Expresso

O guia dos anos 70 de plantas amazônicas alucinógenas

Pedro Bardini

15 de dezembro de 2024(atualizado 15/12/2024 às 00h04)

Práticas indígenas com plantas e seus efeitos medicinais fazem parte de livro ilustrado que reúne mais de 40 espécies vegetais encontradas na Amazônia

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Trepadeira de ayahuasca

Trepadeira de ayahuasca

No começo da década de 1940, mesma época em que o LSD era sintetizado pela primeira vez, o biólogo e professor da Universidade de Harvard Richard Evans Schultes partia em uma viagem para a Amazônia a fim de estudar plantas alucinógenas.

Durante a viagem, Schultes coletou mais de 24 mil espécies de plantas. O resultado do extenso trabalho de campo foi materializado em um livro ilustrado que, depois de sua publicação em 1977, por muitos anos serviu de guia para o estudo das plantas e suas propriedades medicinais.

300

é a quantidade de espécies inéditas que Schultes catalogou durante sua viagem à Amazônia

O autor

O interesse de Schultes por florestas tropicais, em especial da América do Sul, surgiu ainda na infância. Quando era criança, seus pais costumavam ler para ele trechos de “Notas de um botânico na Amazônia”, livro escrito no século 19 pelo botânico Richard Spruce.

Em 1933, aos 18 anos, Schultes ingressou na Universidade de Harvard, onde planejava cursar medicina. Depois de assistir à aula de “Plantas e Assuntos Humanos”, ministrada pelo diretor do Museu Botânico de Harvard Oakes Ames, ele decidiu cursar biologia. Ames foi uma influência decisiva para a carreira do futuro etnobotânico. Além de ter sido mentor de Schultes durante o curso, o diretor também ofereceu-lhe trabalho no museu.

Em 1941, Schultes se tornou doutor em botânica. A tese que defendeu investigava a identidade perdida das plantas alucinógenas mexicanas, como os cogumelos teonanácatl da região de Oaxaca. 

Anos depois, em 1970, Schultes passou a dar aulas de biologia em Harvard. Quando faleceu, em 2001, muitos alunos escreveram notas bibliográficas para seu obituário. Segundo Luis Sequeira, um de seus alunos, o professor ficou conhecido como “o pai de um novo ramo da ciência chamado etnobotânica, o campo que explora a relação entre povos indígenas e o uso de plantas”.

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Atualmente, a etnobotânica é a área da ciência que estuda a relação entre as pessoas e as plantas, incluindo a forma como elas são usadas e percebidas.

O guia feito na Amazônia

Descrito na Amazon como “um exame não técnico dos efeitos fisiológicos e do significado cultural de plantas alucinógenas usadas em sociedades antigas e modernas”, o “Guia dourado para plantas alucinógenas” (1977) abrange ayahuasca, cannabis, vários cogumelos psicoativos, outros fungos, e demais espécies.

FOTO: Reproduçãocapa de livro vermelho com plantas desenhadas na capa

Capa do “Guia dourado para plantas alucinógenas” (1977), de Richard Evans Schultes

O livro foi feito com base no estudo de Schultes acerca do uso das plantas para fins medicinais e ritualísticos por parte de povos indígenas da floresta amazônica. Ele esteve no Brasil e na Colômbia entre 1942 e 1952, estudando a relação entre plantas alucinógenas e indígenas. 

46 

é o número de espécies de plantas alucinógenas que foram ilustradas no guia de Schultes

Os itinerários e registros de viagem do professor na Amazônia foram reunidos no site da Amazon Conservation Team, ONG que trabalha com a conservação das florestas e dos indígenas da América do Sul. O guia também está disponível na íntegra em versão digital.

Na introdução do livro, Schultes ressalta a apropriação que o termo “psicodélico” ganhou ao longo dos anos, principalmente devido à música e ao movimento de contracultura dos anos 1960. Para ele, esse termo é “biologicamente insustentável”, e adquiriu “significados populares além das drogas ou seus efeitos”. Por isso, optou pelo termo alucinógeno.

Plantas alucinógenas

Com o “Guia dourado para plantas alucinógenas”, Schultes se tornou um dos pioneiros na área da etnobotânica – ciência que desde sempre combina metodologias da antropologia e história com estudos medicinais, farmacológicos e químicos para extrair informações a respeito das plantas selvagens, suas propriedades e práticas.

plantas ilustradas

Algumas das ilustrações de plantas no guia

No livro, ele deixa claro a importância antropológica e medicinal dos efeitos alucinógenos. “Na história da humanidade”, escreveu, “os alucinógenos provavelmente foram os mais importantes de todos os narcóticos. Seus efeitos fantásticos os tornaram sagrados para o homem primitivo e podem até ter sido responsáveis por sugerir a ele a ideia de divindade”. Por esse mesmo motivo, a pesquisa de Schultes sobre os usos religiosos e medicinais dos alucinógenos naturais o levou a chamá-los de “plantas dos deuses”.

O professor e etnobiólogo também deixou registros na área da etnobotânica histórica – que estuda a relação entre as civilizações antigas e as plantas – nas primeiras páginas do guia. 

“Em sua busca por comida, o homem primitivo experimentou todos os tipos de plantas. Algumas o nutriam, algumas, ele descobriu, curavam seus males, e algumas o matavam. Algumas, para sua surpresa, tinham efeitos estranhos em sua mente e corpo, parecendo levá-lo para outros mundos. Chamamos essas plantas de alucinógenos, porque elas distorcem os sentidos e geralmente produzem alucinações – experiências que se afastam da realidade”, escreveu Schultes.

Pesquisas na área de etnobotânica histórica são feitas desde 1949. Segundo um estudo publicado por brasileiros em 2014, na revista científica Ethnobiology and Conservation, a etnobotânica histórica ajuda na compreensão e reconstrução de eventos históricos, bem como na percepção da conservação ou devastação da vegetação da região estudada.

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