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O que pode explicar a epidemia de infelicidade?

Jean Twenge

03 de fevereiro de 2018(atualizado 28/12/2023 às 01h49)

Atividades relacionadas às inúmeras telas com que convivemos podem estar causando mais depressão

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ARTIGO ORIGINAL

What might explain the unhappiness epidemic?

The Conversation

22 de janeiro de 2018

Autoria: Jean Twenge

Tradução: Camilo Rocha

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Todos gostaríamos de ser um pouco mais felizes.

O problema é que muito do que determina a felicidade está fora do nosso controle. Alguns de nós somos geneticamente predispostos a ver o mundo através de lentes cor de rosa, enquanto outros têm uma perspectiva geralmente negativa. Coisas ruins podem acontecer, para nós e no mundo. As pessoas podem ser cruéis, e trabalhos podem ser tediosos.

Mas temos algum controle sobre como gastamos nosso tempo de lazer. É uma razão pela qual vale perguntar quais atividades de lazer estão ligadas à felicidade e quais não estão.

Em uma nova pesquisa feita com um milhão de adolescentes americanos, eu e meus colegas examinamos como adolescentes estavam gastando seu tempo livre e quais atividades eram correlacionadas com felicidade e quais não eram.

Queríamos ver se mudanças na maneira como adolescentes gastam seu tempo livre podem explicar parcialmente uma impressionante queda na felicidade dos adolescentes depois de 2012 – e talvez um declínio na felicidade dos adultos desde 2000 também.

Aparece um possível culpado

Em nosso estudo, analisamos dados de um estudo de alunos dos três anos do ensino médio de todo o país que vem sendo conduzido anualmente desde 1991.

Todo ano, adolescentes são perguntados sobre sua felicidade no geral, assim como sobre as maneiras com que passam seu tempo. Descobrimos que adolescentes que passam mais tempo vendo seus amigos em pessoa, exercitando, praticando esportes, indo a cerimônias religiosas, lendo ou mesmo fazendo lição de casa, são mais felizes. Entretanto, adolescentes que passavam mais tempo na internet, jogando videogame, em redes sociais, mandando mensagens de texto, fazendo chats de vídeo ou assistindo TV são menos felizes.

A felicidade continuou a declinar à medida que a economia melhorou, fazendo com que fosse cada vez mais improvável que ciclos econômicos pudessem levar a culpa pela diminuição da felicidade depois de 2012

Em outras palavras, toda atividade que não envolvia uma tela era relacionada a mais felicidade, e toda atividade que envolvia uma tela era relacionada a menos felicidade. As diferenças eram consideráveis: adolescentes que gastavam mais do que cinco horas por dia conectados à internet tinham duas vezes mais probabilidade de serem infelizes do que aqueles que gastavam menos do que uma hora por dia.

É claro, pode ser que pessoas infelizes busquem atividades de tela. Entretanto, um número crescente de estudos mostram que a maior causalidade ocorre do uso de tela para a infelicidade, não o contrário.

Em um experimento, pessoas que eram solicitadas de maneira aleatória a deixar de lado o Facebook por uma semana ficavam mais felizes, menos sozinhas e menos deprimidas durante aquele tempo do que os que continuavam a usar a rede social. Em outro estudo, jovens adultos que eram obrigados a abandonar o Facebook por causa dos seus empregos eram mais felizes do que aqueles que mantinham suas contas. Além disso, diversos estudos longitudinais mostram que tempo de tela conduz à infelicidade, mas a infelicidade não conduz a mais tempo de tela.

Se você quisesse dar um conselho baseado nessa pesquisa, ele seria muito simples: largue seu celular ou tablet e vá fazer algo – qualquer coisa.

Não são só os adolescentes

Estas relações entre felicidade e uso de tempo são preocupantes, uma vez que a geração atual de adolescentes (a quem eu chamo de “iGen” no meu livro de mesmo nome) gasta mais tempo com telas do que qualquer geração anterior. O tempo gasto on-line dobrou entre 2006 e 2016, e 82% dos alunos do último ano do ensino médio usam as redes sociais todo dia (51% a mais que 2008).

Previsivelmente, a felicidade dos adolescentes despencou depois de 2012 (o ano em que a maioria dos americanos passou a ter um smartphone). Assim como a auto-estima e a satisfação com a vida dos adolescentes, especialmente a satisfação com seus amigos, a quantidade de diversão que estavam tendo, e suas vidas como um todo. Esses declínios de bem-estar refletem outros estudos que encontraram aumentos bruscos em problemas de saúde mental entre a iGen, incluindo sintomas de depressão, depressão aguda, automutilação e suicídio. Especialmente em comparação com os millennials, otimistas e quase sempre positivos, a iGen é notadamente menos confiante e mais deprimida.

Uma tendência similar pode estar ocorrendo com os adultos: eu e meus colegas havíamos previamente constatado que adultos com mais de 30 eram menos felizes do que eram 15 anos atrás, e que adultos estavam tendo relações sexuais com menos frequência. Pode haver muitas razões para estas tendências, mas adultos também estão gastando mais tempo com telas do que costumavam. Isso pode representar menos tempo olho-no-olho com outras pessoas, incluindo parceiros sexuais. O resultado: menos sexo e menos felicidade.

Embora a felicidade adolescente e adulta tenha caído durante os anos de alto desemprego durante a Grande Recessão (2008-2010), a felicidade não teve uma retomada nos anos depois de 2012, quando a economia estava desempenhando cada vez melhor. Em vez disso, a felicidade continuou a declinar à medida que a economia melhorou, fazendo com que fosse cada vez mais improvável que ciclos econômicos pudessem levar a culpa pela diminuição da felicidade depois de 2012.

O aumento da desigualdade de renda poderia ser um fator, especialmente para os adultos. Mas, se fosse o caso, seria de se esperar que a felicidade estivesse caindo continuamente desde a década de 1980, quando a desigualdade de renda começou a crescer. Em vez disso, a felicidade começou a declinar por volta de 2000 para os adultos e por volta de 2012 para os adolescentes. Contudo, é possível que preocupações a respeito do mercado de trabalho e desigualdade de renda tenham chegado a um momento crítico no início dos 2000.

Algo surpreendente foi nossa descoberta de que adolescentes que não usavam nada de mídias digitais eram na realidade um pouco menos felizes do que aqueles que usavam um pouquinho as mídias digitais (menos que uma hora por dia). A felicidade então vai decrescendo continuamente conforme aumentam as horas de uso. Assim, os adolescentes mais felizes eram aqueles que usavam mídias digitais, mas por um período limitado de tempo.

A resposta então não é abandonar completamente a tecnologia. Em vez disso, a solução é um adágio conhecido: tudo em moderação. Use seu telefone para todas as coisas legais para que ele serve. E então deixe ele de lado e vá fazer outra coisa.

Isso talvez te faça mais feliz.

Jean Twenge é professora de psicologia na Universidade Estadual de San Diego

The Conversation

A seção “Externo” traz uma seleção de textos cedidos por outros veículos por meio de parcerias com o Nexo ou licenças Creative Commons.

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