Expresso

Por que conferências ambientais naufragaram em 2024 

Mariana Vick

07 de dezembro de 2024(atualizado 08/12/2024 às 20h34)

O ‘Nexo’ conversou com uma especialista em meio ambiente e política internacional sobre os motivos que levaram à falta de consenso em reuniões sobre clima, biodiversidade e poluição plástica

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FOTO: Duncan Moore/Unep - 01.dez.2024Pessoas estão sentadas lado a lado em uma grande mesa branca. Atrás há uma grande parede azul com o logo da ONU.

Quinta sessão do Comitê de Negociação Intergovernamental sobre poluição plástica, em Busan, na Coreia do Sul

O ano de 2024 marca diversas frustrações nas negociações ambientais globais. Depois da COP29, conferência do clima em Baku, no Azerbaijão, e da COP16, cúpula da biodiversidade em Cali, na Colômbia, as negociações que buscavam firmar um tratado de combate à poluição plástica terminaram sem acordo no domingo (1º). A decisão deve ficar para 2025.

A falta de consenso nos fóruns internacionais ocorre num período de agravamento da crise ambiental global. O ano de 2024 foi o primeiro em que o aumento da temperatura média global em relação aos níveis pré-industriais ultrapassou a meta de 1,5ºC estabelecida pelo Acordo de Paris. Diversos eventos climáticos extremos têm abalado economias e destruído ecossistemas.

Neste texto, o Nexo explica quais foram os resultados das três conferências mais recentes e o que explica as dificuldades para se chegar a consensos, na avaliação de uma especialista sobre meio ambiente e política internacional. Mostra também os possíveis caminhos para resolver esses impasses no futuro. 

Qual foi o resultado da cúpula sobre plástico

Os países que participaram da reunião que terminou no dia 1º não conseguiram chegar a um acordo sobre o que haveria no futuro Tratado Global de Combate à Poluição Plástica. O encontro buscava firmar o texto da ONU após dois anos de discussão. Diversos impasses, no entanto, levaram os negociadores a adiar as decisões para 2025. 

As divergências se deram por questões como a produção do plástico. Parte dos países que integraram as negociações defenderam que o novo tratado tivesse regras para limitar essa produção, enquanto outros — incluindo alguns dos maiores produtores de petroquímicos do mundo, como a Arábia Saudita — preferiram que o assunto ficasse de fora. Para eles, o tratado deveria abordar apenas a poluição plástica.

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Originalmente, o Tratado Global de Combate à Poluição Plástica teria o objetivo de reduzir a poluição plástica no mundo. As negociações buscavam criar um instrumento juridicamente vinculante sobre o tema. O texto busca abordar pontos como o ciclo de vida dos plásticos, a gestão de resíduos e medidas para eliminar gradualmente o material, substituindo-o por materiais alternativos.

Outros pontos que geraram discordâncias foram o gerenciamento de produtos plásticos e químicos de interesse (considerados mais perigosos) e o financiamento para ajudar os países em desenvolvimento a implementarem o tratado. Com o adiamento das decisões, uma nova proposta de texto deve ser analisada numa sessão de acompanhamento programada para 2025. Os assuntos discutidos neste ano devem voltar na próxima reunião, mas com a expectativa de que os países cheguem a uma proposta que tenha a adesão de todos.

Qual foi o resultado da COP29

A COP29 teve um resultado ainda mais frustrante. Chamada de “COP das finanças” pelo debate que prometia financiamento climático, a cúpula entregou um acordo final propondo que países ricos desembolsem US$ 300 bilhões anuais para ações de combate e adaptação à crise do clima em países em desenvolvimento. O valor ficou muito aquém do reivindicado por essas nações.

US$ 1,3 trilhão

anuais era quanto países em desenvolvimento pediam em  financiamento climático 

A cifra foi um dos principais motivos de divergências entre os  participantes ao longo da conferência. Antes de chegar a US$ 300 bilhões, a presidência da COP29 havia proposto um valor ainda menor, de US$ 250 bilhões. Estados insulares e países em desenvolvimento – conhecidos, respectivamente, nas siglas em inglês por Aosis e LDCs – abandonaram temporariamente a reunião do último dia da cúpula em protesto, alegando que eles não estavam sendo ouvidos.

Além de estabelecer uma cifra aquém do esperado, o acordo final da COP29 recebeu críticas por incluir trechos que podem diminuir a responsabilidade dos países ricos pelo financiamento climático. O texto diz, por exemplo, que essas nações irão “tomar a dianteira” dos pagamentos, abrindo margem para a ideia de que não serão as únicas a fazer desembolsos. Ele também sugere que os recursos podem vir de várias fontes (públicas ou privadas) e podem ser de diferentes naturezas (doações ou empréstimos), contrariando a reivindicação do Sul Global de que a verba seja doada, não emprestada a juros de mercado.

Um dos poucos pontos positivos da COP29 foi o consenso inédito ao qual a conferência chegou sobre os chamados mercados de carbono. O acordo final da cúpula estabeleceu as bases para um novo mercado global administrado pela ONU. A decisão foi adotada depois de anos de negociações travadas sobre o tema.

Qual foi o resultado da COP16

A COP16 também ficou aquém do esperado. Prevista para durar até 1º de novembro em Cali, na Colômbia, a conferência terminou de forma abrupta na madrugada do dia seguinte sem resolução sobre financiamento para a proteção da biodiversidade. Vários delegados deixaram a reunião no último dia para não perder voos, e a cúpula foi suspensa por falta de quórum.

A conferência tinha o objetivo de avançar na implementação do chamado Marco Global de Biodiversidade, aprovado na COP anterior, em 2022, em Montreal, no Canadá. O documento havia estabelecido 23 metas de proteção da biodiversidade a serem cumpridas até 2030. Para alcançá-las, é preciso grande volume de investimentos, principalmente para países em desenvolvimento.

30%

é a meta de proteção de áreas terrestres e marinhas do mundo até 2030, segundo o Marco Global de Biodiversidade 

Os recursos mobilizados até agora são insuficientes. A CDB (Convenção da Diversidade Biológica), que gerencia as COPs de biodiversidade, diz que é necessário adicionar US$ 700 bilhões anuais em financiamento da proteção até 2030 — motivo pelo qual essas discussões ganharam destaque na COP16. A Colômbia, presidente da cúpula, apresentou uma proposta para criação de um fundo para o setor, mas a ideia foi rejeitada por países do Norte Global, como o Canadá e os da União Europeia.

Apesar dos impasses, a COP16 teve avanços. Dois deles foram a criação do chamado Fundo Cali — destinado ao compartilhamento de benefícios decorrentes do uso de recursos genéticos vegetais e animais — e de plano de ação para proteger a biodiversidade e a saúde. A conferência também assegurou um espaço para os povos indígenas num grupo de trabalho permanente nas negociações da CDB.

O que travou as negociações

A falta de consenso nas negociações ambientais de 2024 se deu por diferentes motivos. O principal deles foi a discussão sobre financiamento, segundo Camila Jardim, especialista em política internacional do Greenpeace Brasil. Esse é um tópico tradicionalmente difícil de negociar nos fóruns globais, de acordo com ela.

“O tema do financiamento foi muito central [em 2024], e é um tópico do qual países desenvolvidos fogem muito. Ele é difícil de ser discutido não só em nível internacional, mas em nível doméstico, já que os governos têm que chegar aos seus contribuintes e explicar por que estão direcionando dinheiro público para ajuda ao desenvolvimento ou financiamento climático em outros países”

Camila Jardim

especialista em política internacional do Greenpeace Brasil, em entrevista ao Nexo 

Jardim também falou na presença de grandes lobistas poluidores nas cúpulas ambientais recentes. “Delegações” de representantes do setor de petróleo, por exemplo, foram maiores do que as de alguns dos países mais vulneráveis à mudança climática. “Os atores políticos são muito influenciados por esses atores econômicos, que são os grandes financiadores de suas campanhas”, segundo ela — o que cria um ambiente em que interesses econômicos prevalecem sobre os compromissos ambientais.

Outro fator importante é o contexto internacional. “Com o aumento da relevância das agendas de segurança e geopolítica, grande parte do dinheiro dos países está indo para o armamento de guerra”, afirmou Jardim. “Esses interesses são contraditórios com a necessidade das mudanças que precisamos fazer para enfrentar a crise do clima.”

Para ela, falta uma grande liderança que empurre os debates ambientais para frente. A União Europeia às vezes faz esse papel ao propor discussões sobre transição energética, mas tem pouca ambição nos debates sobre financiamento, segundo ela. Os Estados Unidos — que, a partir de 2025, terão na Casa Branca Donald Trump, notório negacionista climático — tampouco fazem esse papel.

“Os Estados Unidos nunca foram um ator com participação construtiva no diálogo sobre clima. Eles não são signatários da COP de biodiversidade, por exemplo. Mas faz falta um governo comprometido em um dos principais responsáveis históricos pela crise climática. [Joe] Biden havia trazido propostas muito ruins para a mesa antes de Trump” 

Camila Jardim

especialista em política internacional do Greenpeace Brasil, em entrevista ao Nexo 

O que fazer para mudar a rota

Jardim afirmou que é preciso construir uma liderança ambiental global para resolver problemas como os vistos nas conferências de 2024. Além da União Europeia, seria importante pressionar governos como o da China para exercerem esse papel. “Falta uma liderança que não seja só no discurso: que tenha financiamento, que lidere a produção tecnológica”, disse.

A frustração na COP29 aumentou as expectativas para a COP30, que deve ocorrer em 2025 em Belém. Para Jardim, o Brasil tem um papel interessante como possível liderança climática — já que, ao mesmo tempo que busca construir consensos nas cúpulas ambientais, tem ligações com as indústrias agropecuária e do petróleo. Mas, sozinho, o Brasil ainda não consegue liderar outros países.

“Falta essa liderança. Tem uma liderança do outro lado totalmente contrária à agenda [ambiental]. A própria Arábia Saudita, e a China em alguns tópicos, são países que se colocam numa posição de bloquear negociações. É um jogo de forças muito difícil, que tem dificultado a implementação dos acordos que discutimos há tantos anos” 

Camila Jardim

especialista em política internacional do Greenpeace Brasil, em entrevista ao Nexo

Outras medidas importantes são aumentar a transparência sobre a participação de lobistas nas conferências ambientais e criar mecanismos para que os poluidores paguem pela crise ambiental. “Os Estados nacionais estão endividados e têm várias demandas, mas podemos destinar dinheiro para o financiamento climático por meio da taxação das empresas de petróleo”, disse. “É preciso responsabilizar os lobistas que lucraram com a destruição.”

Além da COP29, da COP16 e das negociações sobre o plástico, o ano de 2024 deve terminar com a 16ª reunião da Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação. A cúpula começou na segunda-feira (2) e deve durar até 13 de dezembro em Riade, na Arábia Saudita. O desafio do evento é chegar a consensos sobre a recuperação de terras degradadas e desenvolver estratégias para lidar com as secas.

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