Expresso

Deepfake e edição: o fator vídeo na desinformação eleitoral

Isabela Cruz

24 de agosto de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h42)

Acesso mais fácil à manipulação de imagem e áudio amplia risco de disseminação de fake news na campanha. Especialistas falam ao ‘Nexo’ qual pode ser o impacto na disputa e como se proteger de mentiras 

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FOTO: MAURICIO SANTANA/GETTY IMAGES SOUTH AMERICA – 26.OUT.2018

Pessoas sentadas mexem em seus celulares

Pessoas usando seus smartphones

As eleições de 2022 serão as primeiras da história brasileira em que o acesso à tecnologia de deepfake – que manipula imagens e vozes por meio da inteligência artificial – está amplamente disponível, ainda que o resultado final seja de baixa qualidade na maioria das vezes.

O tema ficou em alta recentemente, com a circulação na internet de um vídeo manipulado em que a jornalista Renata Vasconcellos, apresentadora do Jornal Nacional da Rede Globo, aparecia dizendo que o presidente Jair Bolsonaro é o favorito nas intenções de voto segundo o Instituto Datafolha. Isso não é verdade e tampouco foi dito por ela.

Nesse caso, a desinformação foi resultado de cortes e edição na imagem e no áudio do Jornal Nacional, sem uso de inteligência artificial – o que recebe o nome de shallowfake ou cheapfake . Ainda assim, o episódio chamou atenção para o fato de que, mesmo vendo, o eleitor não pode crer em tudo o que recebe pelas redes sociais.

Neste texto, o Nexo traz quatro pontos importantes sobre o deepfake e outros tipos de manipulação em vídeo no contexto eleitoral , incluindo dicas para o eleitor não cair em mentiras.

As fake news como reforço ideológico

Independentemente de serem verdadeiras, falsas ou deepfake, notícias dificilmente convertem drasticamente a vontade do eleitor, que é muito mais determinada por fatores como afetos, identidades e convicções ideológicas. Foi o que disse ao Nexo a cientista política Nara Pavão, professora da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco).

Segundo Pavão, num contexto em que a exposição a notícias é seletiva, a depender de configurações e algoritmos das redes sociais de cada um, o eleitorado se vê imerso cada vez mais num fenômeno conhecido como racionalidade motivada. Isto é, os eleitores consomem apenas informações que confirmam o que eles já pensam e, quando se deparam com informações que contrariem essas crenças, eles as descartam.

“No contexto dos Estados Unidos, por exemplo, grande parte das pessoas têm um partidarismo muito forte e portanto já são muito motivadas a votar de um jeito ou de outro. No caso do Brasil, o partidarismo é mais fraco do que nos Estados, mas aqui também a crença [nas informações recebidas] é amplamente determinada pela orientação política”, afirmou Pavão, que conduziu em 2018 um estudo com mais de 7.000 participantes sobre o impacto eleitoral de notícias falsas no Brasil .

Pavão estima que os efeitos eleitorais de manipulações em vídeo sejam os mesmos em relação ao que já se sabe sobre fake news: “as deepfake não devem mudar muito essa lógica inerente ao consumo atual de informação, que não tem a ver com o tipo de informação, mas com o consumo em geral”.

O potencial de mobilização

Pavão afirma, em contrapartida, que as notícias falsas podem servir para outras finalidades além da persuasão. “O barulho que se faz, a visibilidade que se ganha, o quanto você agrega as pessoas para trabalharem na sua campanha: estamos estudando esse impacto sobre a mobilização eleitoral”, afirmou ela. Ou seja, a informação pode impulsionar alguém a colocar uma bandeira no carro ou a vestir a blusa de algum candidato, por exemplo.

Carlos Affonso Pereira de Souza, diretor do ITS Rio (Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio) e professor da faculdade de direito da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), destaca que o deepfake pode ser usado para simular candidatos em situações tanto prejudiciais quanto favoráveis à sua candidatura. “Na eleição da Índia, vimos candidatos que não falam determinado dialeto, e em deepfake aparece falando uma língua que eles não falam”, afirmou ao Nexo .

Para o Brasil, ele vê chances de a tecnologia impactar as eleições, a depender do conteúdo divulgado e do momento de sua exibição nas redes sociais. “Imagine um vídeo em que Ciro desiste de se candidatar em prol da candidatura de Lula: taí um deepfake que poderia causar uma reviravolta nas eleições”, disse Souza.

Além disso, o deepfake também pode ser usado em campanhas com menos visibilidade, como as de deputados estaduais e governadores, o que diminui as chances de o material ser desmentido de forma apropriada. O uso da tecnologia não exige grandes investimentos e pode ser feito por meio de aplicativos. “Vivemos hoje um momento em que o deepfake saiu do atacado e foi para o varejo”, disse.

O desafio da desinformação em vídeo

Para Souza, do ITS, o episódio em que caminhoneiros, em setembro de 2018, pensaram que um áudio de fato gravado por Bolsonaro era falso revela que já existe “uma premissa de uma desconfiança sobre aquilo que se recebe através da internet”.

Souza afirma, no entanto, que ainda falta “treinamento” do eleitorado em relação aos materiais em vídeo. “Estamos mais treinados para desconfiar de um áudio como sendo um áudio feito por um humorista, ou um farsante, mas ainda não estamos treinados a desconfiar do vídeo”, disse.

“Ao contrário, o vídeo é, em grande parte das vezes, a comprovação cabal de que algo aconteceu, o que faz da deepfake que se apresenta em vídeo mais convincente”

Carlos Affonso de Souza

diretor do ITS e professor da Uerj, ao Nexo

Souza atribui essa dificuldade de reconhecer um vídeo como falso, entre outros fatores, ao fato de que muitos eleitores restringem suas fontes de informação às redes sociais.

“Para pessoas que se acostumaram a se informar somente a partir de redes sociais e aplicativos de mensagem, onde também circulam conteúdos humorísticos, memes, imitações, às vezes pode ser difícil saber diferenciar o que é um conteúdo humorístico, por exemplo, de um conteúdo verdadeiro”, afirmou ele.

Como identificar a mentira

Para Pavão, o deepfake impõe novos desafios tanto a agências de checagem quanto aos próprios eleitores, já que a cartilha de “inoculação” contra conteúdos falsos mas sem distorção audiovisual não dá conta de desmascarar esse tipo de mentira.

“Estudos sobre fake news até então mostravam que as notícias falsas têm certas características típicas, como um tom muito inflado, a tentativa de imitar de forma grotesca as notícias verdadeiras, a falta de fonte, o uso de muitas exclamações”, afirmou Pavão. O deepfake, por outro lado, é uma modalidade mais sofisticada de desinformação e, portanto, muito menos “detectável”.

No deepfake, recursos de inteligência artificial reproduzem movimentos e vozes, simulando um registro de falas e comportamentos por parte de alguém que nunca aconteceram. Trata-se de algo mais sofisticado do que, por exemplo, o vídeo falso da jornalista Renata Vasconcellos. Nele, a manipulação se dá por mera edição com cortes do vídeo original, sem inserção de um material criado por computador.

Mas já há orientações que podem auxiliar eleitores a identificarem o uso de deepfake . O site Tilt UOL, por exemplo, elencou as seguintes:

  • Reparar em movimentos esquisitos
  • Notar se o tamanho do rosto está proporcional ao resto do corpo
  • Perceber se há sincronia entre a fala e os movimentos dos lábios
  • Saber que vídeos com imagens de baixa qualidade enganam com mais facilidade
  • Assistir a vídeos no modo tela cheia , o que facilita a percepção de adulterações
  • Pesquisar se a informação recebida foi publicada por veículos de imprensa confiáveis

“É bom lembrar que, se de um lado temos a popularização do deepfake, em grande parte das vezes ele não é exatamente perfeito”, afirmou Souza, do ITS. Ele acrescenta outros pontos que podem revelar se tratar de algo falso num vídeo:

  • Prestar atenção se o movimento do olhar está coerente com o que a pessoa fala e com a interação que ela está tendo com outras pessoas, porque isso é mais difícil de manipular digitalmente
  • Observar se não há algo estranho com a textura da pele
  • Comparar a definição do rosto com outras partes do corpo

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