Amazônia

Os acertos e desacertos na Cúpula da Amazônia em Belém

Isadora Rupp

07 de agosto de 2023(atualizado 28/12/2023 às 22h05)

Oito países que abrigam bioma se reúnem na capital do Pará para estabelecer metas ambientais conjuntas e definir o que pretendem fazer com exploração do petróleo na margem equatorial

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FOTO: UESLEI MARCELINO /REUTERS 05.08.2023

Vista aérea com mata cortada pelo Rio Piraíba, em Belém do Pará. Em meio às árvores, área industrial irregular.

Vista do Rio Piraíba, em Belém do Pará, com área industrial irregular

A Cúpula da Amazônia começa nesta terça-feira (8) em Belém do Pará, com representantes de oito países do bioma amazônico, além de convidados europeus e africanos.

O encontro quer estabelecer medidas para evitar o ponto de não retorno da Amazônia — em que a floresta perderia a capacidade de se regenerar —, disse a ministra do Meio Ambiente do Brasil, Marina Silva. Mas há divergências entre os participantes, especialmente no que se refere à exploração de petróleo.

Neste texto, o Nexo fala da agenda da cúpula, lista as demandas urgentes e explica o protagonismo brasileiro na crise do clima.

O que é a Cúpula da Amazônia

A Cúpula da Amazônia é um encontro que reúne chefes de Estado e representantes dos oito países com o bioma amazônico em seus territórios: Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. A reunião em Belém entre terça-feira (8) e quarta-feira (9) é a quarta edição do encontro.

Todos esses países integram a OTCA (Organização do Tratado de Cooperação Amazônica), um bloco socioambiental da América Latina que assinou, em 1978, o Tratado de Cooperação Amazônica , um instrumento jurídico para promover um desenvolvimento sustentável dos países amazônicos.

O tratado prevê colaboração entre países em áreas como pesquisa científica, utilização racional de recursos naturais, navegação nos rios amazônicos, entre outros temas.

Os líderes devem assinar uma cooperação regional para a Amazônia, chamada de Declaração de Belém, com foco no tema da mudança climática e redução da emissões de CO2.

A ideia é construir uma posição conjunta entre os oito países e levar esse documento para a COP 28, conferência do clima da ONU (Organização das Nações Unidas), que será no final de novembro, nos Emirados Árabes.

US$ 178 trilhões

será o valor do prejuízo global se a emissão de carbono atual for mantida até 2070 , segundo a consultoria Deloitte

As cúpulas anteriores ocorreram em 1989, 1992 e 2009. “Desde que o tratado de cooperação amazônica foi assinado, nos anos 1970, nunca houve uma cúpula tão ambiciosa como a atual”, afirmou ao Nexo Raul do Valle, especialista em políticas públicas da WWF Brasil, ONG que lida com questões ambientais.

Segundo Raul do Valle, as cúpulas anteriores ainda se centravam em questões menores, como navegação e cooperação entre fronteiras. “De lá para cá, a ciência mostrou que a Amazônia tem um desafio e uma importância muito maior, que é a função super reguladora do clima na América do Sul. Grande parte das chuvas que permitem a produção industrial no Brasil depende da saúde da floresta amazônica. Eu diria que é a primeira cúpula com grande ambição que acontece em quatro décadas”, disse.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem cobrado em entrevistas — e promete cobrar na cúpula — o investimento de US$ 100 bilhões que foi estabelecido na cúpula de 2009 para doações ao Fundo Amazônia. O dinheiro deveria sair de países ricos que prometeram aportes ao fundo para financiar as agendas climáticas de países em desenvolvimento.

FOTO: ADRIANO MACHADO/REUTERS – 26.JUN.2023

Lula, de terno azul, ajeita a gravata. Metade da foto desfocada

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva

Hoje, os principais doadores do Fundo Amazônia são Noruega, Alemanha e a Petrobras. Reino Unido prometeu a doação de R$ 500 milhões e os Estados Unidos, de US$ 500 milhões. Caso os aportes se confirmem, o fundo terá R$ 6,4 bilhões , muito aquém do prometido em 2009.

“O que nós queremos é dizer ao mundo o que queremos fazer com a nossa floresta e dizer o que o mundo tem que fazer para ajudar, porque prometeram US$ 100 bilhões em 2009 e até hoje não saiu esses US$ 100 bilhões”, disse Lula em entrevista no programa “Conversa com o Presidente”, live semanal onde o presidente conversa com o jornalista Marcos Uchôa.

O centro do poder em Brasília também foi transferido para Belém por alguns dias: pelo menos 15 ministros e ministras estão na capital do Pará para o evento ou para eventos paralelos.

O que esperar da cúpula 2023

A quarta edição da Cúpula da Amazônia traz pela primeira vez a participação de outros países que não integram a OTCA.

O Brasil convidou o Congo, a República Democrática do Congo e a Indonésia para participar. Segundo Lula, os três países foram escolhidos por serem regiões com ampla reserva florestal.

França, que tem território amazônico na Guiana Francesa, também vai participar junto com outros dois países europeus, a Alemanha e a Noruega, dois grandes financiadores do Fundo Amazônia , iniciativa que recebe doações para projetos de conservação da floresta.

Bancos de desenvolvimento, entidades financeiras e o presidente da COP-28, Sultan Ahmed al-Jaber, também vão comparecer à cúpula.

Segundo o jornal Folha de S. Paulo, que teve acesso ao rascunho da Declaração de Belém, há convergência entre os países na articulação de ações para evitar o ponto de não retorno – se mais de 20% do bioma for desmatado, é impossível impedir o processo de desertificação, e a floresta perderia as suas características tropicais.

10%

das espécies conhecidas na superfície terrestre dependem da sobrevivência do bioma amazônico e de sua bacia, segundo a WWF Brasil

Reconhecimento dos direitos indígenas e proteção aos ativistas ambientais também são pontos em comum, Além disso, os oito países sul-americanos condenam medidas protecionistas, como a de barreiras comerciais da União Europeia. O texto não faz relação com questões climáticas, apenas cita a “proliferação de medidas comerciais unilaterais que, baseadas em requisitos e normas ambientais, se traduzem em barreiras comerciais e afetam principalmente aos pequenos produtores dos países em desenvolvimento”.

Apenas o Brasil e a Colômbia se comprometem com o “desmate zero” do bioma. Os países também estão em um impasse sobre a exploração de petróleo na foz do rio Amazonas.

FOTO: UESLEI MARCELINO/REUTERS – 06.08.2023

Várias pessoas seguram cartazes contra a exploração de petróleo na foz do Amazonas. Em destaque, uma mulher com uma faixa escrito "Salve a costa amazônica"

Movimentos sociais protestam contra exploração de petróleo na foz do Amazonas às vésperas da Cúpula da Amazônia, em Belém, Pará

Lula não descarta a possibilidade de perfurar a área com a Petrobras. O presidente colombiano, Gustavo Petro, rechaça a ideia. A ministra do Meio Ambiente da Colômbia, Susana Muhamad, disse que o país quer um fim amplo e progressivo no uso de petróleo na região amazônica, inclusive na margem equatorial (região em alto mar que vai da Guiana ao estado do Rio Grande do Norte). Muhamad quer firmar com o Brasil um plano conjunto de não abrir mais blocos de petróleo para manter a integralidade ecológica .

Essa também é uma demanda dos povos indígenas da região, que querem entregar uma declaração aos presidentes dos oito países amazônicos para pedir o fim da exploração do combustível fóssil em seus territórios.

Peru e Equador são países atingidos pelo problema. Já o Brasil abriu a possibilidade com pedido da Petrobras ao Ibama para obter licenças para a perfuração de um bloco de exploração na região da margem equatorial, a 170 km da costa, o que permitiria a Petrobras analisar o potencial das reservas de petróleo na região.

Pescadores da região temem a exploração e derramamento de óleo, o que afetaria o bioma e a atividade econômica. Em dois anos, a Petrobras registrou 23 vazamentos . O investimento em combustíveis fósseis, principais agentes do aquecimento global, também é contraditório em uma cúpula sobre preservação do bioma, o que envolve a descarbonização da economia.

A busca pelo protagonismo político

O Brasil tem a pretensão de se tornar protagonista nas demandas e propostas dos países amazônicos, transformando-se em porta-voz dos temas climáticos e de conservação ambiental no mundo.

O evento em Belém também é uma espécie de teste para a COP 30, em 2025, marcada também para a capital do Pará.

Antes mesmo de assumir o mandato em janeiro de 2023, Lula foi ovacionado em novembro de 2022 em discurso na cúpula do clima no Egito, o que agradou a comunidade científica internacional que se preocupava com a posição bolsonarista na área ambiental.

Agora, Lula precisa lidar com o desafio da questão do petróleo – que se tornou polêmica na cúpula antes mesmo do evento iniciar, com protestos de indígenas – e com os números de desmatamento que cai na Amazônia, mas cresce no Cerrado .

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