Coluna

Alicia Kowaltowski

Jovens cientistas precisam ser formados, e não usados

13 de dezembro de 2023

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Além de realizar atividades científicas, bolsistas devem ser treinados de forma mais ampla em processos de produção de conhecimento

Em uma coluna de 2022, escrevi sobre como estudantes bolsistas são nossos melhores cientistas , principais responsáveis pelas nossas maiores descobertas, ativamente buscando responder novas perguntas na fronteira do conhecimento. Em qualquer momento, seja dia, noite ou final de semana, temos milhares de jovens cientistas trabalhando em seus projetos, incluindo bolsistas de iniciação científica (que cursam a graduação em paralelo), pós-graduação (mestrado e doutorado) e pós-doutoramento (estágio final da formação do cientista, após o doutoramento).

Investimos nesses jovens oferecendo acesso a insumos e instrumentação para a execução dessas pesquisas, além de bolsas para manutenção pessoal, vindas predominantemente de verbas públicas. Por isso precisamos também nos atentar para que esses jovens não somente participem do processo de realização de atividades científicas, mas sejam treinados, no sentido mais amplo, no processo de produção de conhecimento durante seus anos como bolsistas, podendo, ao final desse período, exercer plenamente suas capacidades como cientistas independentes. Jovens cientistas precisam ser formados, e não apenas usados como força de trabalho.

O perigo de serem usados como força de trabalho é real, pois jovens cientistas trabalham junto a pesquisadores experientes contratados por universidades e centros de pesquisa. A função desses pesquisadores experientes é orientar jovens cientistas, ajudando-os a entender como fazer e responder boas perguntas e assegurando que seu grupo tenha a capacidade de abrigar jovens cientistas investigando as fronteiras do conhecimento. Mas o financiamento para pesquisa básica, o passo inicial de qualquer achado verdadeiramente novo, está cada vez mais competitivo e difícil internacionalmente. Em vez de essa competitividade fazer de todos os cientistas melhores orientadores, buscando ser competitivos através da qualidade, para alguns orientadores egocêntricos e menos visionários, essa competitividade é respondida com mecanismos que levam à piora das condições formativas de jovens cientistas.

Infelizmente, sabemos que há alguns supervisores que não investem na formação de seus estudantes e mentorados, desestimulando-os de fazer cursos que possam aprimorar suas capacidades e conhecimentos, em detrimento de tempo em que poderiam estar levantando dados científicos. Vê-se também supervisores que, em vez de atribuir uma pergunta científica a cada jovem em formação (ensinando-os a buscar conhecimento na prática), colocam cada um para processar sempre a mesma técnica laboratorial, em uma espécie de fábrica de produção científica, na qual a junção dos dados e da intelectualidade ocorre apenas nas mãos dos supervisores.

Há também supervisores que não incluem os jovens nos importantes processos de criação de perguntas e projetos científicos, além de não os estimular e treinar para comunicar seus dados em eventos e através de publicações. Por fim, há talvez a atitude mais lamentável de todas: supervisores que, na tentativa de manter junto a si pessoas já preparadas para fazer as suas atividades de pesquisa, evitam que jovens em seus grupos saiam para expandir seus horizontes junto a novos grupos ou se estabeleçam como pesquisadores independentes.

Alicia Kowaltowskié médica formada pela Unicamp, com doutorado em ciências médicas. Atua como cientista na área de Metabolismo Energético. É professora titular do Departamento de Bioquímica, Instituto de Química da USP, membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia de Ciências do Estado de São Paulo. É autora de mais de 150 artigos científicos especializados, além do livro de divulgação Científica “O que é Metabolismo: como nossos corpos transformam o que comemos no que somos”. Escreve quinzenalmente às quintas-feiras.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.

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