Expresso

Como os cortes de orçamento de pesquisa científica afetam você

Cesar Gaglioni

13 de agosto de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h41)

Investimento federal na área caiu 60% entre 2014 e 2022. Impactos começam no mundo acadêmico mas atingem sociedade como um todo – e o seu cotidiano

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FOTO: CARLA CARNIEL/REUTERS – 18.05.2022

Em primeiro plano, uma mulher branca de cabelo castanho mexe numa ampola com líquido. Ao fundo, uma mulher negra de cabelo preto mexe num computador. Elas usam máscara, luvas e jaleco

Pesquisadoras analisam amostras no Instituto Butantan, em São Paulo

O orçamento público federal direcionado a pesquisas científicas caiu 60% entre 2014 e 2022, de acordo com dados do Observatório do Conhecimento. Os cortes começaram no início da crise econômica do governo de Dilma Rousseff, e continuaram nas administrações dos presidentes Michel Temer e Jair Bolsonaro.

Justificadas pela necessidade de ajustes fiscais, as reduções de investimento na ciência brasileira resultam num cenário de desmonte, segundo pesquisadores.

Os efeitos imediatos podem parecer contidos à academia e universidades, com interrupções de pesquisas e perda de bolsas.Mas esse é um quadro com impactos diretos na sociedade, desde uma economia do conhecimento enfraquecida à falta de descobertas científicas que podem trazer soluções práticas para o dia a dia.

Neste texto, o Nexo explica como os cortes de orçamento de pesquisas também afetam você.

O investimento em pesquisa no Brasil

Em 2014, ano final do primeiro mandato de Dilma, o investimento em pesquisa foi de R$ 27,8 bilhões. Já em 2021, no terceiro ano do governo Bolsonaro, ele era de R$ 10,5 bilhões – ou 38% do que era antes. Se somados, os cortes totais entre 2014 e 2022 chegam a aproximadamente R$ 100 bilhões. Os valores foram calculados pelo Observatório do Conhecimento, e levam em conta volumes do Orçamento federal destinado a ministérios e outros órgãos ligados à pesquisa e produção de conhecimento.

O CNPq, o Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico, ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, teve uma queda de 49,7% no valor orçamentário.

O ORÇAMENTO DO CNPq

Orçamento do CNPQ

Também houve queda na Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), ligada ao Ministério da Educação. O corte foi de 42,6% entre 2014 e 2021.

Capes e CNPq são os dois principais órgãos públicos que financiam pesquisas e oferecem as bolsas pagas aos pesquisadores. Os cortes significam que menos bolsas estarão disponíveis e, consequentemente, menos pesquisas serão realizadas.

Em 2022, o cenário que se desenha também é de incertezas e cortes. Em 30 de maio, o governo publicou um decreto alterando a programação orçamentária e financeira do ano, bloqueando o repasse de R$ 8,2 bilhões para diversas áreas, como forma de respeitar o teto de gastos . O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação estava autorizado a empenhar R$ 6,8 bilhões, mas poderá usar somente R$ 5,01 bilhões.

Os principais impactos dos cortes

Áreas de ciência, inovação e tecnologia têm sido alvo de uma “ operação desmonte ”, na expressão de Luis Fernandes, professor da PUC-Rio e da UFRJ, em ensaio especial publicado no Nexo em janeiro de 2020.

O quadro pode se agravar ainda mais com os cortes atuais por afetar o desenvolvimento científico em tempos de recuperação da pandemia de covid-19 e de incertezas no cenário internacional. Uma reversão do cenário depende de disposição política de gestores públicos comprometidos com a ciência.

“O sistema de universidades públicas do Brasil é relativamente jovem e de absoluto sucesso, apesar das dificuldades e dos problemas financeiros. Temos um sistema de educação superior que é liderança na América Latina. É no setor público de educação superior que as pesquisas estão concentradas no país”, destacou o físico Marcelo Knobel, ex-reitor da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), ao Nexo . Cortar o investimento público, logo, atinge diretamente o potencial científico do país, já que a iniciativa privada representa um percentual pequeno dos aportes financeiros na área.

Ao Nexo , a professora de sociologia da USP, Maria Arminda do Nascimento Arruda disse que os cortes na ciência e nas universidades criam efeitos negativos no curto e no longo prazo . No curto prazo, há o problema da redução do acesso à pesquisa. No longo prazo, a professora da USP citou a possibilidade de elitização das universidades públicas e fuga de cérebros.

O conceito de fuga de cérebros se refere ao êxodo de profissionais de alto nível educacional, motivados pela busca de melhores condições de trabalho no exterior. “Um hiato de investimento desincentiva o pesquisador. Sem empresas e universidades que absorvam esse profissional, ele vai embora do Brasil”, comentou Hernan Chaimovitch, ex-presidente do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), à rádio Jornal da USP no Ar, em março de 2019.

As pesquisas e você

Embora o impacto mais imediato de cortes na ciência seja para a vida acadêmica das universidades e dos pesquisadores, a redução de investimento em produção científica tem efeitos que chegam na sua vida cotidiana.

Foram verbas públicas, por exemplo, que possibilitaram o mapeamento do genoma do coronavírus causador da covid-19 em 48 horas após o primeiro caso confirmado no Brasil, em fevereiro de 2020. Esse mapeamento foi fundamental para entender o vírus, fundamentar a pesquisa de vacinas e traçar políticas de contenção de danos.

As pesquisas de vacinas para a covid-19 são apenas um exemplo. Os cortes podem afetar o estudo de imunizantes contra outras doenças, como a varíola dos macacos.

Mas os impactos vão além da resposta a cenários catastróficos como uma pandemia. Foram verbas públicas nos EUA que possibilitaram a criação do sistema de GPS, usado diariamente por todos que têm um celular; de TVs de LED e também da internet, meio no qual você está lendo o Nexo nesse instante.

O corte de verbas reduz a perspectiva de o Brasil produzir inovações em diferentes áreas – ou fará esses avanços demorarem muito mais. O investimento em pesquisas, por outro lado, contribui para a diversificação da economia, para melhoras nas condições socioeconômicas do país, para o surgimento de tecnologia de ponta e para o aumento do conhecimento humano como um todo.

“Ciência é o cerne da humanidade. É o que nos dá todos os confortos e praticidade da vida moderna: casa, comida, água, energia, comunicação, saúde, transporte e o poder de viver vidas longas e saudáveis”, disse Alicia Kowaltowski, professora do Instituto de Química da USP e colunista do Nexo , ao jornal.

“Sem ciência própria, um país empobrece, e é exatamente isso que estamos vivendo. Estamos perdendo jovens cientistas em potencial, nossos estudantes mais inteligentes, pois não há investimento em sua formação. Estamos perdendo cientistas já formados pois não há oportunidades boas para trabalhar aqui. E com isso, o Brasil emburrece e empobrece, pois ciência é o investimento que mais rende economicamente.”

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