Expresso

Como a Amazônia voltou a lançar fumaça para o Brasil 

Mariana Vick

21 de agosto de 2024(atualizado 23/08/2024 às 18h43)

Floresta amazônica vive nova temporada de queimadas, que se intensificaram com antecedência em 2024, segundo dados do Inpe. Poluição gerada por fogo atinge pelo menos dez estados

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FOTO: Adriano Machado/Reuters - 08.ago.2024Brigadistas com uniformes amarelos apagam fogo em área de vegetação. Há muita fumaça. A câmera os mostra de longe.

Brigadistas do Ibama combatem fogo em Apuí, no Amazonas

A Amazônia vive uma nova temporada de queimadas. Dados do programa BDQueimadas, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), mostram que os estados da região já registraram 26.126 focos de calor em agosto até esta quarta-feira (21), superando os números de todo o mês em 2023. A fumaça chegou a diferentes estados, inclusive fora da região Norte.

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estados registraram fumaça até agora: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Acre, Rondônia, Paraná, Minas Gerais, São Paulo e Amazonas

As queimadas são um problema recorrente da Amazônia, que costuma  registrar maior número de focos de calor na sua estação seca, entre os meses de agosto e outubro, com pico em setembro. O alto número de incêndios identificados nas últimas semanas, no entanto, indica que a estiagem pode ter chegado em 2024 antes do previsto. O quadro gera importantes prejuízos ambientais e para a saúde.

Neste texto, o Nexo explica qual é a situação atual das queimadas na Amazônia, qual é a gravidade do problema em relação a anos anteriores, o que causa um cenário tão crítico e qual é a resposta dos governos. Mostra também como a fumaça gerada na floresta chegou ao restante do Brasil e o que os dados de agora indicam para o futuro. 

O que os dados mostram

Dados do programa BDQueimadas, do Inpe, mostram que os estados da Amazônia Legal registraram 63.368 focos de calor em 2024 até esta quarta (21). Trinta e sete por cento desses registros ocorreram apenas em agosto. A quantidade de incêndios na região começou a crescer nos últimos dias de julho, atingindo o pico neste mês:

Em alta

Gráfico de barras mostra focos de calor por semana na Amazônia Legal, desde junho.

A quantidade de focos de calor registrados na região em todo o ano é a maior em 17 anos, segundo dados do Inpe. Quando se consideram os números apenas do mês de agosto, o valor registrado em 2024 é 125% maior que o identificado em 2023. Os dados compreendem os nove estados da Amazônia Legal: Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Rondônia, Roraima, Pará e Tocantins.

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A maior parte dos focos do mês de agosto está concentrada em três estados: Mato Grosso (28,6%), Pará (27,8%) e Amazonas (22,3%). O fogo ocorre principalmente no sul do Amazonas e nos arredores da rodovia Transamazônica (BR-230), segundo o governo federal. O estado com menos focos é Roraima, com 0,1% do total de registros. 

Em agosto

Gráfico de barras mostra distribuição de focos de calor nos estados da Amazônia.

Os dados de focos de calor são capturados por satélites do Inpe. Cada foco identificado indica a existência de fogo em um elemento de resolução da imagem (um pixel), que varia de 375 m x 375 m até 5 km x 4 km de área de vegetação. Em cada pixel, pode haver uma ou várias frentes de fogo ativo distintas, mas a indicação será de apenas um foco.

O que causa as queimadas 

A queimada é uma técnica que busca limpar áreas para o plantio de lavouras e pastagens e pode também ser usada após o desmatamento. Os incêndios florestais registrados na Amazônia são em maior parte associados a essas atividades, segundo o governo federal. O fogo costuma se destacar em épocas de seca, como a de agora, porque a baixa umidade do ar favorece sua dispersão.

A estiagem que a Amazônia vive desde meados de 2023 contribuiu para antecipar e agravar a atual temporada de incêndios no bioma, de acordo com o governo. “Duas secas muito severas seguidas foram o ingrediente que faltava para que os incêndios se multiplicassem”, disse ao Nexo Ane Alencar, diretora de ciência do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia). Fatores como a mudança climática e o fenômeno climático El Niño, que durou de 2023 a junho de 2024, contribuem para o quadro.

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foi quanto a mudança climática elevou a probabilidade de ocorrência das condições climáticas que intensificaram incêndios na Amazônia ocidental de março de 2023 a fevereiro de 2024, segundo estudo

As queimadas crescem na Amazônia ao mesmo tempo em que o desmatamento cai. Dados do Deter, sistema do Inpe que indica a tendência da taxa anual de desmatamento, mostram que os alertas de devastação caíram 45,7% de agosto de 2023 a julho de 2024 em comparação com os 12 meses anteriores. A área sob alertas de desmate foi a menor da série histórica iniciada em 2016.

O quadro revela uma aparente contradição. Pesquisadores explicam, no entanto, que as queimadas aumentam enquanto o desmate cai porque, apesar da redução, o corte de vegetação ainda existe na Amazônia. Além disso, parte das áreas queimadas em 2024 já tinham sido desmatadas há mais tempo, por isso não apareceram nos alertas de devastação do Inpe dos últimos meses.

“Quando olhamos o que está queimando, há muitas áreas de pastagens. Mesmo com o desmatamento menor, se as pessoas continuarem usando o fogo em larga escala para manejarem suas pastagens, a chance de esse fogo escapar e virar incêndio aumenta muito em uma condição como a que estamos vivendo. Um grande estresse hídrico e uma paisagem altamente inflamável”

Ane Alencar

diretora de ciência do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), em entrevista ao Nexo 

O que leva a fumaça para o sul do Brasil 

A fumaça gerada na Amazônia atingiu outros estados por causa de massas de ar que se deslocam do Norte ao Sul do Brasil. Essas  correntes costumam transportar ar quente entre as regiões. Quando há incêndios na Amazônia, elas acabam carregando essa fumaça, formando um “rio atmosférico” de poluição que percorre todo o país, segundo a empresa de meteorologia MetSul.

O processo é análogo ao dos chamados rios voadores, que transportam umidade da Amazônia para o Centro-Sul do Brasil. Essas massas carregadas de vapor d’água acompanham nuvens e formam chuva quando há condições meteorológicas propícias. É por causa delas que o clima no Centro-Sul tem características tropicais — contrariando sua tendência para a aridez, como é registrado em outras áreas da mesma latitude no Hemisfério Sul, entre elas a Savana africana.

FOTO: Claudia Morales/Reuters - 22.nov.2023Imagem mostra silhuetas de pessoas em fila, usando chapéus. Atrás o céu está laranja por causa do fogo.

Bombeiros combatem incêndio na Amazônia boliviana, na cidade de San Buenaventura

A fumaça que tem atingido lugares como o Rio Grande do Sul vem tanto da Amazônia quanto de outros lugares que têm registrado queimadas, como o Pantanal e países vizinhos, segundo a MetSul. A maior parte dessa poluição, no entanto, se origina de focos na Bolívia e no sul da Amazônia brasileira. A previsão é que a situação dure nos estados até o fim da semana.

Assim como parece ocorrer na Amazônia, a temporada de fogo do Pantanal começou em 2024 mais cedo que o comum. O fenômeno climático El Niño — que durou de 2023 a 2024 — e a mudança climática estão entre as razões para a atual seca no bioma, que favorece o espraiamento de incêndios. Quase 9% da região já foi queimada neste ano, segundo dados divulgados no começo de agosto pelo Lasa-UFRJ (Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais da Universidade Federal do Rio de Janeiro).

Qual é a resposta dos governos

O governo federal diz ter 1.489 brigadistas do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) na Amazônia. Os agentes atuam prioritariamente em áreas federais, como terras indígenas, unidades de conservação e assentamentos. Também apoiam o combate ao fogo em outras áreas, onde a ação é responsabilidade prioritária dos estados.

As ações do governo à estiagem e aos incêndios são coordenadas por  uma sala de situação criada em junho. O Executivo articula a resposta com os governos estaduais e representantes dos Corpos de Bombeiros da região Norte. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva também sancionou em julho o projeto de lei que regulamenta o chamado manejo integrado do fogo para prevenir e combater incêndios florestais.

R$ 405 milhões

do Fundo Amazônia foram disponibilizados para apoiar os Corpos de Bombeiros dos estados da Amazônia Legal

Para Alencar, “os governos, tanto o federal quanto os estaduais, precisam continuar seus esforços de redução do desmatamento, ao mesmo tempo em que os governos estaduais — e algumas vezes, os municipais — devem aumentar seu controle sobre o uso do fogo”. O governo lançou em abril o programa União com Municípios, que deve destinar R$ 785 milhões para ações de combate ao desmatamento e incêndios em 70 cidades na Amazônia. Os recursos serão enviados caso haja redução do desmatamento.  

Ainda não é certo como será o próximo mês de setembro, quando costuma ocorrer o pico de queimadas na Amazônia. Pesquisadores dizem não saber se a temporada de fogo apenas começou mais cedo — ou seja, também deve terminar mais cedo — ou se em 2024 durará mais tempo que o comum. “Infelizmente, ainda não chegamos no pico da estação seca e temos sinais não muito animadores sobre o que ainda está por vir. Temos os rios e o ar cada vez mais secos, altas temperaturas e condições muito propícias para o fogo”, disse Alencar.

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