Expresso

O futuro é um deserto? Como o mundo fica cada vez mais árido

Mariana Vick

14 de dezembro de 2024(atualizado 14/12/2024 às 23h50)

Relatório da ONU mostra que mais de três quartos da superfície da Terra registraram clima mais seco entre 1990 e 2020. Terras áridas cresceram 4,3 milhões de km², área equivalente a metade da Oceania

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FOTO: Luca Galuzzi/Wikimedia Commons - 07.abr.2007Pessoa caminha sozinha num deserto durante o dia. Atrás há várias formações rochosas.

Maciço de Tadrart Acacus, no deserto do Saara, na Líbia

A Terra está cada vez mais árida, e a tendência é que o processo se agrave nos próximos anos, segundo relatório publicado na segunda-feira (9) por um corpo de cientistas apoiado pela ONU. Mais de 75% da superfície terrestre ficou com clima mais seco desde os anos 1990. A publicação foi lançada durante a COP16 sobre desertificação, que terminou nesta sexta-feira (13) em Riad, na Arábia Saudita.

Esta é a primeira vez que a crise de aridez é documentada com clareza científica, de acordo com os autores do documento. O aumento das áreas com clima árido tem afetado bilhões de pessoas e diversos ecossistemas em todo o mundo. Os impactos vão desde a gestão da água até a economia, a saúde e a produção de alimentos.

Neste texto, o Nexo explica o que o relatório diz sobre a atual crise de aridez, quais são as consequências do aumento de paisagens áridas e quais são as projeções para as próximas décadas. Mostra também quais são as recomendações dos autores do texto para que os países se adaptem a um futuro mais seco.

O que o relatório diz

A publicação da ONU mostra que mais de três quartos da superfície da Terra registraram clima mais seco nas três décadas anteriores a 2020. As chamadas terras áridas, tradicionalmente pouco úmidas (ver definição abaixo), cresceram cerca de 4,3 milhões de km², área equivalente a metade da Oceania. Essas áreas cobrem hoje quase 41% do globo, excluindo a Antártida.

A quantidade de pessoas vivendo em terras áridas também aumentou. Enquanto, em 1990, 1,2 bilhão de pessoas habitavam esse tipo de região, em 2020 eram 2,3 bilhões. O número mais recente equivale a quase um terço da população global, em comparação com cerca de um quinto da população registrada 30 anos antes.

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Cerca de metade dos habitantes das chamadas terras áridas estão na Ásia e na África, segundo o estudo. Entre elas, as áreas mais densamente povoadas são o Egito, o leste e o norte do Paquistão, o nordeste da China, grandes partes da Índia e o estado americano da Califórnia. Já os lugares onde há mais expansão desse tipo de terra incluem:

  • o oeste dos Estados Unidos
  • a península de Yucatán, no México
  • o nordeste do Brasil
  • o noroeste da Argentina
  • toda a região do Mediterrâneo
  • o lado norte do Mar Negro
  • a região do Sahel, na África
  • o Grande Vale do Rifte, também na África
  • o nordeste da África do Sul
  • a fronteira entre a Rússia e o Cazaquistão
  • grandes partes da Mongólia
  • o nordeste da China
  • o sudeste da Austrália

A maior parte dos processos recentes de aridificação — isto é, a transformação de áreas não áridas em terras áridas (ver definição abaixo) — se deve à mudança climática. As emissões atuais de gases de efeito estufa aquecem o planeta e afetam o regime de chuvas e a evaporação, criando condições para a seca. A publicação diz que, caso não haja redução no lançamento de poluentes, mais 3% das áreas úmidas do mundo ficarão áridas até 2100.

Quais os conceitos em discussão

Aridez
Aridez é uma condição climática marcada pela deficiência significativa de umidade. Essa deficiência é resultado da baixa proporção média de chuvas em relação à evaporação atmosférica numa região. Essa condição, no longo prazo, forma as chamadas terras áridas, que têm disponibilidade limitada de água.

 

Aridificação
Aridificação é um processo de longo prazo que transforma terras não áridas em terras áridas. Ela também ocorre quando terras com determinado grau de aridez passam para uma categoria de aridez ainda mais seca. A mudança pode causar alterações abruptas em várias características do ecossistema da região, segundo o relatório da ONU.

 

Terras áridas
As terras áridas são definidas a partir do que a ONU chama de índice de aridez. Elas incluem áreas classificadas como hiperáridas, áridas, semiáridas e subúmidas secas. O índice de aridez é calculado pela divisão da precipitação média de um lugar pelo potencial local de evapotranspiração da água.

45%
é quanto a evapotranspiração potencial de um lugar precisa superar sua precipitação média para que ele seja considerado uma terra árida

 

Desertificação
Desertificação é a degradação da terra em terras áridas não desérticas (ou seja, áreas áridas, semiáridas e subúmidas secas), segundo o relatório da ONU. Essa degradação pode resultar de vários fatores. Dois deles são a mudança climática e atividades humanas.

Quais são os impactos desse cenário

A aridificação está associada à degradação da terra e à desertificação, segundo o relatório da ONU. Essa degradação e a escassez de água, por sua vez, desencadeiam problemas como aumento da insegurança alimentar e hídrica, baixa fertilidade do solo, perdas na produtividade de colheitas e declínio da biodiversidade. Outros efeitos do processo incluem:

  • incêndios florestais
  • tempestades intensas de areia e poeira
  • problemas de saúde
  • migração humana em larga escala

A publicação afirma que a aridificação é a maior causa da atual degradação dos sistemas agrícolas, afetando 40% das terras aráveis da Terra. Países africanos registraram queda de 12% em seu PIB (Produto Interno Bruto) por conta da crescente aridez entre 1990 e 2015. Outro relatório recente da ONU mostra que as secas custam quase € 300 bilhões por ano em todo o mundo.

Os problemas de saúde citados na publicação lançada na segunda (9) se referem às doenças e mortes associadas à escassez de água e à produção insuficiente de alimentos. O quadro afeta principalmente mulheres e crianças, segundo a ONU. O texto explica que esse é um dos efeitos indiretos da aridificação, cujos impactos se dão em cascata.

A publicação também fala no aumento da migração, dada a dificuldade de se viver em áreas cada vez mais secas. As regiões que mais têm registrado deslocamentos por conta do aumento da aridez são o sul da Europa, o Oriente Médio, o norte da África e o sul da Ásia. Esses lugares concentram tanto terras áridas quanto hiperáridas (ou seja, desertos).

Quais são as projeções para o futuro

A tendência atual de crescimento da aridez começou nos anos 1950 e acelerou a partir dos anos 1990, segundo o relatório da ONU. Esse fenômeno tende a crescer ainda mais no futuro. Mais de um quinto de toda a superfície terrestre pode sofrer mudanças abruptas em seus ecossistemas em resposta ao aumento das secas, e até 5 bilhões de pessoas poderão habitar terras áridas até 2100, segundo projeções.

2 a cada 5
pessoas viverão em terras áridas no pior cenário de mudança climática em 2100, segundo projeções citadas no relatório da ONU

O aumento da aridez deve desencadear incêndios florestais maiores e mais intensos no futuro, de acordo com a publicação. Quanto mais seca uma área fica, mais árvores tendem a morrer (no caso de florestas semiáridas, por exemplo) e mais essa biomassa seca fica disponível para queima. A Europa deve ser um dos continentes afetados por essa mudança, segundo o texto.

A publicação também diz que mais de dois terços de toda a superfície do planeta (excluindo a Groenlândia e a Antártida) devem armazenar menos água até o fim do século, se as emissões de gases de efeito estufa continuarem a crescer. Esse resultado deve ocorrer mesmo num cenário de crescimento modesto de emissões. Relatórios recentes da ONU mostram que os países têm falhado em reduzir essa poluição.

42%
deve ser o percentual de corte nas emissões globais de gases de efeito estufa até 2030 para limitar o aquecimento global a 1,5ºC até 2100, principal meta do Acordo de Paris, segundo o relatório Emissions Gap Report de 2024

57%
deve ser o percentual corte nas emissões globais até 2035, segundo o mesmo texto

Quais são as recomendações

O estudo afirma que medidas de adaptação são fundamentais para que os países enfrentem o crescimento da aridez. Setores como os de agricultura sustentável e gestão da água estão entre os que deverão se adequar a cenários cada vez mais hostis. Os governos também deverão investir em educação para difundir informações sobre a seca e investir em novas tecnologias.

São necessárias tanto políticas amplas quanto ações locais para essa mudança, segundo o relatório. O texto também diz que é preciso combinar o conhecimento científico com conhecimentos tradicionais e locais. Para os autores, o envolvimento das partes interessadas é crucial para aumentar a resiliência das populações à aridez.

“Muitas populações pobres de terras áridas rurais historicamente implementaram práticas sustentáveis ​​para adaptar suas atividades agrícolas e pastoris à aridez, mas a intensificação da aridificação e a expansão das terras áridas globais no futuro exigirão abordagens transformacionais que combinem conhecimento tradicional com o científico e soluções técnicas em evolução”

The Global Threat of Drying Lands
relatório publicado pela ONU na segunda-feira (9) sobre a crise de aridez

A publicação também diz que é preciso melhorar o acesso à informação para que os governos entendam os impactos da aridez e criem ferramentas melhores de adaptação. Para os autores, as políticas públicas devem se basear no índice de aridez usado na literatura científica. O texto também fala na importância de diferenciar secas temporárias da condição climática de aridez de longo prazo.

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