falta de eletricidade).
Parque eólico da cidade de Osório, no Rio Grande do Sul
Esses sistemas são importantes para dar apoio à geração de energia por fontes renováveis intermitentes (que não são armazenáveis em sua forma original), como a eólica e a solar. A dependência do vento, por exemplo, faz com que a geração de energia eólica aumente rapidamente e depois diminua. O mesmo ocorre com usinas solares, que podem parar de gerar energia elétrica quando há passagem ou formação de nuvens.
A instalação de bancos de bateria junto a sistemas renováveis estabiliza a variação do fornecimento de energia e reduz o desperdício, segundo o documento. Além disso, esses bancos podem ser acionados com mais rapidez do que usinas de grande porte também capazes de armazenar energia, como hidrelétricas e termelétricas. Baitelo defendeu seu uso:
“Os bancos de bateria podem ser úteis tanto para o consumidor residencial quanto para grandes usinas, que podem decidir em que momento enviar energia para o sistema elétrico. Quando há baixa demanda — de madrugada, por exemplo —, as usinas podem deixar a energia nos bancos de bateria, esperar algumas horas e depois enviá-las ao sistema. Esse tipo de arranjo nos permite abrir mão de térmicas fósseis [nos momentos de pico da demanda]”
Ricardo Baitelo
gerente de projetos no Iema, em entrevista ao Nexo
A quarta proposta do trabalho é construir os chamados parques híbridos, que são espaços que conjugam a geração de mais de um tipo de energia. A combinação de usinas solares e parques eólicos, por exemplo, pode trazer ganhos econômicos. Além de aproveitar as mesmas estações e redes de transmissão, o modelo reduz custos operacionais, segundo o documento.
Os parques híbridos também têm a vantagem de permitir o uso de uma fonte de energia para complementar a ausência de outra. Períodos de baixa geração solar coincidem com alta geração eólica e baixo nível nos reservatórios, de acordo com a publicação. Combinando diferentes fontes, a geração dessas usinas pode variar menos ao longo do tempo.
Trabalhador sobre painéis solares
Esse tipo de projeto ainda está em fase de pesquisa e desenvolvimento no Brasil, segundo o documento. São exceções alguns pequenos parques construídos nos chamados sistemas isolados (ou seja, que não fazem parte do Sistema Elétrico Nacional), como em Roraima. “Seria importante que esses projetos tivessem priorização”, disse Baitelo.
A publicação recomenda atenção especial para os desafios que podem surgir a partir do crescimento da chamada geração distribuída no Brasil. A geração distribuída é a produção de energia elétrica a partir de pequenas centrais que utilizam fontes renováveis. São exemplos os painéis fotovoltaicos nas casas e indústrias, cujo uso cresceu de forma exponencial nos últimos dois anos.
26,4 GW
foi a geração distribuída fotovoltaica no Brasil em janeiro de 2024, contra apenas 9,7 GW gerados em janeiro de 2022
“O consumidor residencial, comercial ou industrial tem cada vez mais produzido eletricidade, e isso influenciará o fluxo e a demanda de acordo com os períodos do dia”, diz o documento. A geração de energia desses sistemas se concentra durante o dia, exigindo reposição por outras fontes quando o sol se põe, segundo o Iema. Novas tecnologias e métodos de armazenamento de energia (como destacado na proposta 3) podem desempenhar essa função, segundo o texto.
Outra modalidade que pode contribuir para a capacidade de armazenamento de energia no Brasil são as térmicas a biomassa, segundo o documento. A biomassa é todo material orgânico disponível de forma renovável para diferentes usos, como a cana-de-açúcar e o milho. Processada, ela dá origem aos chamados biocombustíveis.
Colheita de cana de açúcar em Ribeirão Preto, interior de São Paulo
Há um grande potencial ainda pouco explorado de produção de energia à base de resíduos florestais e agrícolas, de acordo com a publicação. A conversão de biogás para eletricidade, por exemplo, pode resultar em capacidade instalada (parâmetro que corresponde à maior quantidade de potência que uma usina pode oferecer) superior a 19 GW. O custo dessa fonte, no entanto, ainda é um desafio, segundo o texto.
Além de melhorar as condições para ampliar a oferta de energia, o Brasil pode adotar medidas para tornar mais eficiente seu uso, segundo o documento. Tarifas dinâmicas, por exemplo, podem incentivar os consumidores a consumir energia nos horários em que há menor demanda. “Se conseguirmos distribuir melhor o consumo, teremos ganhos para o sistema elétrico”, disse Baitelo.
A publicação propõe mudanças regulatórias para remunerar de forma adequada os serviços prestados por armazenadores de energia e demais fontes energéticas. Aprimoramentos nas previsões meteorológicas de geração renovável também podem ser úteis. “Essa arrumação é essencial para posicionar o Brasil em condições de realizar sua transição energética doméstica”, segundo o Iema.
O Brasil pode descarbonizar sua matriz elétrica com a integração das renováveis ao sistema nacional, segundo Baitelo. “O impacto positivo é claro, porque não teríamos emissões diretas [com a geração de energia] disso. Também teríamos um impacto econômico positivo, porque hoje as termelétricas têm preço superior, principalmente quando são empregadas em momentos emergenciais [como de crise hídrica].”
A publicação apresenta outros motivos para adequar o sistema elétrico brasileiro às novas fontes. O primeiro inclui os diversos casos de desperdício de fontes renováveis registrados nos últimos anos. Além disso, há a pressão do aumento da demanda de energia, que se agrava nos momentos de baixos níveis dos reservatórios das hidrelétricas.
101.475 MW
foi o recorde de demanda de eletricidade na história do Brasil, registrado no dia 14 de novembro de 2023, durante uma onda de calor
O país, no entanto, deve enfrentar desafios caso decida implementar as medidas propostas no documento. Expandir linhas de transmissão, por exemplo, é uma tarefa complexa, que exige estudo e anos de planejamento, segundo o documento. Também são necessários recursos financeiros para renovar a infraestrutura na área elétrica.
O texto acrescenta que a opção por fontes renováveis deve vir acompanhada de salvaguardas socioambientais. A avaliação dos riscos de empreendimentos deve ser prevista no processo de planejamento da expansão do sistema elétrico, e as comunidades diretamente afetadas devem participar da discussão, por exemplo. Estudos e reportagens mostram que a instalação desses projetos tem gerado conflitos em áreas rurais do Brasil.
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