Expresso

O que são sinais vitais da Terra. E quais recordes eles bateram

Mariana Vick

09 de outubro de 2024(atualizado 10/10/2024 às 21h12)

Aquecimento dos oceanos favorece fenômenos como o furacão Milton. Indicador da mudança climática ficou muito acima da média histórica em 2023. Artigo avalia dezenas de parâmetros que registraram alta 

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FOTO: CIRA/NOAA/Handout via Reuters - 09.out.2024Imagem de satélite mostra enorme furacão sobre o oceano, perto do continente.

Furacão Milton avançando antes de sua chegada prevista na Flórida, no Golfo do México

O furacão Milton chegou nesta quarta-feira (9) à costa da Flórida, nos Estados Unidos. A passagem do fenômeno formado no Golfo do México promete causar a pior tempestade do estado americano em 100 anos. Mais de 1 milhão de moradores foram orientados a deixar suas casas, no maior esforço recente de evacuação da região. 

O aquecimento recorde do mar está por trás da formação do Milton. As  temperaturas da superfície dos oceanos e, particularmente, do Atlântico Norte ficaram muito acima de suas médias históricas em 2023 — num padrão que tem se mantido em 2024 —, segundo artigo publicado na terça-feira (8) na revista científica Bioscience. O texto alerta para esse e outros dos chamados sinais vitais da Terra que atingiram estado crítico.

Neste texto, o Nexo parte do furacão Milton para explicar o que são os  sinais vitais da Terra descritos no artigo da Bioscience. Mostra também qual é a importância desses sinais, quais recordes eles atingiram em 2023 e quais são as recomendações dos autores da análise para que eles saiam do estado crítico em que se encontram hoje. 

O que são os sinais vitais da Terra

Os sinais vitais da Terra são um grupo de parâmetros utilizados para monitorar a mudança climática. O artigo publicado na terça (8) na Bioscience lista 35 deles. O conjunto engloba tanto as atividades humanas que contribuem para a transformação do clima quanto os resultados dessas alterações, incluindo: 

  • a temperatura global do ar
  • anomalias na temperatura dos oceanos
  • a extensão de gelo nos oceanos
  • a concentração de CO2 (dióxido de carbono) na atmosfera
  • a perda de florestas por conta de incêndios
  • a população humana (que contribui para a mudança climática)
  • o consumo anual de energia (que também contribui)
  • a produção de carne per capita (que também contribui)

Os sinais vitais recebem esse nome porque são indicadores da “saúde”  do sistema climático, da mesma forma que os sinais vitais humanos são para nós. Grande parte desses parâmetros são monitorados ao menos desde os anos 1980. Os dados indicam padrões gerais — ou seja, globais — das causas e resultados recentes da mudança do clima. 

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O artigo publicado na Bioscience sobre o tema é de uma coalizão global de cientistas liderada por integrantes da Universidade de Oregon, nos EUA. Trata-se da quinta análise que o grupo publica sobre o assunto, numa série anual chamada State of the Climate Report (relatório sobre o estado do clima, em tradução livre). A cada ano, os autores apresentam os dados disponíveis mais recentes.

Outros cientistas além deles usam o conceito de sinais vitais. A Nasa, a agência espacial americana, por exemplo, monitora sete deles por meio de observações de imagens de satélites e outros instrumentos específicos. Em 2020, 15 mil cientistas que assinaram uma declaração de emergência climática também falaram nesses dados: 

“Nossos sinais vitais são projetados para serem úteis […] pedimos que  seu uso seja generalizado — o que deve permitir que os formuladores de políticas, o setor privado e o setor público entendam melhor a magnitude desta crise, monitorem o progresso e realinhem as prioridades para aliviar a mudança climática” 

William J. Ripple, Christopher Wolf e outros autores

que assinaram uma declaração de emergência climática publicada na Bioscience em 2020; Ripple e Wolf também estão entre os principais autores do artigo publicado na terça (8) 

Quais recordes eles bateram

Dos 35 sinais vitais descritos no artigo publicado na terça (25), 25 quebraram recordes no último ano. O agravamento desse quadro indica uma “nova fase crítica e imprevisível da crise climática” que põe a Terra “à beira de um desastre climático irreversível”, de acordo com o texto. “Esta é uma emergência global, sem nenhuma sombra de dúvida.”

Os três dias mais quentes de todos os tempos ocorreram em julho de 2024, por exemplo. As emissões de combustíveis fósseis estão em alta — o consumo aumentou 1,5% em 2023 —, assim como a população humana e as de ruminantes (bois, cabras, ovelhas etc.), que crescem a uma taxa de 170 mil animais ao dia. O artigo também mostra que: 

  • a temperatura média da superfície da Terra alcançou uma alta histórica
  • a acidez e o calor dos oceanos bateram recordes
  • a massa de gelo da Groenlândia e da Antártida estão em baixas históricas
  • a perda anual de árvores foi a 28,3 milhões de hectares em 2023
  • as concentrações de CO2 e metano na atmosfera estão em nível recorde

Por um lado, o uso de energia renovável aumentou em 2023, segundo o texto. O consumo solar e eólico cresceram juntos 15% em relação a 2022. Por outro lado, o uso dessas fontes representa apenas um catorze avos do uso de combustíveis fósseis, e o aumento recente ​​é atribuído mais ao crescimento da demanda de energia do que à substituição do carvão, petróleo ou gás.

Outro dado positivo apresentado no relatório foi a queda no desmatamento da Amazônia brasileira entre 2022 e 2023, por conta de mudanças nas políticas públicas entre os governos de Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva. Ainda assim, a nível global, a perda anual de florestas cresceu 5,5 milhões de hectares no período. Parte desse aumento se deve a incêndios florestais.

De que forma eles repercutem

Além de apresentar os recordes recentes dos sinais vitais da Terra, o artigo da Bioscience lista uma série de desastres ligados ao clima que aconteceram desde novembro de 2023. Incêndios florestais, tempestades e ondas de calor em patamares excepcionais ocorreram em diferentes partes do mundo. A lista de eventos inclui: 

  • os incêndios do Chile de fevereiro de 2024
  • as inundações que atingiram o Rio Grande do Sul em maio
  • os incêndios florestais que atingiram o Pantanal em junho
  • uma onda de calor que superou 50ºC na Arábia Saudita em junho
  • o furacão Beryl que chegou aos EUA e ao México em julho
  • o furacão Debby, também nos EUA, em agosto

Esses e outros tipos de eventos climáticos extremos tendem a ficar mais intensos e frequentes no contexto da mudança climática. Estudos mostram que, no Rio Grande do Sul, o aquecimento global dobrou a probabilidade da ocorrência das inundações de maio. No Pantanal, ele aumentou em 40% a intensidade das condições meteorológicas que favoreceram os incêndios deste ano.

O artigo também alerta para os chamados feedback climáticos, que são processos que podem amplificar os efeitos das emissões de gases de efeito estufa. Um exemplo é o do permafrost, solo congelado nas altas latitudes da Terra. O aumento da temperatura global leva ao degelo desse solo — o que, por sua vez, resulta em mais emissões de dióxido de carbono e metano, provocando ainda mais aquecimento do planeta.

28 

feedbacks climáticos foram identificados até agora 

Parte desses feedbacks estão ligados aos chamados pontos de inflexão (ou de não retorno), segundo o texto. Um ponto de não retorno é um limiar crítico a partir do qual um sistema não consegue mais voltar ao estado original — o desmatamento na Amazônia, por exemplo, pode levá-la a um ponto em que ela não é mais uma floresta úmida. Vários dos sistemas que podem chegar a esses limiares estão conectados, e o desencadeamento da inflexão de um pode provocar um efeito cascata, de acordo com o texto.

Como mudar esse cenário

O artigo recomenda uma série de medidas para fazer com que os sinais vitais da Terra parem de quebrar recordes. “Tememos o perigo de um colapso climático. As evidências que observamos são alarmantes e inegáveis, mas é esse choque que nos leva à ação”, de acordo com os autores. 

“Apesar de seis relatórios do IPCC [Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU], 28 COPs [Conferência das Partes da ONU], centenas de outros relatórios e dezenas de milhares de artigos científicos, o mundo fez apenas um pequeno progresso no combate à mudança climática, em parte devido à forte resistência daqueles que se beneficiam financeiramente do atual sistema baseado em combustíveis fósseis”

William J. Ripple, Christopher Wolf e outros autores

em artigo publicado na terça-feira (8) na revista Bioscience 

A prioridade das sociedades neste momento deve ser a redução gradual — mas rápida — no uso de combustíveis fósseis, segundo o texto. Os governos podem incentivar essa mudança ao precificar emissões de carbono (que são altas nesse setor). Outra medida recomendada é precificar e reduzir as emissões de metano, gás de efeito estufa emitido em grande parte pela pecuária:

“O metano é um potente gás de efeito estufa e, ao contrário do dióxido de carbono, que persiste na atmosfera por séculos, tem uma vida útil atmosférica relativamente curta, o que torna sua redução impactante no curto prazo. Cortar drasticamente as emissões de metano pode desacelerar a taxa de aquecimento global […], ajudando a evitar pontos de inflexão e extremos climáticos”

William J. Ripple, Christopher Wolf e outros autores

em artigo publicado na terça-feira (8) na revista Bioscience

“Em um mundo com recursos finitos, o crescimento [econômico]  ilimitado é uma ilusão perigosa”, ainda segundo o texto. Para os autores, é preciso reduzir drasticamente o consumo e o desperdício, além de adotar um paradigma econômico “pós-crescimento” que garanta justiça social. Também é necessário reformar os sistemas alimentares, incentivando uma alimentação mais baseada em vegetais.

“O aumento de desastres climáticos anuais mostra que estamos em uma grande crise com o pior por vir se continuarmos a fazer o que sempre fizemos”, dizem os autores. “Hoje, mais do que nunca, nossas ações são importantes para o sistema climático estável que nos sustenta há milhares de anos. O futuro da humanidade depende da nossa criatividade, fibra moral e perseverança.”

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