Expresso

Como IA e redes sociais podem ajudar a preservar corais

Mariana Vick

06 de novembro de 2023(atualizado 28/12/2023 às 22h12)

Ferramenta desenvolvida por pesquisadores busca ser alternativa mais ágil e barata para monitoramento de espécies marinhas. Recifes estão entre ecossistemas mais ameaçados pela mudança climática

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FOTO: JONAS GRATZER/LIGHTROCKET/GETTY IMAGES – 10.OUT.2019

Tartaruga nada no fundo do mar. Embaixo dela, veem-se corais.

Tartaruga-verde nada sobre corais em mar na Austrália

Estudo publicado nesta segunda-feira (6) por pesquisadores da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte) e da UFPR (Universidade Federal do Paraná) na revista científica Peer J. mostra que é possível monitorar corais por meio de imagens publicadas nas redes sociais, lidas por ferramentas de inteligência artificial inspiradas no cérebro humano.

Focada numa das espécies marinhas mais ameaçadas pela mudança climática, a pesquisa busca viabilizar uma alternativa ao monitoramento tradicional dos corais brasileiros. Acompanhar esses animais hoje é uma atividade cara e demorada. O objetivo é que a ferramenta desenvolvida pelos autores do estudo seja uma aliada na conservação desses organismos.

Neste texto, o Nexo explica o que são os corais, qual é sua importância e quais são as atuais ameaças a eles, do ponto de vista ambiental. Mostra também como foi feita a pesquisa que busca monitorá-los e quais são os próximos passos desse trabalho, segundo os autores do estudo.

O que são corais

Corais são animais marinhos invertebrados, ou seja, sem espinha dorsal. Pertencem ao grupo dos cnidários, o mesmo das anêmonas e águas-vivas. Têm a capacidade de formar por baixo de seus tecidos um esqueleto calcário, que dá a eles uma aparência similar à de pedras, além de fazê-los permanecer fixos no mesmo lugar.

Para sobreviver, os corais se aliam a algas, que vivem dentro de sua estrutura. Elas usam o animal para se proteger e obter nutrientes. Em contrapartida, produzem, por meio da fotossíntese, um açúcar chamado glicerol, que, quando sintetizado em excesso, torna-se a principal fonte de alimento dos organismos que as hospedam.

FOTO: TOM BAYLY/WIKIMEDIA COMMONS – 02/06/2011

Imagem de peixes marinhos com corais ao fundo. Existem cinco peixes na imagem: um grande e amarelo brilhante, um azul brilhante com nadadeira amarela e outros três em azul fosco. Eles estão em pontos distintos da imagem. Ao fundo, uma série de corais coloridos

Imagem de peixes marinhos com corais ao fundo

Guilherme Longo, professor, chefe do Departamento de Oceanografia e Limnologia da UFRN e um dos autores da pesquisa publicada nesta segunda (6), define os corais como organismos construtores, que favorecem a ocorrência de diversos outros. “Assim como as árvores dão estrutura e complexidade tridimensional às florestas, os corais têm papel similar nos recifes”, disse ao Nexo .

Esses organismos estão cada vez mais ameaçados pela poluição e pelo aquecimento dos oceanos. Mudanças nas características físicas das águas (como o aumento das temperaturas ou da presença de gás carbônico) podem estressá-los e levar à expulsão de suas algas, causando o chamado embranquecimento . Sem fonte de alimento, eles podem morrer.

“Perder corais significa perder não apenas o organismo ou essas espécies, mas a capacidade que eles têm de agregar outros organismos”

Guilherme Longo

professor adjunto e chefe do Departamento de Oceanografia e Limnologia da UFRN, em entrevista ao Nexo

O que o estudo propõe

Monitorar corais é importante para acompanhar e reverter possíveis processos de degradação. O Brasil, no entanto, é um país com quase 8.000 km de costa, que conta com essas espécies desde a foz do rio Amazonas, no Norte, até o Sul, e “monitorar uma extensão tão grande sem estabelecer uma rede de monitoramento é muito difícil, para não dizer proibitivo”, disse Longo.

Para tentar superar esse problema, o laboratório de ecologia marinha da UFRN desenvolveu um projeto chamado #DeOlhoNosCorais. Criada no Instagram, a iniciativa incentiva usuários da rede social a postar fotos de recifes de corais em suas contas. Atraindo um público amplo, o projeto busca o monitoramento em larga escala da costa, segundo o professor.

FOTO: KYODO/REUTERS – 13.OUT.2009

Registro aéreo do recife de corais próximo à base da marinha dos Estados Unidos na ilha de Okinawa, no Japão

Recife de corais próximo à base da marinha dos Estados Unidos na ilha de Okinawa, no Japão

A primeira etapa da pesquisa foi reunir essas fotos, que segundo Longo cobrem praticamente toda a costa brasileira. A segunda foi identificar nelas imagens que fossem realmente de corais. Depois de destacar manualmente as áreas das fotos que representavam a espécie, o grupo, liderado agora por pesquisadores da UFPR, treinou uma inteligência artificial, para que ela fizesse esse trabalho no futuro:

“Resgatamos as imagens compartilhadas no Instagram com a #DeOlhoNosCorais e fomos testando a IA, inserindo alguns desafios. Por exemplo: algumas fotos, além de corais, têm textos, ou pessoas, ou variações de iluminação, orientação. À medida que fomos expondo a IA a esses desafios, ela foi aprendendo e melhorando sua capacidade de identificar os corais automaticamente”

Guilherme Longo

professor adjunto e chefe do Departamento de Oceanografia e Limnologia da UFRN, em entrevista ao Nexo

A tecnologia usada foi a chamada rede neural , sistema de algoritmos que, tentando simular a atividade dos neurônios, estabelece redes de conexões que respondem a estímulos externos, aprendendo padrões após erros e acertos.

Depois do treinamento, os pesquisadores obtiveram indicações precisas sobre a presença ou ausência de corais nas fotografias — ou seja, no futuro não seria mais preciso fazer a análise manual dessas imagens: bastaria usar a IA, que automatizaria o processo. As conclusões indicam que o modelo pode ser apropriado para identificar não só corais, mas outros tipos de espécies.

A contribuição da ciência cidadã

Longo disse que o convite dos pesquisadores para que as pessoas publiquem fotos de corais em suas redes sociais é uma prática de ciência cidadã . Além de contribuir para o monitoramento, a medida envolve pessoas sem treinamento prévio no processo científico. “Isso reduz a distância entre ciência e sociedade”, afirmou.

“Compreender que a ciência é um processo e não apenas receber os resultados [da pesquisa científica] contribui para uma sociedade mais consciente e cidadã”, disse. Depois de identificar os corais nas imagens recebidas, os pesquisadores compartilham os resultados na página @deolhonoscorais no Instagram. “Para que as pessoas não só compartilhem fotos, mas entendam o porquê de estarem compartilhando.”

1.411

foi o número de fotos analisadas na amostra inicial, segundo o artigo publicado nesta segunda (6) na revista Peer J.

Iniciativas de ciência cidadã não são novas . É graças ao trabalho de amadores que dezenas de novos candidatos a exoplanetas são descobertos todos os dias, espécies animais são descritas e novos antibióticos podem ser testados. O movimento vem crescendo no Brasil nos últimos anos.

Além das imagens dos colaboradores, o perfil @deolhonoscorais compartilha conteúdos sobre biologia, ecologia e conservação de corais, para promover a divulgação científica. As postagens explicam, por exemplo, os conceitos de espécies endêmicas e de invasões biológicas . A página tinha 10.900 seguidores no Instagram na sexta (3).

Quais são os próximos passos

Longo afirma que a inteligência artificial desenvolvida pelo grupo tem diferentes possibilidades de aplicação. Os usos vão desde o processamento rápido de conjuntos de imagens obtidas por cidadãos cientistas até o monitoramento de mudanças nos ecossistemas em tempo real. “Identificar a chegada ou desaparecimento de uma espécie, por exemplo, pode se beneficiar de ferramentas como essa”, disse.

Apesar disso, há desafios. “Embora a gente tenha demonstrado que o modelo identifica bem os corais nas imagens, ainda não testamos sua habilidade de quantificar sua abundância ou determinar seu estado de saúde. Ambos devem ser possíveis, mas ainda demandam desenvolvimento e teste de novos modelos”, explicou.

FOTO: KYLE TAYLOR/CREATIVE COMMONS

Grande Barreira de Corais, na costa da Austrália

Grande Barreira de Corais, na costa da Austrália

Para isso, o grupo deve continuar incentivando as pessoas de fora a colaborar com a pesquisa. Um banco de imagens grande e diverso é necessário para fazer novos treinamentos com a inteligência artificial. Segundo o professor, há um potencial grande de ampliação dessa participação, dado o alto engajamento dos brasileiros nas redes sociais.

Outro objetivo da nova fase da pesquisa é integrar a ferramenta ao perfil @deolhonoscorais no Instagram, para que as pessoas que contribuam com imagens recebam instantaneamente uma resposta sobre qual espécie acabaram de fotografar. “Trabalhar de maneira multidisciplinar, com inteligência artificial, ciência de dados, ciência cidadã e conservação, é fundamental para ampliarmos a escala e o entendimento sobre esses desafios”, disse Longo.

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