Estamos vivendo a 6ª extinção em massa da história da Terra?
Mariana Vick
20 de outubro de 2024(atualizado 24/10/2024 às 22h33)Nova edição de conferência da ONU sobre biodiversidade deve discutir implementação de tratado global para conservação. Perda de espécies cresce em ritmo acelerado, associada a atividades humanas
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Filhote de chita brinca com o rabo de sua mãe no Zoológico Nacional de Washington, nos EUA
Começa nesta segunda-feira (21) a COP16, conferência da ONU sobre biodiversidade, que dura até 1º de novembro em Cali, na Colômbia. A cúpula deve reunir representantes de diferentes países para debater compromissos para proteção da vida na Terra. Cerca de 15 mil pessoas irão participar do evento, incluindo 12 chefes de Estado.
A cúpula deste ano pode se tornar a mais importante da história. Os países esperam negociar no evento a implementação do Marco Global da Biodiversidade, tratado aprovado em 2022 que propõe preservar ao menos 30% das áreas naturais até 2030. Trata-se do principal instrumento para reverter o que parte dos cientistas considera a sexta extinção em massa da história da Terra.
Neste texto, o Nexo parte da COP16 para apresentar o debate sobre a possível sexta extinção em massa. O texto explica o que é uma extinção em massa, quais foram as cinco grandes extinções da história da Terra, o que caracteriza a crise atual de biodiversidade e quais são suas causas. Mostra também qual o papel da cúpula nesse cenário.
Os eventos de extinção em massa são momentos da história da vida no qual as taxas de extinção são muito maiores que nos períodos intermediários. A Terra registrou até hoje cinco extinções do tipo. Esses eventos são identificados por meio dos registros fósseis, e geólogos os usam para dividir a história do planeta em diferentes eras e períodos.
A extinção é inerente a toda espécie. Novas espécies surgem e desaparecem a todo momento, e a maioria das que habitaram a Terra nos últimos 3,5 bilhões de anos não existe mais. A taxa média de extinção em tempos normais é chamada de taxa de extinção básica (ou taxa de fundo), mas, em certos momentos, a perda de espécies vai muito além desse nível.
0,1 a 1 espécie
por 10 mil espécies a cada 100 anos é a taxa “normal” de extinção
As cinco extinções em massa já registradas na história da Terra foram causadas por mudanças ambientais rápidas e extremas. Fatores como erupções vulcânicas, movimentos de placas tectônicas e mudanças climáticas provocaram o declínio simultâneo de uma grande quantidade de seres vivos. Cerca de 75% das espécies existentes desapareceram na maioria desses eventos.
Quais as cinco grandes extinções
Primeira extinção
A primeira extinção em massa ocorreu no fim do período conhecido como Ordoviciano (488 a 444 milhões de anos atrás). A maioria dos seres vivos daquela época vivia nos oceanos. Enormes geleiras se formaram sobre os continentes, os níveis dos mares baixaram cerca de 50 metros e as temperaturas das águas caíram, extinguindo cerca de 75% das espécies de então.
Segunda extinção
A segunda extinção em massa ocorreu no fim do Devoniano (416 a 359 milhões de anos atrás). O evento foi marcado pelo fim de 75% das espécies marinhas de então. Ainda há incertezas sobre suas causas, mas evidências apontam que a colisão de dois meteoritos com a Terra e uma união de continentes (que reduziu as áreas de costa) podem ter contribuído para o evento.
Terceira extinção
A terceira extinção em massa ocorreu no fim do Permiano (299 a 251 milhões de anos atrás). Essa foi a mais drástica extinção da história da Terra, resultando na perda de 96% das espécies multicelulares de então. O evento ocorreu após um conjunto de mudanças que teriam tornado metade do planeta inabitável — como erupções vulcânicas, a queda das temperaturas, a morte de florestas, o esgotamento do oxigênio atmosférico e o surgimento de grandes geleiras.
Quarta extinção
A quarta extinção em massa ocorreu no fim do Triássico (251 a 201 milhões de anos atrás). Provavelmente associado a erupções vulcânicas, o evento eliminou cerca de 65% das espécies da Terra. O Triássico ficou marcado por uma grande radiação (surgimento de novas espécies) de répteis, que deram origem a crocodilos e dinossauros.
Quinta extinção
A quinta e mais conhecida extinção em massa ocorreu no fim do Cretáceo (145 s 65 milhões de anos atrás). Esse foi o evento que provocou o desaparecimento dos dinossauros. A causa da extinção foi a colisão de um asteroide, que teria levantado uma camada de poeira e bloqueado a luz do Sol, causando alterações ambientais como o resfriamento do planeta.
A extinção de espécies atingiu um ritmo acelerado nas últimas décadas. O relatório Planeta Vivo 2024, publicado neste mês pela organização WWF, afirma que o tamanho médio das populações de mais de 5.000 espécies monitoradas sofreu redução de 73% em 50 anos. Outras estimativas mostram que o ritmo de perda atual é de 1.000 a 10 mil vezes maior que a taxa básica de extinção.
0,01 a 0,1%
de todas as espécies são extintas ao ano, segundo algumas estimativas; isso significa que, se há hoje 10 milhões de espécies na Terra (outra estimativa), de 1.000 a 10 mil desaparecem nesse tempo
As estimativas variam porque é difícil monitorar a extinção de espécies. A ciência não sabe exatamente quantas delas existem, por exemplo — ela faz uma inferência, a partir dos conhecimentos disponíveis —, nem qual é sua distribuição nos vários ambientes da Terra. Além disso, não é fácil determinar se uma espécie está realmente extinta.
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De acordo com a IUCN (União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais), uma espécie é considerada extinta quando não há nenhuma dúvida razoável sobre a morte de seu último indivíduo. A capacidade de sobrevivência da espécie, no entanto, pode ter sido perdida antes desse momento. Há vários tipos de ameaça que a IUCN estabelece antes de dar uma espécie como extinta.
43.500
espécies estão ameaçadas de extinção, de acordo com a chamada Lista Vermelha da IUCN, que mapeou até agora cerca de 163 mil espécies
O atual ritmo de perda de espécies tem diferentes causas. Todas, de acordo com os cientistas, têm relação com atividades humanas. Diferentemente do que ocorreu no passado, quando as cinco extinções em massa resultaram de distúrbios ambientais extremos, mas naturais, hoje os fatores que predominam incluem:
A taxa atual de perda de espécies leva parte dos cientistas a defender que a Terra passa hoje pelo sexto evento de extinção em massa. Um estudo publicado em 2023 na revista Proceedings of the National Academy of Sciences usou a expressão ao afirmar que espécies extintas nos últimos 500 anos teriam levado 18 mil anos para desaparecer caso os humanos não existissem. Setenta e três gêneros de vertebrados (excluindo peixes) foram extintos nesse tempo, de acordo com a publicação.
44
gêneros (categoria que agrupa diferentes espécies) de aves foram extintos de 1500 a 2022, seguidos por 21 gêneros de mamíferos, cinco de anfíbios e três de répteis, segundo o estudo
A avaliação é compartilhada por outros pesquisadores. Carlos Joly, professor emérito da Unicamp (Universidade estadual de campinas) e coordenador da BPBES (Plataforma Brasileira para Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos), disse ao Nexo que a taxa atual de perda de espécies é comparável à dos períodos anteriores às cinco grandes extinções em massa. Já Karen Oliveira, diretora de Políticas Públicas e Relações Governamentais na organização The Nature Conservancy Brasil, destacou a rapidez com que as espécies têm desaparecido:
“A pressão sobre as espécies está muito grande. Eu, pessoalmente, acho que nós estamos realmente entrando numa sexta extinção em massa. […] Até o fim do século, a projeção é que a gente perca 1 milhão de espécies. Se pensarmos que hoje temos 10 milhões, estamos dizendo que em 76 anos vamos perder 10% das espécies do planeta”
Carlos Joly
professor emérito da Unicamp (Universidade estadual de campinas) e coordenador da BPBES (Plataforma Brasileira para Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos), em entrevista ao Nexo
“O tempo geológico nos mostra que o que chamamos de extinção não é que hoje [a espécie] existe e amanhã não existe mais. É um processo. Mas, agora, essa relação espaço-tempo está cada vez mais reduzida. Os dinossauros levaram milhões de anos para serem extintos. Agora, não: estamos perdendo espécies em questões de anos”
Karen Oliveira
diretora de Políticas Públicas e Relações Governamentais na organização The Nature Conservancy Brasil
Nem todos pensam da mesma forma. Um dos argumentos de quem defende que não é possível dizer que estamos na sexta extinção em massa é o de que é muito difícil calcular o tamanho da perda de espécies, segundo Oliveira. Outros dizem que as atuais taxas de extinção não são comparáveis — ao menos ainda — com as dos grandes eventos anteriores.
“Embora seja verdade que a taxa de extinção ‘de fundo’ […] aumentou desde a evolução dos humanos e é especialmente alta no presente, a humanidade precisará continuar o que está fazendo por mais quinhentos anos para que a atual taxa de extinção seja comparável à das cinco grandes. Isso é quase o dobro do intervalo entre a Revolução Industrial e os dias atuais. […] Não é a sexta extinção. Pelo menos, por enquanto”
Henry Gee
paleontólogo e editor sênior da revista científica Nature, no livro “Uma história (muito) curta da vida na Terra”, lançado neste ano no Brasil
Para Joly, “quando chegamos à perda de 75% das espécies [como foi a média das outras grandes extinções], a extinção em massa já terá acontecido. Se não fizermos nada para reverter essa taxa de perda de espécies, em algum momento vamos chegar a esses 75%. Não sei se isso vai acontecer daqui a 200 ou 300 anos, mas esse momento vai chegar.”
Quais os impactos da extinção
Perda de bens e serviços
Estando a Terra no sexto evento de extinção ou não, o atual ritmo de perda de espécies desperta várias preocupações. A primeira delas tem a ver com a relação entre humanidade e biodiversidade. As pessoas dependem de milhares de espécies e de seus ecossistemas para usufruir de bens (como alimento, madeira, fibra etc.) e serviços ecossistêmicos (como proteção costeira, qualidade do ar e sequestro de carbono).
Bem-estar e prazer estético
Outra preocupação tem a ver com o valor subjetivo da biodiversidade. As pessoas obtêm diversos benefícios psicológicos, incluindo prazer estético, a partir da interação com outros organismos (como árvores, pássaros, etc). São bem estabelecidas as relações entre bem-estar e contato com a natureza.
Ciência e saúde
As extinções também privam a comunidade científica de estudar diferentes espécies e suas relações no ambiente, entendendo como a biosfera (a vida na terra) funciona. Também é a partir da biodiversidade que a humanidade descobre medicamentos e outros produtos benéficos para a saúde.
Apesar das preocupações que o atual ritmo de extinção de espécies desperta, a ciência diz que é possível evitar que as perdas sejam ainda mais numerosas. Diferentes políticas públicas na área ambiental podem contribuir para mudar o cenário. Estão entre elas:
Criada após a ECO-92, reunião da ONU que ocorreu em 1992 no Rio de Janeiro, a COP da biodiversidade busca reverter essa crise. “Ela tem um papel fundamental”, disse Oliveira. “Ela não apenas traz objetivos de conservação e uso sustentável dos recursos, mas reflete sobre o desenvolvimento social e econômico e busca financiamento, que é chave para o enfrentamento do problema.”
Peixes marinhos com corais ao fundo
A COP16 deve discutir como pôr em prática as 23 metas do Marco Global da Biodiversidade, aprovado na conferência anterior, de 2022. Uma das prioridades do evento é encontrar uma solução para cumprir o compromisso dos países de mobilizar anualmente US$ 200 bilhões para financiamento ligado à biodiversidade até 2030. Ainda não está claro se há chances de êxito das negociações.
196
países devem participar da COP16; apenas 22, no entanto, apresentarão dentro do prazo suas metas nacionais para proteção da biodiversidade, consideradas essenciais para o sucesso do Marco Global
Joly afirmou que há diversos desafios para o cumprimento do Marco Global. Para ele, a COP16 é importante, mas também tem limitações, e seria importante repensá-la — unindo-a, por exemplo, à COP sobre mudança climática, para que tomem decisões sistêmicas. “Essas crises [climática e de biodiversidade] estão imbricadas, e é o momento de a política se alinhar com o avanço do conhecimento científico”, disse.
“O Marco Global amplia nosso esforço de conservação, estabelecendo a proteção de 30% das áreas naturais [percentual maior que o conservado hoje]. Isso é importante, mas não resolve o problema. Precisamos de mudanças transformativas, de novas maneiras de encarar o problema. Por exemplo, abandonar a economia baseada no petróleo — que afeta tanto a mudança climática quanto a crise de biodiversidade”
Carlos Joly
professor emérito da Unicamp (Universidade estadual de campinas) e coordenador da BPBES (Plataforma Brasileira para Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos), em entrevista ao Nexo
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