Expresso

Como a crise e a inflação afetam a ida ao supermercado

Marcelo Roubicek

27 de março de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h48)

O ‘Nexo’ conversou com Ricardo Teixeira, da FGV, sobre as alterações recentes nos hábitos de consumo dos brasileiros. O professor também deu dicas para tentar driblar os aumentos nas prateleiras

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FOTO: PILAR OLIVARES/REUTERS – 10.SET.2020

Idosa negra usando máscara protetora cruza os braços enquanto olha para prateleiras de arroz no mercado

Idosa em frente a prateleiras de arroz em supermercado no Rio de Janeiro

A inflação continua crescendo no Brasil, conforme divulgado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) nesta sexta-feira (25). O IPCA-15 – conhecido como a prévia da inflação – teve alta de 0,95% entre 12 de fevereiro e 16 de março de 2022. O número ficou acima das projeções entre agentes do mercado e foi o maior para o período desde 2015.

O dado foi puxado por alimentos como cenoura, batata e tomate. Os números mostram uma pressão forte sobre produtos comprados no supermercado em um momento de pouca tração na atividade econômica e renda em baixa .

Neste texto, o Nexo explica o momento da economia brasileira e conversa com Ricardo Teixeira, coordenador do MBA em Gestão Financeira da FGV-Rio, sobre como a inflação e a crise afetam o comportamento da população no supermercado. Teixeira também lista dicas para tentar driblar os aumentos nas prateleiras.

Preços e renda na economia brasileira

A economia brasileira vive um momento de inflação alta. Em 2021, o avanço de preços foi superior a 10% pela primeira vez em seis anos. Em 2022, o avanço dos preços continua em dois dígitos acumulados em 12 meses.

Uma parte desse aumento se deve a alimentos, geralmente por causa de impactos de fenômenos climáticos. É o caso do café e do açúcar, afetados pelas geadas e seca de meados de 2021. No início de 2022, o excesso de chuvas em diferentes partes do país prejudicou a produção de frutas e verduras.

Mas os alimentos não são os principais motores da inflação alta desde 2021. Os maiores protagonistas do processo inflacionário são produtos ligados a energia: principalmente combustíveis, mas também a conta de luz e o botijão de gás.

Mesmo que esses bens não sejam vendidos diretamente nos supermercados, os aumentos chegam aos preços dos produtos nas prateleiras. Isso porque eles são importantes em toda a cadeia produtiva do país.

A conta de luz alta, por exemplo, eleva os custos da indústria – setor que mais consome energia elétrica no Brasil. Por isso, bens industrializados – de alimentos a produtos de limpeza – também são pressionados pelo custo maior da conta de luz.

No caso dos combustíveis, há diversos impactos que vão além do custo maior para quem enche o tanque. Há bens industriais e agrícolas que são produzidos com participação (direta ou indireta) de combustíveis. Uma máquina agrícola, por exemplo, usa diesel para colher um determinado produto. Como o custo do produtor aumenta com o combustível mais caro, essa alta também é repassada ao consumidor.

Além disso, o Brasil é um país com alta dependência do transporte rodoviário feito por caminhões. A alta dos combustíveis pressiona os preços de fretes, e os custos de deslocamentos de mercadorias é repassado para uma ampla gama de produtos que estão no supermercado.

Em 2022, um fator de pressão inflacionária é a guerra na Ucrânia, que fez disparar os preços internacionais de commodities como petróleo, trigo, milho e fertilizantes. A expectativa é que o conflito no leste europeu reverbere na forma de aumentos de preços de diversos produtos no Brasil, entre eles combustíveis (como já ocorre) , alimentos e eletroeletrônicos.

A inflação alta ajuda a corroer o poder de compra da população brasileira, que já passa por um momento ruim. Segundo dados do IBGE, o rendimento mensal médio do trabalhador brasileiro está quase 10% menor no início de 2022 em relação a um ano antes.

Os hábitos dos brasileiros no mercado

Ao Nexo , Ricardo Teixeira, coordenador do MBA em Gestão Financeira da FGV-Rio, afirmou que os brasileiros têm, historicamente, alguns padrões de comportamento quando vão ao supermercado.

O primeiro deles é que as compras costumam ser feitas pouco após o recebimento do pagamento – seja ele semanal, quinzenal ou mensal. “Dificilmente você vai encontrar pessoas que fazem compras grandes no supermercado fora do período imediatamente posterior ao recebimento”, disse o professor da FGV.

Essas compras maiores geralmente são focadas em produtos necessários. Mas, de acordo com Teixeira, os brasileiros também têm o hábito de fazer compras pequenas no intervalo entre compras grandes. Nessas idas mais rápidas ao supermercado, há uma maior suscetibilidade a compras por impulso: “é essa que realmente leva uma boa parte da renda sem ser percebida, porque ela não é baseada em produtos que realmente são necessários”.

Outro hábito apontado pelo professor é o de não analisar por inteiro as promoções oferecidas nas prateleiras. Isso faz com que determinados produtos sejam colocados no carrinho simplesmente por estarem com desconto – mesmo que o preço esteja acima do valor praticado por outras marcas ou em outros mercados.

Como a crise muda os hábitos

A combinação entre inflação alta e renda em baixa levou a mudanças nos comportamentos de consumo da população brasileira. Um exemplo é o crescimento de relatos de compras coletivas em atacado . Nesses arranjos, grupos de pessoas se juntam para comprar em grandes quantidades e aproveitar preços mais baixos.

O perfil dos produtos comprados também passa por mudanças. Em 2021, por exemplo, o consumo de carne vermelha – cujos preços subiram com força desde a segunda metade de 2020 – foi o menor jamais registrado. O dado é da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), ligada ao Ministério da Agricultura.

Segundo Teixeira, o contexto econômico força também outras mudanças no hábito de consumo. “Os consumidores começam a procurar produtos similares mais em conta, abrem mão de marcas mais conhecidas e mais caras para ir para marcas um pouco mais baratas”.

O professor da FGV também apontou que, em alguns casos, as quantidades também estão sendo reduzidas para conseguir comportar todas as compras no orçamento do mês.

Essa redução de quantidades às vezes parte do produtor, e não do consumidor. É comum, em tempos de inflação mais alta, que empresas ofereçam quantidades menores a preços iguais. O fenômeno – que nem sempre é captado com precisão pelos índices oficiais de inflação – é chamado por alguns economistas de “ inflação velada ” (ou “shadow inflation”, em inglês).

Como um todo, os efeitos da inflação são mais sentidos pelas pessoas que ganham menos. Isso porque o peso de bens comprados no supermercado – em especial alimentos – é maior sobre o orçamento de famílias de menor renda. Isso faz com que os ajustes para encaixar as compras no orçamento disponível sejam maiores.

Abaixo, o Nexo elenca algumas dicas feitas pelo professor Ricardo Teixeira para tentar driblar os preços altos nos supermercados.

Como fazer supermercado na crise

PLANEJAMENTO

Teixeira afirmou aoNexo que é importante fazer um bom planejamento para as compras. “A pessoa deve se planejar durante o mês todo para saber o que vai comprar no mês seguinte, sem que haja um excesso de produto e sem faltar nenhum produto”, disse. É uma forma de garantir que nenhum bem ficará escasso – o que impede outras idas ao mercado – e também evitar comprar quantidades além do necessário.

EVITAR COMPRAS INTERMEDIÁRIAS

O professor da FGV destacou que as idas rápidas ao mercado para compras pequenas podem levar a compras por impulso – justamente porque elas geralmente acontecem com um planejamento menor. “Tente se manter o mês todo – ou a maior parte do mês, se possível – dentro do planejamento”, afirmou.

LISTA

Antes de ir ao mercado, Teixeira recomenda não apenas fazer uma lista de produtos, mas também, a depender de seu orçamento, tentar enxugá-la. O professor da FGV diz que, idealmente, a lista pode ser reduzida em 10% – o que pode fazer diferença no valor final. Ele também recomenda seguir a lista com disciplina dentro da loja.

PESQUISA

Também antes de ir ao supermercado, Teixeira sugere pesquisar preços praticados por diferentes marcas e também em diferentes lojas. Ele recomenda atenção especial às quantidades contidas nas embalagens de cada uma das marcas, para evitar volumes menores oferecidos a preços iguais. Essa etapa de pesquisa pode ser feita em uma tabela simples, seja no computador, no celular ou até mesmo em papel.

COMPARAÇÃO

Uma vez dentro do mercado, não basta seguir a lista, de acordo com o professor da FGV. É recomendável tomar seu tempo para comparar preços nas prateleiras e escolher o produto que melhor se encaixa nos seus critérios de preço e qualidade. Essa comparação deve ser feita também levando em conta as pesquisas feitas anteriormente.

ATACADO

Teixeira também afirmou ao Nexo que as compras coletivas em atacado “acabam sendo uma ótimas opções”. Ele alerta, no entanto, que essas compras precisam ser bem organizadas. É preciso garantir que não haverá erros nas quantidades adquiridas, que os esquemas de ida ao mercado estejam bem combinados e que os custos envolvidos – como os de transporte – sejam devidamente contabilizados.

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