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Como o clima extremo aumenta apagões na América Latina

Jorge C. Carrasco

21 de março de 2025(atualizado 21/03/2025 às 20h29)

Eventos climáticos como secas, incêndios, tempestades e inundações ameaçam a segurança energética da região

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ARTIGO ORIGINAL

Clima extremo deixa latino-americanos no escuro

Dialogue Earth

10 de março de 2025

Autoria: Jorge C. Carrasco

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FOTO: Atikah Akhtar/UnsplashVela acesa no escuro

Vela acesa no escuro

Quando os apagões começaram, em 2024, o engenheiro equatoriano Diego Torres previu o desastre: “Uma crise tremenda caiu sobre nós”. Seu país havia sido atingido por uma seca severa, que reduziu os níveis dos rios e das bacias hidrográficas — e isso, por sua vez, gerou interrupções no abastecimento elétrico de uma nação altamente dependente de hidrelétricas. Em pouco tempo, o Equador mergulhou em uma crise de energia que afetou milhões de pessoas.

racionamento de eletricidade começou em setembro do ano passado. Uma série de cortes de luz nos meses seguintes deixou bairros de todo o país às escuras. Isso também desestabilizou o fornecimento de água potável e internet, além de causar perdas econômicas significativas para milhares de empresas.

“Os apagões duravam de oito a 14 horas por dia. A energia era cortada às 20h e voltava no dia seguinte pela manhã. Tivemos que parar de trabalhar, tudo parou”, contou Torres, que vive na cidade de Cuenca, na região da Serra.

Em dezembro, o então ministro de Economia e Finanças do Equador, Juan Carlos Vega, informou que a crise energética poderia gerar impactos econômicos de aproximadamente 1% a 1,5% do Produto Interno Bruto nacional.

As hidrelétricas responderam por mais de 75% da eletricidade gerada em 2023 no Equador, de acordo com dados do think tank Ember. Em épocas de chuvas fortes, essas usinas podem suprir até 90% da demanda nacional. Mas, com a seca, a capacidade energética do país sofreu um déficit de 1.080 megawatts, representando cerca de 20% da capacidade hidrelétrica instalada no país.

“Em outros anos, o Equador se preparou para a chegada de fenômenos climáticos que resultaram em períodos de seca”, contou René Ortiz, ex-ministro de Energia e Recursos Renováveis do Equador. “Na última década, houve uma expansão das fontes alternativas de energia renovável, como a térmica e a fotovoltaica. Porém, boa parte dos equipamentos não recebeu a devida manutenção, pois o orçamento público foi direcionado para as emergências sociais e sanitárias da pandemia de Covid-19”.

“Acreditava-se que essas máquinas poderiam entrar em ação imediatamente para compensar a falta de energia, mas elas não estavam prontas. Fomos atropelados pelo tempo e pela escassez. E também pelos apagões”, resumiu Ortiz.

Problema regional

Os cortes de energia elétrica estão se tornando cada vez mais comuns na América Latina. De acordo com um estudo recente da Organização Latino-Americana de Energia (Olade), eventos climáticos extremos como secas, incêndios e inundações — todos exacerbados pelas mudanças climáticas — estão reduzindo a eficiência dos sistemas de eletricidade e ameaçando a segurança energética regional. Com essas pressões sobre a geração e distribuição de energia, soluções flexíveis e sustentáveis de longo prazo são fundamentais.

Em maio de 2024, o Rio Grande do Sul sofreu as maiores inundações de sua história. Mais de 600 mil pessoas ficaram desabrigadas, centenas foram feridas e mais de 180 morreram. Em cidades como Porto Alegre, capital do estado, boa parte da rede elétrica entrou em colapso. Cerca de 138 mil pessoas ficaram sem eletricidade, e os apagões afetaram o sistema de drenagem e bombeamento de água. As ruas se transformaram em rios, inundadas pelas fortes chuvas e pelo transbordamento do lago Guaíba.

Neste verão, mais extremos climáticos: cerca de 200 municípios gaúchos decretaram estado de emergência devido ao calor intenso, com temperaturas acima dos 40 °C — situação que já começou a mudar após a chegada de uma frente fria, com a possibilidade de temperaturas abaixo dos 10 °C e novos temporais.

Em maio do ano passado, uma onda de calor no México também desestabilizou a rede elétrica nacional: devido ao aumento insustentável da demanda, 18 dos 32 estados do país ficaram sem eletricidade.

Ao mesmo tempo, a chegada do verão na Argentina provocou cortes de energia em várias províncias. Isso levou o governo de Javier Milei a anunciar o Plano Verão 2024-2025, que prevê a importação de energia brasileira e o aumento do fornecimento de energia hidrelétrica da usina de Yacyretá, na fronteira com o Paraguai.

Em agosto do ano passado, o furacão Ernesto atingiu a ilha de Porto Rico, no Caribe, deixando grandes estragos, inundações e cerca de 700 mil residências sem energia. Em 2017, o furacão Maria já havia destruído boa parte da rede elétrica do território insular, que segue enfrentando constantes apagões desde então. No fim do ano passado, quase 90% de Porto Rico ficou sem eletricidade após a falha de um cabo de energia subterrâneo, que desatou a queda de todo o sistema.

“Eventos climáticos extremos têm sido uma realidade constante nos últimos anos e estão batendo cada vez mais recordes em todo o mundo”, observou o climatologista brasileiro Carlos Nobre. De acordo com ele, esses eventos estão diretamente ligados ao aumento das temperaturas globais: “Percebemos que nossas cidades estão enfrentando uma convergência entre o aquecimento global e as mudanças no uso do solo”.

Hidrelétricas: dependência perigosa?

Décadas de esforços para diversificar as fontes de energia, além do petróleo e gás, levaram muitos países da América do Sul e Central a explorar seu maior recurso: a água. Dezenas de usinas hidrelétricas foram construídas nas principais bacias hidrográficas da região, como a usina de Itaipu, na fronteira entre Brasil e Paraguai, e a usina de Guri, na Venezuela.

Embora essas usinas tenham ajudado a aliviar o problema, o aumento da demanda de energia e as mudanças climáticas colocam esses sistemas em xeque. De acordo com Nicolas Fulghum, analista sênior da Ember e especialista em dados globais de energia, há uma conexão fundamental entre a crise climática e a geração de energia. E isso também se aplica às nações muito dependentes de hidrelétricas.

“Historicamente, a energia hidrelétrica está ligada às condições climáticas. O problema atual é que as usinas construídas no passado estão localizadas em regiões onde as condições mudaram”, explicou Fulghum. “Uma região que, há 40 anos, recebia chuvas fortes, pode estar sofrendo secas severas. E, assim, as usinas estão se tornando menos eficientes”.

Ele acrescenta: “É difícil saber se esse padrão vai se manter pelos próximos anos, mas estamos vendo mais eventos de seca. Casos assim têm aparecido no Brasil, no Equador e na China, afetando a geração de energia nesses países. Não é um fenômeno novo, mas seu impacto é muito maior nesses locais”.

Segurança e resiliência energética

Conforme a Agência Internacional de Energia, o mundo deve esperar um crescimento de 25% a 30% na demanda de eletricidade até 2030. Em um contexto econômico e ambiental voltado para o desenvolvimento sustentável, o desafio global será atender ao aumento dessa demanda sem usar fontes que contribuam para o aquecimento global. Porém, quando há interrupções nos sistemas de eletricidade em meio a eventos climáticos extremos, as nações afetadas — Brasil e Equador, por exemplo — muitas vezes recorrem a termelétricas e geradores a gasolina e diesel para estabilizar o fornecimento de energia.

Nesse sentido, o desenvolvimento sustentável é uma meta complexa para os países do Sul Global. Suas transições para uma economia de baixo carbono geralmente são atravessadas pela falta de recursos e divergências com os países desenvolvidos sobre temas como o financiamento climático.

Para os especialistas entrevistados pelo Dialogue Earth, a única maneira de garantir a segurança energética na América Latina — e no resto do mundo — é criar redes de energia mais integradas e equilibradas que possam lidar com condições climáticas extremas. A brasileira Daniela Cardeal, presidente do Sindicato da Indústria de Energias Renováveis do Rio Grande do Sul, disse que não houve momento mais crucial nas últimas décadas para a transição energética, “o que, por sua vez, melhorará nossa relação com a Terra e proporcionará mais segurança energética para as comunidades”.

As reservas de energia eólica e solar podem ajudar em tempos de seca, reduzindo a dependência de combustíveis fósseis
Nicolas Fulghum
analista sênior da Ember

“Temos dois problemas distintos: o aumento do uso de combustíveis fósseis em períodos de seca e o aumento da necessidade de capacidade energética”, observou Nicolas Fulghum. “Quando há um equilíbrio no fornecimento de energia, com muita energia eólica e solar, é possível usar essas reservas nos casos de seca, reduzindo a dependência de combustíveis fósseis e do mercado internacional. Um país que está mais isolado desses problemas é mais resistente à escassez de energia”.

Fitzgerald Cantero, diretor de estudos, projetos e informação da Olade, explicou que a geração de energia distribuída e os sistemas de armazenamento são uma possível solução para esses problemas. Porém, garantir o financiamento para o alto custo de implementação e manutenção continua sendo uma barreira. “As usinas de armazenamento desempenham um papel fundamental para o aproveitamento de fontes intermitentes [como a eólica e  solar]. A possibilidade de armazenar essa energia permite melhorar a regulação dos sistemas e reduzir a descarga de energia durante os períodos de baixa demanda”.

Cantero acrescentou que a geração descentralizada e distribuída é uma opção vantajosa do ponto de vista local. Ela aumenta a cobertura e reduz as perdas de energia em áreas isoladas, cuja ligação à rede nacional pode ser cara e complicada.

“É uma questão de segurança e flexibilidade energética”, completou Fulghum. “O aumento da capacidade de geração pode realmente ajudar a mitigar esses desafios impostos pelo clima, principalmente em países altamente dependentes de poucas fontes de energia”. De acordo com ele, a queda significativa nos preços dos equipamentos para a geração de energia eólica e solar pode ajudar a expandir ainda mais essas soluções pela América Latina.

“A transição energética precisa ser urgente”, alertou Nobre. “Se não conseguirmos estabilizar o nível de temperatura global pela eliminação de nossas emissões de CO₂ até 2050, o desafio de reduzir as emissões se tornará o maior que já enfrentamos neste planeta. Estaremos cometendo ecocídio”.

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