Como o fator inflação apareceu em outros anos eleitorais
Marcelo Roubicek
08 de abril de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h44)IPCA sobe 1,62% em março, pior número para o mês desde o Plano Real. Enquanto preços se colocam como tema central da corrida presidencial de 2022, o ‘Nexo’ relembra como eles afetaram pleitos anteriores
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Feira de rua no Rio de Janeiro
A inflação de março de 2022 foi de 1,62% a maior para o mês em 28 anos. Desde o Plano Real , que controlou a hiperinflação no país, os preços não subiam tanto em março. Foi também o pior mês de variação de preços no Brasil desde janeiro de 2003 (2,25%).
Em 12 meses, os preços subiram 11,3% no país até março de 2022 – maior número desde o segundo semestre de 2003. A inflação já se coloca como um dos temas principais das eleições de outubro. O presidente Jair Bolsonaro (PL) tenta agir para conter preços – trocou, por exemplo, no comando da Petrobras após um mega aumento de combustíveis em março.
Não foi sempre que a inflação se fez presente como fator relevante nas corridas presidenciais brasileiras desde o Plano Real. Mas houve anos eleitorais em que o tema dos preços apareceu com força, direta ou indiretamente. Neste texto, o Nexo relembra quando a inflação foi importante e por que.
Em 1989, primeira eleição direta para presidente depois do fim da ditadura militar (1964 a 1985), o Brasil estava dominado pela hiperinflação. Os preços aumentavam a mais de 1.000% ao ano.
Naquele ano, o então presidente José Sarney lançou o Plano Verão, em mais uma tentativa de reduzir a alta de preços. Assim como os antecessores Cruzado (1986) e Bresser (1987), o Verão não conseguiu resolver o problema.
Estava claro que domar o “ dragão da inflação ” seria o principal desafio do primeiro mandatário depois da redemocratização. Na campanha presidencial de 1989, o combate à inflação foi um dos temas centrais de debates e propostas de diferentes candidatos.
O vencedor da eleição foi Fernando Collor de Mello , em segundo turno. Ele assumiu o poder em março de 1990. No dia depois de receber a faixa presidencial, Collor anunciou seu plano para conter a hiperinflação, chamado, então, de Plano Brasil Novo –, conhecido posteriormente como Plano Collor 1 . A principal medida do plano foi o chamado confisco da poupança que você pode relembrar neste texto do Nexo .
Collor em ato de campanha nas eleições de 1989
O plano não teve sucesso na missão. Tampouco a segunda tentativa de Collor para “domar o dragão” – o chamado Plano Collor 2 , apresentado em janeiro de 1991 – conseguiu conter o aumento dos preços.
Acusações de corrupção se somaram ao fracasso econômico e ajudaram a derrubar Collor da Presidência da República em 1992. Após o insucesso sob Collor, 1994 – ano eleitoral – acabou sendo o ano que marcou, finalmente, o controle da hiperinflação no Brasil.
Em maio de 1993, o então presidente Itamar Franco nomeou o sociólogo Fernando Henrique Cardoso (FHC) para o Ministério da Fazenda. Itamar tentava seu quarto ministro da Fazenda em sete meses. FHC foi o responsável por montar a equipe que desenharia a política para tentar acabar com a inflação – o grupo contou com nomes como André Lara Resende, Pérsio Arida, Gustavo Franco, Pedro Malan e Edmar Bacha.
A primeira fase do Plano Real aconteceu ainda em 1993 , mas as etapas mais críticas foram executadas em 1994. O plano se baseou em uma combinação de medidas, que incluíam o ajuste das contas públicas, a troca de moeda – do cruzeiro real para o real – e o atrelamento do real ao dólar. A transição de moeda foi feita usando a URV (unidade real de valor), moeda virtual criada antes da circulação do real para evitar a transmissão da inflação.
As cédulas e moedas de real começaram a circular em 1° de julho de 1994. Os resultados foram rápidos, como mostra o gráfico abaixo.
Além de controlar a inflação, o Plano Real também influenciou o resultado das eleições presidenciais. O sucesso do Real foi o pilar da campanha de FHC, que capitalizou sobre a estabilização econômica.
Fernando Henrique foi eleito em primeiro turno, com 54,3% dos votos. O segundo colocado, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), teve 27% dos votos.
No governo de FHC, a manutenção da estabilidade de preços continuou sendo um dos principais desafios. No segundo mandato, iniciado em 1999, o Brasil abandonou o câmbio fixo em relação ao dólar e adotou o chamado tripé macroeconômico , com as seguintes bases: câmbio flutuante, metas de superávit fiscal (saldo positivo na diferença entre arrecadação e gastos do governo) e regime de metas de inflação.
Depois de dois mandatos, as pesquisas mostravam que o favorito para suceder Fernando Henrique era justamente Lula, que fora derrotado pelo tucano em 1994 e 1998.
Nas tentativas anteriores de chegar ao Planalto, Lula já havia sido alvo de desconfiança de agentes de mercado, que temiam que um governo de esquerda implementasse uma política intervencionista sobre a economia. No primeiro turno das eleições de 1989, Mario Amato, então presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), chegou a dizer que haveria uma fuga de investimentos em caso de vitória de Lula.
Em 2002, o fato de que Lula liderava as pesquisas contra José Serra (PSDB) fez com que as desconfianças fossem renovadas. Investidores brasileiros e estrangeiros temiam que a política de um presidente alinhado à esquerda comprometesse a estabilidade econômica alcançada após o Plano Real.
O momento foi de especulação e volatilidade. O câmbio disparou , refletindo a insegurança dos agentes diante do “risco Lula”.
A inflação cresceu com força, em boa parte por causa do dólar alto , diante das especulações do mercado. Os preços aumentaram dois dígitos pela primeira vez desde 1995. Entre os produtos que mais subiram, estavam a conta de luz (o setor elétrico ainda se recuperava da grave crise de 2001 ), o botijão de gás e alimentos .
12,53%
foi a inflação de 2002, medida pelo IPCA
Em junho de 2002, Lula publicou a “ Carta ao Povo Brasileiro ”, se comprometendo a manter as bases econômicas do governo de Fernando Henrique Cardoso.
Mesmo assim, o “risco Lula” continuou a ser explorado pelos tucanos. Na campanha de TV de Serra, a atriz Regina Duarte apareceu dizendo que estava com “medo” de o país perder a estabilidade em caso de vitória do petista. Lula venceu as eleições em segundo turno, com 61% dos votos, cunhando a frase: “ esperança venceu o medo ”.
Após a troca de poder, a inflação continuou subindo até maio de 2003, quando chegou a 17,24% acumulado em 12 meses. Com Antonio Palocci no comando do Ministério da Fazenda, Lula adotou políticas econômicas ortodoxas, como aumento de juros e redução da dívida pública . A inflação cedeu no segundo semestre de 2003 e fechou o ano em 9,30%.
Nas eleições de 2006 e 2010, o bom momento da economia ajudou a eleger os petistas Lula e Dilma Rousseff. Em 2014, não era esse o caso.
No ano da tentativa da reeleição de Dilma, o Brasil entrou em recessão , segundo os critérios do Codace – Comitê de Datação de Ciclos Econômicos, ligado à FGV (Fundação Getulio Vargas).
O ciclo de commodities que havia ajudado a impulsionar a economia brasileira entre o início da década de 2000 e o início da década de 2010 havia perdido força. Alguns economistas dizem que a Lava Jato, que investigou escândalos de corrupção na gestão pública e em estatais brasileiras, afetou a atividade econômica ao atingir a construção civil e a indústria. Além disso, as contas públicas estavam em deterioração – algo atribuído por boa parte dos economistas a erros de política econômica de Dilma.
A inflação também dava sinais de aumento em 2014. Para impedir um avanço inflacionário significativo no ano eleitoral, o governo Dilma implementou um represamento de preços administrados – ou seja, aqueles regulados e monitorados pelo governo.
Então afastada, ex-presidente Dilma Rousseff faz sua defesa durante sessão de julgamento do impeachment no Senado
Uma dessas frentes de represamento ocorreu na conta de luz. Em 2014, o nível dos principais reservatórios do país ficaram nos patamares mais baixos em mais de dez anos. A estiagem somou-se a outros fatores , como o atraso em obras no setor elétrico e uma medida do governo Dilma para reduzir artificialmente a tarifa elétrica, publicada em 2012. O consumo de energia estava em alta, mas a capacidade de produção não conseguia acompanhar. Usinas termelétricas foram acionadas, encarecendo a produção. O governo optou por não repassar imediatamente à população os aumentos de custos e a tarifa ficou represada.
Além disso, Dilma manteve a política de segurar artificialmente os preços de combustíveis como forma de conter a inflação e incentivar a economia. Isso gerou prejuízos bilionários para o caixa da Petrobras.
Tanto os preços de combustíveis como de energia elétrica ficaram represados durante as eleições, vencidas por Dilma em um segundo turno apertado contra Aécio Neves (PSDB). Em 2015 , os preços foram foi liberados , o que ajudou a empurrar a inflação para o maior nível desde 2002.
No segundo mandato, ao mesmo tempo que via a crise econômica se aprofundar e a situação fiscal piorar, Dilma perdeu apoio político no Congresso. A resistência de agentes do mercado financeiro ajudou a elevar a percepção de baixa credibilidade da política econômica. Ela sofreu impeachment em 2016 acusada de manobras fiscais, sendo sucedida pelo vice Michel Temer (2016 a 2018).
O ano de 2018 não foi exatamente um ano de inflação alta. A variação de 3,75% nos preços é, aliás, uma das mais baixas no Brasil desde o Plano Real.
Ainda assim, a preocupação com preços apareceu em um episódio importante do ano eleitoral. Nos primeiros meses de 2018, o petróleo estava em disparada nos mercados internacionais, expondo a política de preços adotada no final de 2016 pela Petrobras, de acompanhar os movimentos do barril no exterior. A estatal também permitia reajustes frequentes dos preços de combustíveis, com possibilidade de mudanças diárias nas refinarias.
Em maio de 2018, com o preço do barril subindo e o real desvalorizado, os combustíveis também aumentaram significativamente. Em reação, caminhoneiros organizaram uma greve nacional que durou 10 dias . O movimento derrubou Pedro Parente do comando da Petrobras.
Caminhoneiros em greve fazem protesto em Curitiba
A paralisação nos transportes rodoviários levou a situações de desabastecimento pelo país. Houve registro de falta de alimentos, gás de cozinha e combustíveis. Em reação, os preços subiram com força – foi o pico da inflação naquele ano.
A ameaça de aumento de preços e de disrupção prolongada nas cadeias de suprimento preocupou a gestão de Temer. Para atender às reivindicações dos caminhoneiros, o governo federal interveio nos preços da Petrobras, reduzindo o preço do litro de diesel em R$ 0,46 por 60 dias . Depois desse período, o reajuste passaria a ser mensal , e não mais diário. Em 2019, o preço voltou a estar sujeito a mudanças diárias . Em 2022, não há frequência definida para os reajustes.
A greve dos caminhoneiros em 2018, marcada pela ameaça inflacionária, também serviu como demonstração da força política da categoria. Quem angariou apoio dela foi Jair Bolsonaro , vencedor do pleito presidencial de outubro daquele ano.
Ainda não é possível saber como será a situação dos preços em outubro de 2022, quando a corrida presidencial será definida. Mas os primeiros meses do ano foram marcados pela persistência do avanço de preços herdado de 2021.
Em março, a inflação ficou em 11,3% no acumulado em 12 meses, bem acima das expectativas entre agentes de mercado. As principais pressões vieram de alimentos – influenciados pelo excesso de chuvas e pela guerra na Ucrânia – e de combustíveis, que passaram por mega aumento pela Petrobras em 10 de março.
Os combustíveis estão subindo na esteira da disparada dos preços internacionais de petróleo. A Petrobras segue acompanhando os movimentos do barril no mercado externo.
Bolsonaro participa de evento no Palácio do Planalto, em Brasília
Para tentar aliviar a situação dos preços no país, Bolsonaro já anunciou medidas como redução de impostos de diferentes produtos – desde alimentos até combustíveis. Além disso, o presidente demitiu o general da reserva Joaquim Silva e Luna do comando executivo da Petrobras.
Após uma aposta curta e mal sucedida em Adriano Pires, o governo indicou José Mauro Ferreira Coelho para ocupar o posto. A troca na presidência da Petrobras ocorreu poucos dias após o anúncio do mega aumento. Bolsonaro sustenta um discurso crítico à política de preços da empresa petrolífera.
Enquanto o presidente se movimenta para impedir aumentos mais fortes de preços, entre agentes de mercados, a expectativa é que a inflação perca força no segundo semestre. Fatores que podem frear os preços são o fim da cobrança extra na conta de luz, a queda do dólar (cuja duração é incerta) e os efeitos do ciclo de alta dos juros promovido pelo Banco Central.
Mas anos eleitorais costumam ser marcados por incerteza econômica, o que por vezes resulta em impulso inflacionário. Também há incerteza sobre a guerra na Ucrânia: se os conflitos persistirem por muito tempo, podem seguir pressionando os preços no Brasil.
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