Coluna

Marta Arretche

O que o pato da Fiesp tem a dizer sobre desigualdade

23 de janeiro de 2020

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O sistema tributário brasileiro gera desigualdade – mas nem o projeto de governo de Bolsonaro nem as propostas de reforma em tramitação lidam com isso

Apresenta viés de alta a preocupação com a desigualdade e a pobreza. O tema saiu dos restritos círculos acadêmicos e entrou de vez na agenda global. Produziu o Prêmio Nobel de Economia e o Prêmio Jabuti de melhor livro do ano da graça de 2019.

Até mesmo o ministro Paulo Guedes, em Davos, sentiu-se constrangido a tratar do tema. Para elevar a sofrível nota do governo Bolsonaro no exterior, juntou preservação da Amazônia com combate à pobreza, em uma única frase. Sinal dos tempos! Não dá para fazer boa figura fora do Brasil se esquivando desses assuntos.

No plano doméstico, entretanto, as iniciativas do ministro jogaram o roto contra o rasgado. Para bancar o custo do programa que visa incentivar a contratação de jovens, o governo propôs taxar em 7,5% o seguro-desemprego. Na prática, os desempregados adultos bancariam os custos fiscais dos empregos dos jovens desempregados. Para pagar a 13ª parcela aos beneficiários do Bolsa Família , o governo usou parte da verba que estava prevista para aposentadorias e pensões. Na prática, o aposentado pobre bancou a melhora de vida do miserável. Duvido que qualquer dessas transferências alterasse a terceira casa decimal de nosso (conhecido e elevado) coeficiente de Gini!

Se este fosse um campeonato de salto, não passaria de 0,50 cm a altura em que o ministro Guedes coloca o sarrafo da redistribuição. Até mesmo nos EUA, cujos índices de desigualdade não nos fazem inveja, o sarrafo está metros acima. Elizabeth Warren, pré-candidata à presidência da República pelo Partido Democrata, tem como plataforma de campanha um imposto de 2% ao ano sobre patrimônios avaliados entre US$ 50 milhões e US$ 1 bilhão, e de 3% sobre patrimônios acima de US$ 1 bilhão. Com os recursos a serem arrecadados, Warren promete cancelar as dívidas dos estudantes, garantir acesso público ao ensino superior, implantar um programa universal de suporte à infância e, sobretudo, prover saúde para todos.

No Brasil, elevar a alíquota do imposto de renda ainda é tabu. As propostas de reforma tributária em tramitação no Congresso ignoram olimpicamente o tema. É disseminada a avaliação de que colocar o sarrafo à altura da tributação sobre a renda inviabilizaria a aprovação de qualquer reforma. Melhor aprovar alguma reforma que nenhuma, dizem os especialistas.

Marta Arretcheé professora titular do Departamento de Ciência Política da USP (Universidade de São Paulo) e pesquisadora do Centro de Estudos da Metrópole. Foi editora da Brazilian Political Science Review (2012 a 2018) e pró-reitora adjunta de pesquisa da USP (2016 a 2017). É graduada em ciências sociais pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), fez mestrado em ciência política e doutorado em ciências sociais pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), e pós-doutorado no Departamento de Ciência Política do MIT (Massachussets Institute of Technology), nos EUA. Foi visiting fellow do Departament of Political and Social Sciences, do Instituto Universitário Europeu, em Florença. Escreve mensalmente às sextas-feiras.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.

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