Compartilhe
Algo muito estranho está acontecendo no mundo atual. Vivemos melhor que qualquer outra geração anterior. Pessoas são saudáveis graças às ciências da saúde. Moram em residências robustas, produto da engenharia. Comem alimentos seguros e variados, gerados pela agropecuária. Usam eletricidade, domada pelo homem devido ao seu conhecimento de química e física. Paradoxalmente, essas mesmas pessoas ligam seus computadores,tablets e celulares (produtos da mais avançada tecnologia de computação e informática) para adquirir e disseminar informações que rejeitam a mesma ciência que é tão presente em suas vidas. Vivemos num mundo em que pessoas usam a ciência para negar a ciência.
Os exemplos são tantos que não há como listar todos. Vão do bizarro movimento que insiste que a Terra é plana (apesar de termos circundado o globo terrestre inúmeras vezes por mar, ar e satélite) à crença de que a água, uma reles molécula, tem “memória”, teoria em que se baseia a homeopatia (uma pseudociência tão popular que no Brasil é, inacreditavelmente, incluída nas práticas de saúde pública do SUS, às custas de dinheiro público, embora comprovadamente não promova nenhum ganho de saúde).
O fenômeno é mundial, mas no Brasil tornou proporção de emergência nacional recentemente, com a péssima decisão política de se realizar cortes extensos no financiamento da ciência nacional. A atual proposta orçamentária para o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) em 2020 prevê corte de 87% das verbas para pagamento de pesquisas em relação às já estranguladas verbas disponíveis em 2019. De fato, a agência realizou cortes extensos em seus investimentos, e não possui sequer verba assegurada para pagamento de seus bolsistas ativos até o final desse ano. Já a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) também se viu obrigada a deixar de reimplementar a maioria das suas bolsas disponibilizadas após término de projetos em função do orçamento previsto, para garantir que bolsistas já trabalhando não percam seu pagamento em 2020. A Capes financia a maior parte dos pós-graduandos das universidades (cerca de 60% dos pós-graduandos da USP, por exemplo), e são justamente esses jovens que são os principais produtores da ciência nacional.
Alicia Kowaltowskié médica formada pela Unicamp, com doutorado em ciências médicas. Atua como cientista na área de Metabolismo Energético. É professora titular do Departamento de Bioquímica, Instituto de Química da USP, membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia de Ciências do Estado de São Paulo. É autora de mais de 150 artigos científicos especializados, além do livro de divulgação Científica “O que é Metabolismo: como nossos corpos transformam o que comemos no que somos”. Escreve quinzenalmente às quintas-feiras.
Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.
Destaques
Navegue por temas