Quais medicamentos contra a covid foram aprovados pela Anvisa
Estêvão Bertoni
11 de setembro de 2021(atualizado 28/12/2023 às 23h21)Desde o começo de 2021, agência brasileira já autorizou cinco remédios contra a doença, mas preço e eficácia limitada barram incorporação pelo SUS
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Enfermeira observa bolsa de infusão com anticorpos monoclonais em hospital na Itália
A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) autorizou na quarta-feira (8) o uso emergencial de um novo remédio contra a covid-19 , o sotrovimabe. Trata-se de um medicamento biológico baseado nos chamados anticorpos monoclonais , que são produzidos em laboratório e têm capacidade de bloquear a entrada do coronavírus nas células humanas. Com a decisão, já são cinco tratamentos contra a doença aprovados no Brasil — sendo quatro deles com a mesma tecnologia dos anticorpos monoclonais e só um antiviral, o remdesivir.
Embora a notícia indique um avanço no desenvolvimento de remédios contra a covid-19, nenhum dos medicamentos aprovados deve ser incorporado ao SUS (Sistema Único de Saúde) e disponibilizado à população, devido à eficácia limitada e ao alto custo dos tratamentos . A Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS), órgão que decide quais remédios serão oferecidos na rede pública, já se manifestou sobre três deles, com recomendações contrárias à aquisição e à oferta pública dos medicamentos.
Na prática, a decisão da Anvisa não muda nada para os doentes que procuram ajuda médica. A infecção causada pelo novo coronavírus continua sem um tratamento específico. Sintomas como dores e febres são tratados com analgésicos e antitérmicos já conhecidos.
Neste texto, o Nexo mostra quais remédios já foram aprovados no país, como eles atuam e quais os obstáculos que os impedem de serem amplamente utilizados nos hospitais.
Remdesivir
Foi o primeiro remédio aprovado pela Anvisa, em março, para pacientes com covid. Fabricado pela empresa Gilead Sciences, é o único antiviral da lista. Seu uso, injetável, é indicado para pessoas que apresentam quadro de pneumonia com necessidade de suplemento de oxigênio. Estudos não apontaram redução da mortalidade, mas o remédio pode encurtar o tempo de internação. O tratamento custa cerca de R$ 17 mil , e sua inclusão não foi recomendada no SUS pela Conitec. A OMS (Organização Mundial da Saúde) também não recomenda seu uso.
Casirivimabe e imdevimabe
O uso associado dos dois anticorpos monoclonais foi autorizado em abril pela Anvisa. O coquetel, que ganhou o nome de Regn-Cov2, foi desenvolvido pela farmacêutica americana Regeneron, e reduziu em 70,4% o número de hospitalização e morte de pacientes sintomáticos com fatores de risco para doença grave. O pedido de uso emergencial foi feito pela Roche no Brasil. A Conitec não recomendou sua incorporação ao SUS. Nos Estados Unidos, a unidade do medicamento com 2.400 mg (dobro do autorizado no Brasil) foi negociada com o governo por US$ 2.100.
Banlanivimabe e etesevimabe
Também um coquetel que combina dois anticorpos monoclonais, o medicamento produzido pela farmacêutica Eli Lilly, com sede nos Estados Unidos, teve uso emergencial autorizado pela Anvisa em maio. Estudos clínicos também mostraram uma redução de 70% de hospitalização e mortes em pacientes com alto risco de desenvolver quadros graves da covid-19, em comparação com aqueles que receberam placebo (substância sem efeito). O remédio também não teve a incorporação recomendada pela Conitec.
Regdanvimabe
Conhecido como Regkirona, o medicamento da sul-coreana Celltrion Healthcare foi aprovado em agosto . Assim como os demais anticorpos monoclonais, ele reduziu o risco de progressão da doença, em 72% dos casos leves, em pacientes com alto risco de apresentar quadros graves.
Sotrovimabe
O pedido de uso emergencial foi feito pela fabricante GlaxoSmithKline Brasil e aprovado pela Anvisa em setembro. A redução do risco de progressão da doença, segundo ensaios clínicos com o medicamento, ocorreu em 79% dos casos.
Com exceção do remdesivir (medicamento que é incorporado pelo vírus em seu metabolismo na tentativa de bloquear sua replicação), os demais tratamentos aprovados pela Anvisa buscam impedir a ação dos vírus recorrendo a anticorpos monoclonais, que são proteínas produzidas em laboratório e que têm como função emular os anticorpos que o sistema imunológico produz naturalmente.
Segundo o professor de microbiologia Leandro Lobo, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), o processo de produção desses anticorpos em laboratório é considerado simples. Ele consiste em criar “in vitro” células do sistema imune, conhecidas como linfócitos B. Essas células são colocadas em contato com a proteína Spike (ou S, em forma de espinhos), que reveste o coronavírus e é usada por ele para invadir as células humanas. A partir disso, as células são estimuladas a produzir anticorpos específicos contra o agente infeccioso.
Os pesquisadores então selecionam a linhagem das células do linfócito B que estão produzindo exatamente os anticorpos que se quer obter e fundem com outra célula para criar um “clone”, segundo o professor. “É por isso que é chamado de anticorpo monoclonal: ele vem de um clone só, de um linfócito B só”, afirmou Lobo em entrevista ao Nexo .
No corpo, pelo contrário, o sistema imune reconhece todos os pedaços de um vírus inteiro (e não só a proteína Spike, como no laboratório), gerando vários clones diferentes, o que significa que tem vários tipos de linfócito produzindo anticorpos que vão reconhecer pedaços diferentes do vírus — e muitas vezes pedaços diferentes da própria proteína Spike, como explica o pesquisador.
“O nosso corpo, ao fazer isso, produz centenas de clones diferentes, reconhecendo diferentes partes da Spike. Já a indústria farmacêutica vai selecionar os mais eficientes para bloquear a entrada do vírus nas células”, afirmou.
Doutor em química medicinal, o professor Adriano Andricopulo, da USP (Universidade de São Paulo), compara a proteína Spike, que reveste o coronavírus, a uma chave. Nas células humanas, ela encontra o receptor, chamado ACE2, que funciona como uma fechadura. Nesse processo, o vírus consegue entrar nas células para se reproduzir.
Para impedir esse processo, os anticorpos tentam, justamente, se ligar à superfície da chave, ou seja, da proteína Spike que reveste o coronavírus, a fim de modificá-la. “Imagine um molho de chaves que você tem para abrir uma porta específica. Só uma das chaves vai entrar. Mas se você for lá e modificar aquela chave, nem ela mais vai abrir a porta. É assim que os anticorpos atuam”, afirmou, em entrevista ao Nexo.
Por causa desse mecanismo, os remédios baseados em anticorpos monoclonais precisam ser usados na fase inicial da doença, quando o vírus ainda está entrando no organismo e ainda existem condições de parar o processo de infecção. “A partir do momento em que o processo já está avançado e não tem mais retorno, levando o paciente a complicações e a uma forma grave, não adianta mais fechar a porta para a entrada do vírus”, disse.
Segundo Andricopulo, o tratamento, que é conhecido da ciência desde os anos 1970, é eficaz se usado em pacientes com sintomas leves, mas com chances de progredir para uma forma moderada ou grave da doença, numa situação identificada após avaliação médica. O uso não é indicado em pessoas com comorbidades. “Existe sempre o problema, durante o uso, de reações alérgicas, que são comuns, então isso também tem que ser monitorado”, disse.
Mais de 80 tipos de anticorpos monoclonais já foram aprovados, por exemplo, pela FDA (Food and Drug Administration, agência federal do Departamento de Saúde dos Estados Unidos). Eles são usados no tratamento de doenças como câncer e aids.
Um dos problema dos anticorpos monoclonais, segundo o professor, é que eles são tão específicos para combater um vírus que, se ocorrer mutações, como no caso das variantes do novo coronavírus, eles podem perder a eficácia — a exemplo do que também acontece com as vacinas, baseadas no coronavírus original.
Segundo o professor Leandro Lobo, da UFRJ, embora sejam rápidos e fáceis de produzir, os medicamentos à base de anticorpos monoclonais são extremamente caros por serem produzidos em sistemas biológicos e dependerem de células vivas que são mantidas em biorreatores. “É muito difícil para um sistema de saúde como o nosso oferecer isso para toda a população, seria um fardo enorme”, disse.
O professor Adriano Andricopulo, da USP, afirma que eles não devem ser incorporados ao SUS porque os valores dos medicamentos usados por um único paciente podem variar de R$ 10 mil a R$ 60 mil. Há casos, segundo ele, que o tratamento pode chegar à casa do milhão.
“Infelizmente, não é uma terapia que se vai encontrar facilmente disponível porque é cara, considerando um único paciente que desenvolve uma forma leve da doença e que não se sabe se vai evoluir para um quadro grave. O SUS não tem condições devido ao volume de infectados, que é muito grande no Brasil”, disse.
Terceiro país no mundo em número de casos de infecção pelo novo coronavírus, atrás apenas dos Estados Unidos e da Índia, o Brasil já contabilizou quase 21 milhões de infectados e mais de 585 mil mortes pela covid-19, até o início de setembro.
Para Andricopulo, a aprovação pela Anvisa acontece, mesmo sem que o remédio seja incorporado ao sistema de saúde e usado pela população, por se tratar de uma forma de tratamento para uma doença grave que não tem outras alternativas disponíveis de cura.
Segundo ele, para controlar a pandemia, além das vacinas, seria preciso desenvolver antivirais baratos, feitos com moléculas pequenas que permitem que sejam administrados por via oral, em larga escala, e distribuídos pelo governo. “Principalmente se for útil para a prevenção, no início da doença. No caso de algum sintoma, você faz o teste, identifica a covid e toma o medicamento em casa ou onde estiver”, disse.
O desenvolvimento de antivirais , porém, é difícil porque o vírus é constituído apenas de material genético e usa toda a maquinaria da célula humana para se reproduzir. Por causa disso, é difícil encontrar “alvos” para atingir diretamente os vírus, e os remédios acabam interferindo nos próprios mecanismos das células. Outro problema é que, quando os sintomas de infecções virais agudas começam a aparecer, muitas vezes já é tarde para conter a doença com remédios.
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