Expresso

Como o Brasil reduziu suas emissões de gases de efeito estufa

Mariana Vick

07 de novembro de 2024(atualizado 03/02/2025 às 10h50)

Poluição climática caiu 12% entre 2022 e 2023, segundo Observatório do Clima. Queda foi puxada por redução no desmatamento na Amazônia. Outros setores não tiveram mesmo desempenho

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FOTO: Adriano Machado/Reuters - 08.ago.2024Homem de máscara branca e uniforme e capacete amarelos olha para frente. Atrás dele, há outro homem e um céu nublado.Agente do Ibama em ação contra incêndios em Apuí (AM)

Dados do Seeg (Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa) divulgados nesta quinta-feira (7) pelo Observatório do Clima mostram que o Brasil emitiu 2,3 bilhões de toneladas de gás carbônico equivalente em 2023. O valor caiu 12% em relação a 2022. Essa é a maior queda da poluição climática no país em 15 anos. 

A redução foi puxada pela queda no desmatamento na Amazônia em 2023. Apesar disso, as emissões do Brasil continuam altas — o país é o quinto maior emissor de gases de efeito estufa do mundo. Reduzir o lançamento desses poluentes é fundamental para que o país contribua para o combate à mudança climática. 

Neste texto, o Nexo explica o que mostram os dados do relatório, de onde vêm as emissões de gases de efeito estufa e quais são seus impactos. Mostra ainda qual a poluição por setor e por estados, como a iniciativa é feita e o que falta o Brasil fazer para reduzir ainda mais suas emissões, na avaliação do Observatório do Clima.

O que são essas emissões

Os gases de efeito estufa são gases encontrados na atmosfera que absorvem parte da radiação emitida pela Terra. Essa absorção resulta no aumento da temperatura média do planeta, provocando o chamado efeito estufa. Os gases incluem principalmente o CO2 (dióxido de carbono), o metano, o óxido de nitrogênio, o ozônio e o vapor de água. 

O efeito estufa é um fenômeno natural e desejável, por manter a temperatura da superfície da Terra num patamar adequado para a vida. Atividades humanas que emitem gases de efeito estufa, porém, o têm agravado, resultando no que chamamos de aquecimento global ou mudança climática. A temperatura média do planeta aumentou 1,2ºC desde a era pré-industrial, gerando consequências como o aumento do nível do mar e de eventos climáticos extremos. 

Os gases de efeito estufa do Brasil vêm principalmente do que o Observatório do Clima chama de mudanças no uso da terra — classificação que inclui o desmatamento —, que geraram 46% das emissões brutas do país em 2023. Em seguida, vem a agropecuária, com 28% das emissões. Ambos os setores são historicamente os que mais contribuem para a poluição climática no país.

Perfil

Gráfico de barras mostra participação dos setores nas emissões brasileiras de gases de efeito estufa.

Gráfico de barras mostra participação dos setores nas emissões brasileiras de gases de efeito estufa.

O Brasil é o quinto maior emissor de gases de efeito estufa do mundo, com 3,1% do total mundial, segundo os dados mais recentes disponíveis na plataforma Climate Watch Data. O país fica atrás apenas da China (26%), dos Estados Unidos (11%), da Índia (7%) e da Rússia (4%). Quando consideramos os 27 países da União Europeia em conjunto, o Brasil vira o sexto maior emissor do planeta.

Qual o resultado por setor

Mudanças no uso da terra

Houve queda de 24% nas emissões por desmatamento no Brasil em 2023, puxada pela redução na devastação na Amazônia. Quando se olha apenas a floresta, a queda foi ainda maior, de 37%. Ainda assim, com exceção dela e do pampa (queda de 15% das emissões), todos os outros biomas tiveram alta expressiva na poluição por desmatamento, principalmente o Pantanal (aumento de 86%).

 

Agropecuária

A agropecuária teve o quarto recorde consecutivo de emissões em 2023, com elevação de 2,2% em relação ao ano anterior. O principal motivo para a alta é o aumento do rebanho bovino, que produz a chamada fermentação entérica (o “arroto do boi”), geradora de metano. O uso de calcário e fertilizantes também contribui para a poluição.

 

Energia

O setor de energia teve um incremento de 1,1% em suas emissões em 2023, segundo o Observatório do Clima. O motivo foi o aumento do consumo de óleo diesel, gasolina e querosene de aviação no último ano — que também fizeram a poluição do transporte chegar a seu recorde histórico, com alta de 3,2% em relação a 2022. Essa alta acabou compensando a redução de emissões na geração de eletricidade por meio de usinas termelétricas em 2023.

 

Resíduos sólidos

As emissões cresceram 1% em 2023 no setor de resíduos sólidos, que compreende a gestão do lixo. De acordo com o Observatório do Clima, a poluição do setor é historicamente marcada por crescimentos acentuados, com alguma estabilização a partir de 2020. O comportamento dos últimos anos está associado a avanços no acesso a serviços de saneamento básico e ao aproveitamento dos gases gerados no tratamento de resíduos.

Onde há mais emissões

Os principais emissores brutos de gases de efeito estufa do Brasil em 2023 foram os estados do Pará e do Mato Grosso, que responderam, cada um, por cerca de 13% da poluição climática no país. Depois deles, estão Maranhão, Minas Gerais e São Paulo. Esta é a primeira vez que o Maranhão aparece entre os estados mais poluidores, devido ao aumento das emissões por desmatamento no Cerrado.

6 dos 10

estados que mais emitiram gases de efeito estufa em 2023 são da Amazônia Legal: Pará, Mato Grosso, Maranhão, Rondônia, Amazonas e Tocantins 

O Mato Grosso e o Pará têm como principais fontes de poluição climática o desmatamento e a atividade pecuária. Em São Paulo e em Minas Gerais, por outro lado, predominam as emissões do setor de energia, principalmente o transporte. Também há em Minas o impacto das emissões do gado leiteiro. 

FOTO: FOTO: Paulo Whitaker/ReutersGado pastando. Ao fundo, floresta em pé

Fazenda de gado em Sorriso, Mato Grosso

O Mato Grosso também lidera a poluição climática do Brasil quando se consideram as emissões brutas per capita. O estado emitiu 78 toneladas de CO2 equivalente por habitante em 2023 — número 12 vezes maior que a média nacional, de 6,3 toneladas, segundo o Observatório do Clima. Além do desmatamento e a atividade agropecuária, contribui para o número a população local relativamente pequena.

3 vezes

é quanto um habitante do Mato Grosso emite mais que um habitante dos Emirados Árabes, país cuja economia é baseada na exploração de petróleo, segundo o Observatório do Clima

Quando se consideram as emissões líquidas — que descontam a quantidade de carbono absorvida pelas florestas —, o quadro muda. Parte dos estados amazônicos passa a ter emissões negativas, sequestrando mais poluição do que emitindo. Destacam-se o Amazonas e o Amapá, estado proporcionalmente menos desmatado da região. 

O que ainda falta o Brasil fazer

A publicação lançada pelo Observatório do Clima diz que a curva de emissões do Brasil continua praticamente igual à de antes da adoção da Política Nacional sobre Mudança Climática, em 2009. A política tinha a meta de reduzir o desmatamento na Amazônia em 80% até 2020, o que não ocorreu. A expectativa era que as mudanças no uso da terra tivessem menos peso nas emissões do país ao longo do tempo.

O desmatamento na Amazônia atingiu níveis altos nos governos de Michel Temer (MDB) e, principalmente, Jair Bolsonaro (PL). Os números começaram a cair no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, que retomou a fiscalização de crimes ambientais na região. Em outros setores, no entanto, ainda não há uma política consistente de redução de emissões, segundo o Observatório do Clima.

Queda

Gráfico de barras mostra desmatamento na Amazônia de 1988 a 2024.

O país deve acelerar o controle da poluição climática para ajudar a manter o aquecimento da Terra dentro dos limites do Acordo de Paris — que, em 2015, estabeleceu a meta de limitar o aumento da temperatura, idealmente, a 1,5ºC —, segundo a publicação. Para o Observatório do Clima, o Brasil tem capacidade de cortar suas emissões em 92% até 2035. Para isso, deve ir além da queda no desmatamento da Amazônia.

“A queda nas emissões em 2023 certamente é uma boa notícia, e põe o país na direção certa para cumprir sua NDC [Contribuição Nacionalmente Determinada], o plano climático nacional, para 2025. Ao mesmo tempo, mostra que ainda estamos excessivamente dependentes do que acontece na Amazônia, já que as políticas para os outros setores são tímidas ou inexistentes. [..] O Brasil precisa de um plano de descarbonização consistente e que faça de fato uma transformação na economia”

David Tsai

coordenador do Seeg, em declaração divulgada nesta quinta-feira (7) pelo Observatório do Clima

O Brasil tem hoje a meta de reduzir suas emissões de gases de efeito estufa em 48% até 2025 e em 53% até 2030 (em relação às emissões de 2005). Esses objetivos fazem parte da chamada NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada) do Brasil, criada no âmbito do Acordo de Paris. Em 2025, o país terá que submeter à ONU uma nova NDC. 

Como o projeto foi feito

O Seeg é uma iniciativa do Observatório do Clima que também conta com a contribuição de outras organizações da sociedade civil. Todos os anos o projeto divulga as estimativas anuais das emissões de gases de efeito estufa no Brasil. Os dados fazem parte de uma série histórica que começou em 1970 — exceto para o setor de mudança no uso da terra, cuja série vem de 1990.

A iniciativa considera gases de efeito estufa como CO2, metano, óxido de nitrogênio e os chamados HFCs (gases hidrofluorcarbonos). Esses gases são medidos em unidades de CO2 equivalente. Essa métrica busca representar todos os gases de efeito estufa em termos de emissões de CO2 que tenham o mesmo potencial de aquecimento que eles.

FOTO: Paulo Whitaker/ReutersLogo de empresa petrolífera brasileira em instalação no estado de São Paulo

Tanque da Petrobras, em planta da empresa estatal na cidade de Cubatão

O Seeg reporta tanto as emissões brutas quanto as emissões líquidas de gases de efeito estufa. As emissões brutas correspondem a todas as emissões do Brasil, enquanto as emissões líquidas correspondem às emissões brutas menos as remoções de carbono da atmosfera pela manutenção de florestas. Para o Observatório do Clima, é mais adequado reportar as emissões brutas antes por questões metodológicas — não se sabe, por exemplo, qual é a real remoção de carbono feita pela vegetação.

Esta edição do Seeg vem pouco antes da COP29 (Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas), que acontece em Baku, no Azerbaijão, a partir de segunda-feira (11). Também vem antes da apresentação da nova NDC do Brasil, que deve ser apresentada até fevereiro de 2025. Para o Observatório do Clima, o novo ciclo de metas para o clima vem num momento crítico.

“O novo ciclo das promessas nacionais de corte de emissões, que deverão valer até 2035, chega num momento crítico da crise do clima: 2023-2024 caminha para se tornar o biênio mais quente da história, e a aceleração de eventos extremos de altíssimo custo humano e econômico mostra que a “ebulição global”, como chamou o secretário-geral da ONU, António Guterres, atingiu um novo patamar”

Observatório do Clima

rede de organizações da sociedade civil, em publicação lançada nesta quinta-feira (7)

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