
Teleterapia se tornou comum durante a pandemia de coronavírus
É o terceiro mês da pandemia da covid-19 e todos estão isolados em suas casas. A câmera do meu notebook pega minha imagem de um ângulo estranho, expondo muito minhas narinas. Mas, dessa forma, minha paciente vê apenas meu rosto e a parede branca atrás de mim. Ela não verá o quarto bagunçado, os brinquedos espalhados por toda parte, a pilha de roupas sujas e os restos do meu almoço pouco saudável. Um raio de luz bate lá de fora, iluminando levemente meu rosto. Minha paciente sorri. “Está chovendo aí também?”
Com certeza está. Há três crianças pequenas estudando a distância com dois pais que trabalham. Minha paciente me conta sobre as dificuldades do confinamento, usando fones de ouvido conectados ao seu celular. Ela pede desculpas pela bagunça do quarto visível atrás dela. De muitas formas, a vida da minha paciente é semelhante à minha. E se eu apenas mudasse o ângulo da câmera, ela saberia disso visceralmente. Mas, sempre consciente dos tabus contra a auto-revelação do terapeuta, eu mantenho minha câmera posicionada com segurança e virada para a parede.
Mas por quê? O fato de a mesma tempestade nos cercar trouxe um sorriso ao rosto dela. Será que uma olhada de relance no meu quarto bagunçado a deixaria menos envergonhada? Ou apenas aumentaria a minha vergonha?
Como psicóloga clínica do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de Michigan, minha pesquisa e trabalho clínico são bifurcados. Como pesquisadora, exploro trabalhos de ‘colegas especialistas’ – pessoas em recuperação de uma doença mental e que são treinadas e certificadas para ajudar outras pessoas que passam por experiências semelhantes. Como clínica, forneço psicoterapia convencional.
Os colegas especialistas compartilham suas histórias pessoais como parte fundamental de seu trabalho; eles podem, por exemplo, descrever sua recuperação após uma tentativa de suicídio de forma a inspirar esperança e diminuir a vergonha do paciente.
Os profissionais clínicos também compartilham. Em uma amostra, mais de 90% dos terapeutas relataram usar o que chamamos de auto-revelação em suas práticas pelo menos uma parte do tempo. Mas, de acordo com uma estimativa, os terapeutas se auto-revelam apenas aproximadamente 3,5% das vezes. Pesquisas sugerem que ouvir a história de recuperação de um colega especialista promove um senso de normalidade e esperança. Um estudo cita um relato de um destinatário deste apoio de colegas como: “E, ver que ela fez isso é motivacional. Ela conseguiu, se ela consegue, eu também, sabe?”
Novas oportunidades – e riscos – em teleterapia
Com a pandemia da covid-19, visitas em vídeo tornaram-se comuns praticamente da noite para o dia, com uma pesquisa mostrando que neste momento 76% dos entrevistados fornecem apenas serviços remotos. Tanto para pacientes como para terapeutas certas revelações podem evidenciar fraquezas quando, através de suas webcams, uns entram nas casas dos outros.
Com essa mudança, surgem novas oportunidades e riscos. Nas garras da baixa motivação que muitas vezes acompanha uma depressão significativa, minha paciente parou de limpar sua casa. Por outro lado, eu também – talvez por razões diferentes e menos estigmatizadas.
Na minha posição como terapeuta, posso escolher quebrar este diferencial de poder entre nós; uma ligeira inclinação da minha câmera poderia ilustrar uma outra história sobre como uma sala bagunçada não é uma acusação de caráter. Neste sentido, eu alinharia meu trabalho ao dos colegas especialistas cujos papeis e habilidades são objetos da minha pesquisa. Eu consigo imaginar minha paciente sorrindo ao ver o estado real do meu quarto.
Devo fazer isso? Ou não?
Nenhuma orientação explícita
Terapeutas clínicos enfrentam mensagens contraditórias e pesquisas esparsas sobre a auto-revelação. A Associação Americana de Psicológicos não fornece orientações explícitas, embora códigos éticos relacionados a limites clínicos e relações duplas indiquem que profissionais se auto-revelem apenas quando isso tiver um objetivo claramente terapêutico.
A escassez de pesquisas sobre a revelação do terapeuta complica ainda mais o assunto. Pouco progresso foi feito sobre esta questão na psicologia: o que funciona para quem e em que circunstâncias? Se não entendermos completamente os efeitos da auto-revelação, sofreremos para determinar a efetividade de seu objetivo terapêutico de acordo com nossos códigos de ética.
As várias escolas de psicoterapia também veem o assunto de diferentes formas. Embora a psicanálise de Sigmund Freud sugira que o terapeuta deva ser uma tela em branco na qual os pacientes projetam seus pensamentos e sentimentos, a terapia cognitiva sempre pragmática de Aaron Beck sugere que grande parte do papel do terapeuta é aproveitar suas próprias experiências para explorar possíveis soluções para problemas da vida. As terapias comportamentais influenciadas pela prática da atenção plena (mindfulness), como a terapia de aceitação e comprometimento, vão um passo adiante: o uso ponderado da auto-revelação por um terapeuta pode ajudar a ilustrar que o paciente não está “quebrado”, mas está sujeito a vulnerabilidades universais da condição humana.
A pesquisa empírica começa a sugerir que o efeito da auto-divulgação de terapeutas é amplamente positivo. Um estudo constatou que as revelações sobre a vida fora da terapia (“eu tenho filhos em casa”) estão associadas a um melhor funcionamento da saúde mental e relacionamento terapêutico, além de discussões sobre o agora terapêutico (“fiquei triste quando você disse isso”) estarem associadas a uma sensação de abertura.
Outro estudo constatou que, embora a frequência da auto-divulgação não tenha sido relacionada a resultados clínicos, as auto-revelações que serviram para humanizar o terapeuta (“eu estava doente no ano passado”) foram associadas a menos sintomas pós-sessão do que as auto-revelações que expressam apreciação ou encorajamento. Ele também descobriu que as auto-revelações que transmitem semelhança (“eu também me senti assim”) estavam associadas a menos sintomas no pós-sessão do que as auto-revelações que não apresentavam semelhança nem dissimilaridade. Um estudo que analisou os e-mails dos terapeutas para os pacientes descobriu que a auto-revelação estava associada a uma melhor adesão à terapia e a menos sintomas depressivos.
‘Você é um de nós?’
Em 2011, Marsha Linehan anunciou publicamente que ela própria tinha um transtorno de personalidade limítrofe depois de servir o público por décadas como uma importante psicoterapeuta, pesquisadora e inovadora. Em um artigo do jornal The New York Times que descreve sua jornada de auto-revelação, ela relata uma história na qual uma paciente queria saber: “Você é uma de nós?”, e ela fugindo da pergunta dizendo “Você quer dizer, eu sofri?”. Ela lembra que a paciente a corrigiu gentilmente: “Não, Marsha… quero dizer uma de nós. Como nós. Porque se você fosse, isso daria a todos nós muita esperança.”
Com queimaduras desbotadas e cortes visíveis em seus braços, Linehan poderia se revelar sem dizer uma palavra. No entanto, ela recorda esse encontro como tendo inclinado a balança em favor da auto-revelação explícita e pública: “Eu devo isso a eles. Não posso morrer como uma covarde.” Eu me pergunto o que ela diria em resposta à minha indecisão sobre inclinar minha câmera uma fração de polegada para mostrar à minha paciente que ela não está sozinha em seu caos.
“Você vai sair depois dessa tempestade? Ou você tem muito o que fazer em casa?”, minha paciente pergunta quando nossa sessão termina. Ela soa melancólica.
Eu posso sentir a atração: ela quer saber sobre o meu mundo. Faço uma pausa por um instante, considerando. “Você está se perguntando o quanto estou ocupada”, digo com um sorriso, pensando na bagunça pavorosa atrás de mim. Em minha mente, ouço um eco: “Você quer dizer, eu sofri?” Parece que uma oportunidade de conexão está desaparecendo quando nos despedimos e terminamos a sessão.
Adrienne Lapidos é terapeuta e professora assistente de psiquiatria da Universidade de Michigan