Especial

Dia a dia do golpe: como o Brasil virou uma ditadura militar

Mariana Vick

01 de abril de 2024(atualizado 05/07/2024 às 21h20)

Entenda o que aconteceu em datas-chave que culminaram na chegada dos generais ao poder em 1964, do discurso de Jango na Central do Brasil à ascensão de Castelo Branco à Presidência da República

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FOTO: ARTE/NEXO/Reprodução /Arquivo Público do DF

Esta série especial do Nexo sobre “o dia a dia do golpe” resgata momentos-chave ocorridos em 1964, do discurso de João Goulart na Central do Brasil à ascensão de Castelo Branco ao poder.

Cada texto detalha acontecimentos marcantes com explicações históricas de datas determinantes para o solapamento da democracia no país e mostra como grandes jornais repercutiram os fatos na época.

O discurso de Jango na Central do Brasil

Era sexta-feira 13 daquele março de 1964. João Goulart defendia, num comício em frente à estação ferroviária Central do Brasil, no Rio de Janeiro, a necessidade de promover reformas de base no país. 

FOTO: Divulgação/EBC - 13.mar.1964Foto em preto-e-branco mostra homem adulto falando ao microfone e gesticulando. À sua esquerda, há uma mulher séria.

João Goulart e Maria Tereza Goulart durante comício na Central do Brasil, no Rio de Janeiro, em 13 de março de 1964

Centenas de milhares de pessoas — a contagem varia entre 150 mil e 300 mil — assistiam àquele discurso, que marcaria uma guinada à esquerda de um presidente já sob pressão.

“Àqueles que reclamam do Presidente de República uma palavra tranquilizadora para a nação, o que posso dizer-lhes é que só conquistaremos a paz social pela justiça social”

João Goulart

então presidente do Brasil, em discurso no dia 13 de março de 1964 

Jango, como era conhecido, havia assumido a Presidência em 1961, num ambiente de constantes tensões políticas. Empossado após a renúncia de Jânio Quadros, teve poder limitado no começo do mandato, quando houve um breve período de parlamentarismo, derrubado em 1963. Em disputa com o Congresso, o político do PTB buscava apoio popular a suas propostas, que iam da reforma agrária à reforma urbana.

O comício vinha sendo anunciado desde janeiro de 1964. Organizado pelo Comando Geral dos Trabalhadores (também conhecido pela sigla CGT), o encontro reuniu servidores públicos, camponeses, estudantes e trabalhadores de diferentes partes do país, levados ao Rio pelos trens da Central do Brasil. Jango subiu ao palanque nas primeiras horas da noite. 

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A marcha da família com Deus pela liberdade

Quando João Goulart discursou em frente à Central do Brasil a favor das reformas de base em 13 de março, janelas da zona sul do Rio de Janeiro exibiram velas em vigília. O ato religioso e político condenava o então presidente e seu chamado “comunismo ateu”. A reação se transformaria seis dias depois na maior manifestação em mais de três anos contra o governo trabalhista: a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, com cerca de 500 mil pessoas nas ruas de São Paulo.

FOTO: Wikimedia CommonsImagem em preto-e-branco mostra multidão de pessoas, numa manifestação.

Marcha da Família com Deus pela Liberdade, de 1964

A imensa “massa humana” que caminhou por uma hora e meia no centro da cidade, da praça da República à catedral da Sé, expressou em cartazes a repulsa à guinada à esquerda de Jango. “Verde e amarelo, sem foice e sem martelo”, “reforma com Deus e pela pátria”, “democracia tudo, comunismo nada”, diziam os textos. Um dos oradores sintetizou o espírito da data:

“Hoje é o dia de São José, padroeiro da família, o nosso padroeiro. Fidel Castro é o padroeiro de [Leonel] Brizola [então deputado e aliado do presidente]. É padroeiro de Jango. É o padroeiro dos comunistas. Nós somos o povo. Não somos do comício da Guanabara [discurso da Central do Brasil de Jango], estipendiado pela corrupção. Aqui estão mais de 500 mil pessoas para dizer ao presidente da República que o Brasil quer a democracia, e não o tiranismo vermelho”

Benedito Mário Calazans

padre e então senador pela UDN, em discurso em 19 de março de 1964, na Marcha da Família com Deus pela Liberdade, em São Paulo

A imputação da “ameaça comunista” a Jango era um exagero, como disseram historiadores mais tarde. A expressiva parcela da população que se reuniu naquele 19 de março de 1964, puxada por setores conservadores e religiosos, no entanto, via no governo da época a representação de seus principais medos. Contra eles valia tudo — até um golpe militar.

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A revolta dos marinheiros

Era Semana Santa. Membros da antiga AMFNB (Associação de Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil) comemoravam, em 25 de março, o segundo aniversário da entidade, numa festa no Palácio de Aço, sede do Sindicato dos Metalúrgicos no Rio de Janeiro. Foi quando a chegada de uma ordem de prisão deflagrou um movimento que acirraria as tensões daquele ano: a Revolta dos Marinheiros.

FOTO: Arquivo Nacional/Correio da ManhãImagem em preto-e-branco mostra gorros de marinheiros espalhados em calçada.

Gorros de marujos lançados à calçada em resistência a ordem de prisão em 1964

Liderada por José Anselmo dos Santos, conhecido como cabo Anselmo, a rebelião iniciada em 25 de março de 1964 consistiu na resistência de 2.000 homens à sanção determinada pela Marinha, que considerava ilegal a associação de marujos. Por dias os revoltosos ocuparam o Palácio do Aço, em protesto também por melhores condições de trabalho. O grupo aproveitou para defender as reformas de base anunciadas duas semanas antes pelo presidente João Goulart:

“Quem tenta subverter a ordem não são os marinheiros, os soldados, os fuzileiros, os sargentos e os oficiais nacionalistas, como também não são os operários, os camponeses e os estudantes. A verdade deve ser dita: quem, neste país, tenta subverter a ordem são os aliados das forças ocultas, que levaram um presidente ao suicídio [Getúlio Vargas], outro à renúncia [Jânio Quadros], tentaram impedir a posse de Jango e agora impedem a realização das reformas de base”

José Anselmo dos Santos

em discurso em 25 de março de 1964 

O episódio expôs no interior da Marinha a polarização que tomava conta do Brasil. Militares identificados com o trabalhismo se opunham ao oficialato das Forças Armadas, que via em Jango uma ameaça nacional. A crise no Palácio do Aço terminou com a vitória do primeiro grupo, beneficiado por um dos últimos atos do presidente da República, que seria deposto pelos militares em 31 de março de 1964.

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O discurso de Jango no Automóvel Clube

João Goulart provavelmente não sabia — mas talvez desconfiasse — que na noite de 30 de março de 1964 faria seu último ato público como presidente: um discurso no Automóvel Clube, no Rio de Janeiro, em comemoração do 40º Aniversário da Associação dos Subtenentes e Sargentos da Polícia Militar do estado.

FOTO: Reprodução/Correio da Manhã/Arquivo NacionalImagem em preto-e-branco mostra homem caminhando, de perfil. Em volta dele há vários outros homens, inclusive vários militares.

João Goulart no Automóvel Clube, em 30 de março de 1964

Jango estava nervoso para a ocasião, como contaram relatos publicados na imprensa anos mais tarde. O governo estava em crise com as Forças Armadas, deflagrada cinco dias antes com a Revolta dos Marinheiros. A anistia do presidente aos revoltosos fora interpretada como incentivo à quebra da hierarquia militar, e a presença num evento das baixas patentes poderia parecer uma nova provocação.

Apesar disso, Jango foi ao Automóvel Clube. Ovacionado pelos cabos e sargentos da plateia, o discurso forte do presidente a favor das reformas de base foi a senha final para que oficiais inclinados ao golpe dessem início à conspiração, após dias de tensões sucessivas. Assistindo ao evento de casa, na praia do Flamengo, o senador Ernâni do Amaral Peixoto teria dito naquela noite: “o Jango não é mais presidente da República”.

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O levante militar que solapou a democracia

Começava a manhã no Rio de Janeiro. O Jornal do Brasil, edição de 31 de março de 1964, circulava nas bancas com um artigo do jornalista Carlos Castello Branco, especializado na cobertura política. Dizia o título: “Minas desencadeia luta contra Jango”, em referência a um fato que havia acabado ocorrer na madrugada daquele dia.

FOTO: Reprodução/Reprodução/Correio da Manhã/Arquivo Nacional/Wikimedia CommonsImagem em preto-e-branco mostram militares a postos.

Forças do general Olympio Mourão Filho em 1964

Olympio Mourão Filho ainda estava em casa, de pijamas, em Juiz de Fora (MG), quando acionou o levante militar. Mal havia passado a repercussão do discurso de João Goulart na noite anterior quando o general descreveu em seu diário o movimento que deflagraria. As declarações do presidente no Automóvel Clube, com ataques às Forças Armadas, haviam sido a gota d’água para provocar a ofensiva:

“Morro pobre, mas até a última hora posso andar de cabeça erguida. Viva o Brasil!”

Olympio Mourão Filho

general e chefe do 4º Exército, em trecho escrito em seu diário na madrugada do dia 31 de março de 1964

Apoiado pelo governador de Minas, José Magalhães Pinto, e por outras autoridades civis e militares, o grupo de Mourão seguiu para o Rio de Janeiro. Improvisada, a marcha poderia não ter passado de uma quartelada, como disse naquela manhã o general Amauri Kruel, de São Paulo. Hora a hora, no entanto, o cenário mudou: do grupo solitário em Juiz de Fora, veio a ampla articulação responsável por golpear a democracia.

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O momento em que a ruptura se firmou

Primeiro de abril de 1964. Dia da mentira, e também dia seguinte ao golpe. Depois do levante militar iniciado na madrugada do dia 31 de março em Minas Gerais, apoiado pelo chefe do Exército de São Paulo menos de 24 horas depois, o começo do novo mês foi marcado por uma profusão de reações, protestos e repressão, como que anunciando a cara do regime que começava.

FOTO: Reprodução/Correio da Manhã/Arquivo Nacional/Wikimedia Commons

Blindado em frente ao Ministério da Guerra

Faltavam alguns passos, na verdade, para efetivar o golpe. João Goulart não estava deposto de fato da Presidência no começo do dia. A ruptura democrática avançou à tarde, no entanto, com a tomada do forte de Copacabana, no Rio de Janeiro, onde Jango estava desde o dia anterior e de onde saiu com destinos a Brasília e depois Porto Alegre.

Aliados do presidente, como o deputado federal Leonel Brizola, tentaram organizar um movimento de resistência à deposição. Luís Carlos Prestes deixou militantes do Partido Comunista de sobreaviso, e o parlamentar Rubens Paiva apelou na Rádio Nacional a favor do presidente. Os alicerces do governo, no entanto, não pararam de cair: foi o que bastou para abrir espaço à ditadura que deixaria o Brasil apenas 21 anos depois.

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Ranieri Mazzilli assume lugar de Jango

Zero hora. Sessão extraordinária do Congresso Nacional. O presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, ignora a informação de que João Goulart está no Brasil e declara vaga a Presidência da República, abrindo espaço para que a Casa emposse Ranieri Mazzilli, então presidente da Câmara dos Deputados, como novo chefe do Executivo. 

FOTO: Reprodução/O Cruzeiro/Wikimedia Commons/Domínio públicoImagem em preto-e-branco mostra dois homens brancos, de meia idade, dando um aperto de mão.

Auro de Moura Andrade (à dir.) empossa Ranieri Mazzilli (à esq.) na Presidência em 1964

Apenas dois dias haviam se passado desde que tropas de Minas Gerais marcharam para o Rio com o objetivo de derrubar Jango. Apenas um dia havia se passado desde que militares tomaram o Forte de Copacabana, no momento conhecido como instante zero do golpe. A posse de Mazzilli marca a conclusão do levante civil-militar que pôs o país em 21 anos de ditadura.

Jango estava em Porto Alegre quando soube da notícia do Congresso, ainda na madrugada de 2 de abril de 1964. De manhã, voou para São Borja (RS), vendo aliados virarem vítimas da repressão do regime que se iniciava. Ameaçado de prisão, começou a preparar o autoexílio, onde morreu, em 1976, sem ter feito o que mais queria: matar a saudade do Brasil. 

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O 1º Ato Institucional do novo regime

Dia dez do golpe. O general Artur da Costa e Silva, então comandante-em-Chefe do Exército e integrante da junta militar no comando do país, estava no salão nobre do Ministério da Guerra, no Rio de Janeiro, quando abriu a cerimônia marcada para aquele 9 de abril de 1964. Diante de um batalhão de oficiais e jornalistas, leu a primeira norma importante do novo governo: o Ato Institucional nº1, depois conhecido como AI-1.

FOTO: Correio da Manhã/Arquivo Nacional/Wikimedia Commons - 09.abr.1964Imagem em preto-e-branco mostra homem branco, ao microfone, com um papel na mão. Outros homens, com uniformes militares, olham para ele.

Leitura do Ato Institucional nº 1 pelo General Sizeno Sarmento Ferreira

Os 11 artigos do texto listaram as medidas que seriam adotadas pelo regime para a “reconstrução econômica, financeira, política e moral do Brasil”. A mensagem, reproduzida na imprensa na íntegra, visava a superar o legado do trabalhista João Goulart, derrubado em 31 de março por um levante militar. Era preciso “drenar o bolsão comunista” infiltrado na administração pública depois de tê-lo tirado da cúpula do governo, segundo o documento.

Aquele era mais um passo que os militares davam para desenhar a ditadura que começava a se firmar no país. “O presente Ato Institucional só poderia ser editado pela revolução vitoriosa”, sublinhou o texto. “Os processos constitucionais não funcionaram para destituir o governo, que deliberadamente se dispunha a bolchevizar o país. Destituído pela revolução, só a esta cabe ditar as normas e os processos de Constituição do novo governo”, ressaltou.

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Mandatos cassados, direitos suspensos

Leonel Brizola, Rubens Paiva, João Goulart, Jânio Quadros, Luiz Carlos Prestes e Darcy Ribeiro. Todos esses nomes, junto com outros 96 que protagonizavam a vida nacional, tiveram o mesmo destino no dia 10 de abril de 1964, quando a junta militar no comando do país publicou a primeira lista de atingidos pelo AI-1 (Ato Institucional nº 1): a cassação e a suspensão de direitos políticos.

FOTO: Arquivo/Câmara dos Deputados - 09.abr.1964Imagem em preto-e-branco mostra vários homem, de roupa social, num grande salão.

Sessão da Câmara em 9 de abril de 1964, um dia antes da cassação de 41 deputados

Fazia um dia que o Comando Supremo da Revolução, nome dado ao grupo no poder desde o golpe de 1964, havia publicado o ato que previa “drenar o bolsão comunista” do país. Cento e dois deputados federais, ex-presidentes, líderes sindicais e outras figuras identificadas com o governo deposto de Jango foram proibidos de participar da vida pública. Apenas dez anos depois estava previsto que voltassem à ativa.

Não foi o que aconteceu. Depois da primeira lista dos atingidos pelo AI-1, o governo no poder desde o golpe — ele próprio uma agressão à soberania popular — impôs várias outras restrições aos direitos políticos no país, como o de votar de forma direta em eleições. Um período de 21 anos no qual a democracia foi cada vez mais deixando de existir. 

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Congresso elege Castelo Branco

Brasília, 11 de abril de 1964. Estavam cheias as galerias no Congresso Nacional para a eleição do novo presidente da República. Foi o voto do deputado Pinheiro Chagas (PSD-MG), recebido com uma profusão de aplausos, que garantiu a maioria necessária do quórum para confirmar a escolha do candidato favorito: o general Humberto Castelo Branco. 

FOTO: Arquivo Nacional/Wikimedia Commons - 15.abr.1964Imagem em preto-e-branco mostra homem de meia-idade recebendo a faixa presidencial de outro homem. Há pessoas em volta.

Humberto Castelo Branco recebe a faixa presidencial, quatro dias após a eleição, em Brasília

A eleição era dada como certa. Depois da desistência de outros dois candidatos — Eurico Gaspar Dutra, ex-presidente da República, e Amauri Kruel, chefe do 2º Exército em São Paulo —, o caminho estava aberto para o general, um dos principais articuladores do golpe de 1964. A vitória no pleito coroou o levante que em 31 de março havia posto abaixo o governo trabalhista de João Goulart.

Castelo Branco não ficaria no governo por muito tempo. Estava previsto pelo AI-1 (Ato Institucional nº 1), baixado dois dias antes, que em 1965 o Brasil teria novas eleições diretas. Não foi o que aconteceu: a votação foi adiada de novo, e de novo, e de novo, até que — depois das prisões, das cassações, da violência e da censura — já não havia sequer aparência de democracia no país.

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