Expresso

Protestos ambientais radicais funcionam? Estudo diz que sim

Mariana Vick

28 de outubro de 2024(atualizado 28/10/2024 às 19h00)

Pesquisa publicada na revista Nature Sustainability analisou repercussão de ação que bloqueou rodovia por quatro dias no Reino Unido. Trabalho é o primeiro a recolher opiniões em tempo real

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FOTO: Henry Nicholls/Reuters - 15.out.2022Pessoas com coletes laranjas estão sentadas no meio da rua, segurando cartazes pedindo o fim da exploração de petróleo. Policiais estão em pé, na frente delas. Atrás se vê a cidade.

Protesto do movimento Just Stop Oil em Londres, no Reino Unido

Quando há um protesto ambientalista considerado radical, é comum ver muita gente se perguntar: isso adianta? Não vai apenas afastar a sociedade da causa que defende? De acordo com um estudo publicado na segunda-feira (21) na revista Nature Sustainability, adianta sim

A pesquisa, feita por integrantes do instituto Social Change Lab, no Reino Unido, sugere que protestos ambientalistas disruptivos podem aumentar o apoio a organizações moderadas. Esse resultado é conhecido como efeito de flanco positivo. Trata-se do primeiro estudo a medir em tempo real a resposta das pessoas a uma manifestação desse tipo.

Neste texto, o Nexo explica o que diz o estudo, como ele chegou aos resultados divulgados na Nature Sustainability e o que ele traz de novo em relação a pesquisas anteriores. Também contextualiza politicamente o momento de publicação do trabalho, marcado pelo aumento da repressão a protestos ambientalistas na Europa.

O que o estudo fez

Os pesquisadores chegaram aos resultados publicados na segunda (21) ao analisarem a resposta a um protesto da organização britânica Just Stop Oil. O grupo bloqueou por quatro dias a chamada M25, estrada que circunda a Grande Londres, no Reino Unido, em novembro de 2022. Quarenta e cinco ativistas escalaram os pórticos (conjunto de sinais de trânsito) da rodovia e forçaram a polícia a parar o tráfego.

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ativistas do Just Stop Oil foram presos pelo ato em junho de 2024 

Antes que o ato acontecesse, os autores do estudo souberam dos planos da manifestação pela própria Just Stop Oil. O aviso permitiu que eles se preparassem para conduzir uma pesquisa em tempo real sobre a resposta ao protesto. Depois de selecionarem uma amostra de 1.415 pessoas representativa da população do Reino Unido, os pesquisadores:

  • perguntaram aos entrevistados sobre seu apoio a uma organização ambientalista (não a Just Stop Oil)
  • esperaram o protesto ocorrer (e terminar)
  • fizeram a mesma pergunta a essas pessoas duas semanas depois

A organização citada na pergunta chama-se Friends of the Earth.  Trata-se de um grupo moderado em comparação com a Just Stop Oil, por usar táticas tradicionais de ativismo, como lobby e ações judiciais. Após os protestos, a porcentagem de entrevistados que disseram que apoiavam (mesmo que pouco) a Friends of the Earth foi 3,3% maior que antes do bloqueio da rodovia.

O aumento foi pequeno. Markus Ostarek, coautor do estudo e diretor de pesquisa do Social Change Lab, no entanto, disse à revista Nature que as descobertas são relevantes. Para ele, grupos moderados podem “usar esses momentos de alto ímpeto [dos protestos] para negociar [suas demandas] diretamente com formuladores de políticas públicas”. 

O que ele traz de novo

A pesquisa, de acordo com reportagem da Nature, foi a primeira a avaliar em tempo real o chamado efeito de flanco positivo. O conceito se refere a casos em que a repercussão das ações da parcela mais radical de um movimento faz com que os ativistas moderados pareçam mais razoáveis. Essa impressão aumenta o apoio a esse segundo grupo. 

Diversos ativistas — não só do movimento ambientalista — acreditam que esse efeito existe. Antes do estudo publicado na segunda-feira (21), no entanto, a ciência o havia examinado apenas por meio de respostas a cenários artificiais e da análise de eventos do passado. O estudo sobre a Just Stop Oil avança nesse sentido. 

FOTO: Wolfgang Rattay/Reuters - 17.01.2023A ativista sueca Greta Thunberg em protesto na Alemanha

A ativista sueca Greta Thunberg em protesto na Alemanha

Eric Shulman, pesquisador da Universidade de Nova York, disse à Nature que o estudo é relevante por mostrar que resultados obtidos em experimentos “se alinham com o que obtemos na realidade”. Ele também pesquisa o efeito de flanco positivo no movimento ambiental, entrevistando pessoas expostas a notícias fictícias sobre protestos. Assim como a pesquisa de agora, o trabalho registrou mais apoio a ambientalistas moderados depois da divulgação de ações de grupos radicais.

Ainda é necessário, entretanto, fazer mais estudos sobre o tema, já que outras pesquisas têm resultados que contradizem o que foi publicado. Um artigo de 2020 do periódico Journal of Personality and Social Psychology, por exemplo, indica que protestos radicais, na verdade, podem reduzir o apoio da população a uma causa. O trabalho analisou manifestações sobre temas diversos, como aborto e direitos dos animais.

Em que contexto o estudo é publicado

A pesquisa de segunda (21) foi publicada num momento de endurecimento de sanções contra manifestações ambientalistas na Europa. Ativistas como os da própria Just Stop Oil têm sido presos por protestos em museus e rodovias e acusados de terrosimo e conspiração. Outros têm recebido multas altas por pichações.

A repressão ocorre em diferentes partes do continente, como a Itália, o Reino Unido e a Alemanha. Os italianos criaram neste ano uma lei contra o que chamam de ecovandalismo, impondo sanções que vão de prisão a multa. Políticos de todo lugar têm endurecido o discurso, chamando ativistas de ecoterroristas. A violência policial também cresceu.

FOTO: Simon Dawson/Reuters - 19.04.2019

Ativistas do grupo Extinction Rebellion em protesto em Londres

A ONU demonstrou preocupação com o cenário. O relator especial da organização para defensores ambientais, Michel Forst, assinou um relatório em maio que chama a atenção para o aumento da repressão aos protestos. Ele afirmou que a desobediência civil pacífica é protegida pelos direitos de liberdade de expressão e união e que ações não violentas não devem ser tratadas como criminosas.

“A repressão que os ativistas ambientais que utilizam a desobediência civil pacífica estão atualmente enfrentando na Europa é uma grande ameaça à democracia e aos direitos humanos. A emergência ambiental que estamos coletivamente enfrentando, e que os cientistas têm documentado há décadas, não pode ser resolvida se aqueles que soam o alarme e exigem ação forem criminalizados por isso”

Michel Forst

relator especial da ONU para defensores ambientais, em relatório publicado em maio 

Outros relatórios também criticam o aumento da repressão. O braço europeu da CAN (Climate Action Network), rede que reúne mais de 200 organizações não governamentais no continente, publicou que as medidas “atacam o mensageiro”, sem enfrentar a raiz da mudança climática. O quadro pode acabar inibindo ativistas e desencorajando novos protestos.

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