Coluna

Alicia Kowaltowski

Por que engordamos? A resposta está com a ciência básica

05 de novembro de 2019

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Em biologia, nada faz sentido exceto à luz da evolução. A epidemia global de excesso de peso está ligada a bilhões de anos de seleção natural

Não há como negar que estamos cada vez mais gordos. De acordo com a Organização Mundial de Saúde , índices de obesidade triplicaram desde 1975. Há cerca de 2 bilhões de pessoas com sobrepeso hoje, das quais 650 milhões são clinicamente obesas. Atualmente, a maioria das pessoas no mundo mora em países em que a obesidade é um problema de saúde mais importante do que a desnutrição. E o crescimento da obesidade não para, afetando indivíduos cada vez mais jovens. De fato, o problema da obesidade infantil nos EUA é tão grave, que a expectativa de vida de crianças e adolescentes atuais é menor que a da atual população mais velha – que, em sua maioria, não foi obesa na juventude.

Há diversos motivos pelos quais o excesso de peso diminui a expectativa de vida. Ter sobrepeso ou obesidade aumenta as chances de desenvolver vários tipos de câncer, doenças neurológicas como Parkinson ou Alzheimer, infartos, diabetes e várias outras doenças associadas à idade mais avançada. A medicina moderna tem tratamentos cada vez melhores para essas doenças, mas elas ainda podem limitar o tempo de vida ou, pelo menos, limitar o tempo de vida saudável. E todos nós, creio, queremos viver com mais qualidade, de forma mais saudável.

A população, em geral, parece saber bastante bem que ter sobrepeso ou ser obeso não é saudável. De fato, a maioria das pessoas provavelmente deseja perder peso e até exagerar na magreza, chegando a um tipo físico demasiadamente esbelto disseminado pela mídia. (Não faça isso – assim como o excesso, o peso abaixo do ideal é um sério fator de risco à saúde.) A maior parte da população também sabe que ganhar ou perder peso é, a grosso modo, um balanço entre o que comem e o que gastam. Para perder peso, é necessário comer menos e/ou se movimentar e exercitar mais, para aumentar os gastos de energia da comida. No entanto, embora a solução pareça simples e de amplo conhecimento, nós continuamos engordando. Por quê?

O biólogo e crítico do anticientificismo Theodosius Dobzhansky afirmou há mais de 40 anos que “ nada na biologia faz sentido exceto à luz da evolução ”. E a verdade é que a atual epidemia de obesidade só faz sentido quando pensamos em como evoluímos. A espécie humana evoluiu durante centenas de milhares de anos para sobreviver por pouco tempo, e em ambientes onde comida tinha que ser encontrada ou caçada. Até cem anos atrás, a expectativa de vida média era de cerca de 40 anos; a maioria das doenças associadas à obesidade aparecem após essa idade. Com o desenvolvimento de sistemas modernos de se obter alimentos, e o aumento da expectativa de vida, repentinamente começamos a ter problemas relacionados ao excesso de comida, e não estamos evolutivamente adaptados para essa situação.

Na realidade, o corpo humano (e de animais em geral) é maravilhosamente bem adaptado para utilizar toda a energia da comida que ingere de forma muito eficaz, e estocar qualquer sobra para necessidades futuras. Nossas células obtêm energia química da nossa comida com uma eficiência significativamente melhor do que os motores dos carros mais modernos obtêm energia de combustíveis. Além disso, se comemos mais do que usamos, temos mecanismos metabólicos bem adaptados para guardar a energia química da comida em excesso na forma de gorduras depositadas no nosso corpo. Depositamos o excesso de energia que comemos como gordura por um motivo simples: é a forma mais eficiente de se guardar energia, tendo aproximadamente o dobro das calorias por grama que carboidratos ou proteínas. Depositar energia de forma eficaz era uma vantagem evolutiva em épocas de escassez, que compreendem a vasta maioria do tempo em que evoluímos, mas hoje se tornou um risco à saúde.

Alicia Kowaltowskié médica formada pela Unicamp, com doutorado em ciências médicas. Atua como cientista na área de Metabolismo Energético. É professora titular do Departamento de Bioquímica, Instituto de Química da USP, membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia de Ciências do Estado de São Paulo. É autora de mais de 150 artigos científicos especializados, além do livro de divulgação Científica “O que é Metabolismo: como nossos corpos transformam o que comemos no que somos”. Escreve quinzenalmente às quintas-feiras.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.

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