Expresso

Conheça os sapos translúcidos da América do Sul

Pedro Bardini

06 de dezembro de 2024(atualizado 06/12/2024 às 17h17)

Anfíbios com técnica de camuflagem rara são ameaçados por desmatamento e mudança climática. Ambientalistas apostam em ‘direitos naturais’ para impedir extinção

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FOTO: Ross Maynard/Flickrsapo transparente devido à técnica de camuflagem

Sapo ‘de vidro’ encontrado no Equador

Ao longo da evolução, os animais encontraram diversas maneiras de se disfarçar na natureza, seja para evitar predadores ou para atacar as presas.

Uma dessas técnicas é a camuflagem, uma capacidade evolutiva adquirida por algumas espécies responsável por tornar as características físicas desses animais particularmente semelhantes ao habitat em que vivem. É o caso, por exemplo, dos anfíbios da família Centrolenidae, também conhecidos como sapos ou rãs “de vidro” da América do Sul.

Os sapos “de vidro” são assim chamados porque a técnica de disfarce torna o corpo das espécies translúcido. No entanto, essa camuflagem particular e o crescente desmatamento na região estão colocando a vida dos anfíbios em risco.

Origem

A primeira descrição dos sapos “de vidro” foi feita em 1872 por Marcos Jiménez de la Espada, quando o zoólogo encontrou anfíbios da espécie Centrolene geckoideum no nordeste do Equador. Nos anos seguintes, várias outras espécies de sapos translúcidos começaram a ser catalogadas por herpetólogos – cientistas dedicados ao estudo de répteis e anfíbios.

Apesar de serem nativos da América do Sul, os animais translúcidos foram migrando para florestas úmidas da América Central. Por isso, durante os séculos 19 e 20, a maior parte dos sapos “de vidro” foi encontrada entre a Costa Rica e o Panamá.

160 

é a quantidade de espécies de “sapos de vidro” encontradas até hoje entre o sul do México e o norte da Argentina

As espécies têm a pele translúcida e ossos verdes – que camuflam suas pernas quando estão sobre folhas. Além da camuflagem, outro fator que dificulta encontrá-los nas florestas é o tamanho: os sapinhos medem menos de três centímetros e pesam de 70 a 80 gramas.

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Algumas rãs “de vidro” são capazes de esconder até 90% de seus glóbulos vermelhos para tornar o sangue imperceptível, ajudando na camuflagem. Os órgãos são visíveis apenas virando os anfíbios de cabeça para baixo.

Camuflagem translúcida

Quando as rãs da espécie noturna Hyalinobatrachium fleishmanni vão dormir de dia, elas mandam seus glóbulos vermelhos – unidades do sangue –, de cores vivas, para o fígado. Como o órgão da espécie é revestido por uma coloração branca, ao refletir a luz do sol, o sangue fica escondido, e as rãs se tornam quase invisíveis em meio às plantas.

De acordo com um estudo publicado na revista Science em 2022, esconder os glóbulos vermelhos no fígado faz com que os anfíbios pareçam até 60% mais transparentes que outras espécies de sapos “de vidro”. O truque ajuda os animais a evitar predadores enquanto dormem à luz do dia.

O fenômeno cessa durante a noite – quando seus fígados voltam ao normal devido à liberação dos glóbulos vermelhos – e, assim, as rãs retomam a coloração de antes, que é esverdeada.

“A transparência é rara e muito difícil de fazer, porque nossos tecidos estão cheios de coisas que absorvem e espalham a luz”, disse à revista americana National Geographic Jesse Delia, que é pesquisador de pós-doutorado e autor do estudo publicado na Science.

Ele e seus colegas ainda não conseguiram responder como os sapos “de vidro” ajustam seu metabolismo para reduzir a necessidade de oxigênio durante o dia, nem como os anfíbios evitam a formação de coágulos sanguíneos ao concentrar os glóbulos vermelhos no fígado.

FOTO: Ross Maynard/Flickr

órgãos de sapo de ‘vidro’ visto por baixo

Risco de extinção

Apesar da intrigante capacidade de camuflagem dos sapinhos “de vidro” ter garantido a eles séculos de sobrevivência, alguns cientistas apontam riscos relacionados ao fenômeno.

Segundo a curadora da Coleção Entomológica do Instituto Butantan Flávia Virginio, “a camuflagem, muitas vezes, pode custar caro aos animais porque, por exemplo, eles ficam restritos a buscar alimento apenas nos locais em que conseguem se camuflar, já que em outros eles correm maior risco de serem encontrados e se tornarem, portanto, presas fáceis”.

É o que tem acontecido com os anfíbios translúcidos que vivem nas montanhas dos Andes equatorianos – habitat de mais da metade das espécies, diretamente relacionado à reprodução, e que vem sendo alvo da mudança climática e do desmatamento nos últimos anos.

A crescente expansão da mineração de cobre e ouro na região está provocando a devastação de habitats e a contaminação de rios essenciais para a reprodução e sobrevivência dos anfíbios translúcidos e de outros animais.

Diante da situação que coloca a região e espécies nativas em risco, conservacionistas estão recorrendo aos direitos da natureza – uma abordagem consagrada na Constituição equatoriana de 2008 –, que concede a rios, ecossistemas e espécies o direito de existir e se regenerar.

Nos últimos anos, comunidades locais têm obtido vitórias judiciais, impedindo a mineração em áreas protegidas como a Reserva Los Cedros e o Vale Intag. A documentação de espécies raras e sensíveis às mudanças, como os sapos “de vidro”, tem ajudado no processo, especialmente no fortalecimento argumentativo nos tribunais.

Segundo Juan Manuel Guayasamín, especialista em anfíbios translúcidos da Universidade de Quito, as vitórias judiciais dão aos pesquisadores “motivação extra para ir a campo e descrever novas espécies”. Para Guayasamín, os sapinhos “podem ser usados ​​para proteger todo o ecossistema. Eu chamo a floresta nublada (Andes equatoriano) de terra das fadas, e os sapos ‘de vidro’ fazem parte dessa magia que temos que preservar.” 

Assim, um dos desafios que os pesquisadores têm pela frente é encontrar, no meio da vegetação florestal, minúsculos sapinhos transparentes.

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