FOTO: ENRIQUE CASTRO-MENDIVIL/REUTERS – 04.DEZ.2014

Estudo publicado na revista Agriculture, Ecosystem & Environment em maio de 2023 por pesquisadores de dentro e fora do Brasil analisou o uso do chamado biocarvão para o manejo de pastagens e identificou que, junto com outros melhoradores, o material aumentou a qualidade e a produtividade do solo analisado.

Usadas para alimentar o gado, as pastagens representam a maior parte das terras convertidas (desmatadas) do mundo. Melhorar seu manejo pode tornar a produção de alimentos mais sustentável e promover ganhos de biodiversidade , regulação de água e sequestro de carbono , segundo a pesquisa.

Neste texto, o Nexo explica o que é o biocarvão, quais são seus usos e qual o seu potencial no combate à mudança climática . Mostra também quais são suas limitações e por que ele ainda não é usado em larga escala no manejo de pastagens no Brasil.

O que é o biocarvão

O biocarvão é um tipo de carvão voltado para o uso agrícola . Tem origem no processo de carbonização de material orgânico. “Biochar”, termo pelo qual o material também é conhecido, é a união das palavras em inglês “biomass” (biomassa, ou matéria orgânica) e “charcoal” (carvão).

O biochar é produzido a partir de um processo específico: a pirólise . Trata-se da carbonização controlada da biomassa vegetal, sem a presença de oxigênio (como ocorre na queima comum). Para realizá-la, é preciso picar a matéria-prima — que pode ser madeira, hastes, folhas, restos animais, resíduos industriais etc. — e aquecê-la num forno em temperaturas baixas, até 800°C.

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Esse processo leva à perda de água e de outros elementos (como oxigênio, nitrogênio e hidrogênio) da biomassa. O produto absorve, por outro lado, uma grande quantidade de carbono. Combinados, os dois fenômenos levam à condensação das estruturas carbônicas do material, que dão a ele estabilidade e resistência à degradação.

Publicação de 2019 da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) afirma que a produção de biocarvão começou na virada do século 21, quando pesquisadores estudaram as chamadas Terras Pretas do Índio , na Amazônia. Esse solo sempre chamou a atenção pela alta fertilidade. Os estudos concluíram que ela se devia à concentração na terra de carbono pirogênico, um produto da ação do fogo sobre a biomassa.

Quais são seus usos

O biocarvão pode ser usado na agricultura, no pasto para alimentação animal e no cultivo de outras plantas. Pesquisadores consideram um de seus principais benefícios a melhoria da qualidade do solo. Por ter uma estrutura porosa e grande área de superfície, o material funciona como uma esponja, que absorve água e nutrientes e beneficia os cultivos.

“O mercado global de biocarvão é grande. Dependendo da prioridade de cada país, ele tem vários usos”, disse ao Nexo Agnieszka Latawiec, professora do Departamento de Geografia e Meio Ambiente da PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro), fundadora do Instituto Internacional para Sustentabilidade e uma das autoras do estudo de maio naAgriculture, Ecosystem & Environment.

FOTO: RAHEL PATRASSO/REUTERS – 08.ABR.2020

Estão entre os impactos de seu uso o aumento da produtividade agrícola e a restauração do solo, segundo o estudo publicado em maio naAgriculture, Ecosystem & Environment. Outro efeito da aplicação do produto na produção rural é a economia de água. O biochar combate ainda algumas doenças causadas por fungos, o que reduz o uso de fungicidas e inseticidas.

Outro benefício do biocarvão é o armazenamento no solo de carbono, elemento que compõe o principal gás de efeito estufa (o dióxido de carbono) que causa a mudança climática. Removendo-o da atmosfera, o produto contribui para mitigar a crise ambiental. Diferentemente de outras fontes que sequestram carbono (como as florestas, que podem liberá-lo caso sejam queimadas), o biochar fica no solo e não se decompõe.

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tonelada de biochar equivale a 2,5 toneladas de dióxido de carbono compensadas, segundo reportagem em vídeo da emissora DW Brasil

Países de clima temperado difundiram o uso do biocarvão. Na Alemanha, a produção do material tem como matéria-prima o lixo urbano, por exemplo. Apesar disso, o biochar também pode ser benéfico para a agricultura de regiões tropicais, onde os solos costumam ser ácidos e pobres em nutrientes .

Quais são suas limitações

Ainda não há produção em nível comercial de biocarvão no Brasil. Diferentes motivos explicam isso. Segundo Latawiec, os custos da produção são altos, a tecnologia para a pirólise ainda é importada e as evidências sobre os benefícios econômicos do produto apareceram apenas nos últimos anos.

“O biochar ficou ‘na moda’ há dez anos. Teve um boom na pesquisa, inclusive no Brasil, mas no mercado não aconteceu o mesmo. Houve vários experimentos para produzir biochar no Brasil, mas em escala menor”, disse. “Agora, tanto as tecnologias quanto o entendimento sobre as possibilidades do biochar aumentaram.”

US$ 1.300

é quanto pode custar uma tonelada de biochar, segundo reportagem em vídeo da emissora DW Brasil

Para ela, os estímulos para a produção de biochar podem vir tanto das políticas públicas quanto do setor privado, que pode ver no produto uma oportunidade para se inserir no mercado de carbono . O mercado de carbono é uma forma de precificar o lançamento de gases que geram o efeito estufa. O mecanismo busca transformar a absorção de carbono (feita pelo uso do biochar) em uma commodity.

Latawiec disse, no entanto, que o biochar não é para todo mundo. “Não funciona para todos os solos. Depende do contexto. Se você tem um solo com muita areia, com alta acidez, que pode comprometer a produtividade, o biochar pode ajudar. Mas o produtor tem que conhecer sua área muito bem. Jogar biochar em todos os plantios não é a solução.”

ESTAVA ERRADO : A primeira versão deste texto dizia que o estudo sobre biocarvão publicado em maio estava na revista Nature. Na verdade, ele foi publicado na revistaAgriculture, Ecosystem & Environment. O texto foi corrigido às 15h15 de 7 de julho de 2023.