O clima de intolerância e mal-estar da democracia não é apenas a herança de nossa história política recente, é também estratégia deliberada de atores políticos da atual liderança do país para galvanizar a opinião pública e, apostando na lógica da hiperpolarização, garantir sua manutenção no poder.
É lamentável e estarrecedor que figuras relevantes das diversas esferas do governo e da arena pública brasileira ousem lançar mão de discursos discriminatórios, que ironizam a morte, contestam a ciência, descredibilizam as instituições e fabricam inimigos em suas construções e ações políticas. A normalização ou mesmo o estímulo a manifestações desse tipo trazem consequências reais à atmosfera política brasileira que tanto clama por tolerância e sensatez.
Somam-se às falas recorrentes episódios de violação das liberdades e garantias constitucionais. Foi assim na ação que buscou censurar HQs durante a Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro, na intervenção realizada por agentes da Polícia Rodoviária Federal no Amazonas junto a um grupo de professores reunidos para organizar manifestações contrárias ao governo, na detenção de um torcedor por declarações contra o presidente durante um jogo de futebol em São Paulo, entre tantos outros casos que vêm nutrindo um modus operandi marcado por afrontas a direitos democráticos fundamentais em todo o país.
Não bastasse o clima de intimidações e cerceamento de liberdades no âmbito da sociedade civil, das universidades e dos meios de comunicação, temos observado ainda uma série de atos normativos e decisões políticas que aos poucos vai corroendo nossa construção democrática e fragilizando o ambiente institucional do país. Os ataques ao Congresso, ao Supremo Tribunal Federal e a outras instituições, a inobservância da lista tríplice para a Procuradoria-Geral da República, o veto aos prazos sobre julgamentos de Ações Diretas de Inconstitucionalidade, o nepotismo escancarado e as repetidas tentativas de controlar e criminalizar organizações da sociedade civil são alguns dos exemplos inequívocos de desapreço do governo perante os marcos da democracia.
Esse cenário tem se mostrado um enorme desafio, mas é também uma grande oportunidade para que diversos setores da sociedade rompam a perplexidade e reafirmem de forma contundente seu compromisso com valores e práticas intrínsecos à democracia. Precisamos, neste momento somar mais e mais vozes que se comprometam com o respeito absoluto à diferença, zelando pelo pluralismo, pela diversidade e pela tolerância, que se unam para repudiar a discriminação e a violência em todas as suas formas, garantindo um debate público virtuoso, e que defendam de forma incondicional a institucionalidade democrática, os princípios, liberdades e direitos fundamentais expressos na Constituição.
O momento exige que tais pressupostos sejam defendidos veementemente, independente de convicções políticas ou preferências programáticas. Garantir que as premissas democráticas vigorem é condição para a nossa existência enquanto coletividade e para a trilha do desenvolvimento do país.
A oportunidade para reafirmar esse compromisso em nosso país está aberta e é urgente. Deixar para depois pode ser tarde demais.
O Pacto pela Democracia vem cultivando um espaço em que as vozes dispostas a estabelecer esse compromisso fundamental com os marcos democráticos têm sido cada dia mais diversas e numerosas. Diálogos virtuosos aliados a um trabalho consistente na defesa da construção democrática são o norte desse coletivo. Afinal, rechaçar em frente ampla arbitrariedades e o cerceamento de liberdades tem sido remédio histórico contra o autoritarismo.
No dia 15 de setembro, comemora-se o Dia Internacional da Democracia, data criada pela ONU não apenas para celebrar a democracia enquanto ideal, mas como convite a voltarmos nossa atenção à qualidade das construções democráticas ao redor do mundo. E nós, no Brasil, não podemos fugir desse debate.
Por isso, convidamos todos aqueles que compartilham da certeza de que ela é valor e condição para qualquer avanço possível na construção de uma sociedade mais justa, íntegra, livre e humana a aproveitarem a data e levarem aos espaços públicos o debate sobre o que está em jogo hoje na democracia brasileira. Sempre por meio de diálogos qualificados, respeitosos e que busquem ultrapassar as barreiras ideológicas que caracterizam as mídia sociais.
Em São Paulo, o Dia pela Democracia acontecerá na Avenida Paulista e criará um espaço propício ao encontro e ao diálogo entre pessoas com identidades, vivências e visões marcadamente diversas. Das 13h às 18h estaremos em frente ao Masp semeando formas de restaurar as bases da vida política e da cidadania no Brasil, na tentativa de fortalecer nossa construção democrática em um momento de tantas turbulências.
Além de proporcionar discussões, compreensões e perspectivas múltiplas sobre acontecimentos recentes da atualidade política, o Dia pela Democracia será, acima de tudo, um ato pelo compromisso com a convivência democrática e o Estado de Direito no Brasil.
A oportunidade para reafirmar esse compromisso em nosso país está aberta e é urgente. Deixar para depois pode ser tarde demais.
Flávia Pellegrinoe Ricardo Borges Martins coordenam a secretaria-executiva do Pacto pela Democracia.