Como o Brasil contribuiu para os estudos sobre evolução
Mariana Vick
23 de novembro de 2024(atualizado 25/11/2024 às 14h12)Livro mostra papel da biodiversidade e da produção científica do país para avanços em teoria encabeçada por Charles Darwin. O ‘Nexo’ conversou com um dos autores sobre as atuais agendas de pesquisa
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Tamanduá em área de floresta em Porto Velho (RO)
O Brasil tem papel importante nos estudos sobre o processo de evolução de espécies. Esse papel se dá de duas formas: pela biodiversidade brasileira, analisada em várias pesquisas sobre o tema, e pelos seus próprios cientistas, envolvidos em projetos que propõem avanços nesse conhecimento. Essa é uma das mensagens do livro “Evolução é fato”, lançado na terça-feira (19) pela Academia Brasileira de Ciências.
Escrito por 28 pesquisadores e disponível online, o livro busca explicar a origem e a evolução da vida em linguagem acessível. Temas como a formação da Terra, a evolução das células, a extinção dos dinossauros e a evolução humana estão entre os tratados no texto. O Brasil, com a maior biodiversidade do mundo, não poderia ficar de fora dessa história.
11%
da flora mundial está no Brasil; 11,3% dos mamíferos, 17,2% das aves e 23,2% dos peixes de água doce do mundo também habitam o país
Neste texto, o Nexo explica o que é a teoria da evolução, como o Brasil aparece na sua origem e como tem aparecido nos estudos que a têm corroborado desde então. Mostra também quais são as agendas atuais de pesquisa sobre o tema no país e qual é a importância de difundir os conhecimentos sobre a evolução.
A teoria da evolução estabelece as noções de transformação e elo entre os seres vivos. Todas as espécies existentes, de acordo com a teoria, vieram de um único ancestral comum, e suas diferenças se deram por transformações graduais geradas por acaso ao longo do tempo. A vida, nesse sentido, não é estática, mas dinâmica — ou seja, ela evolui.
O principal nome da teoria da evolução é o naturalista Charles Darwin (1809-1882), autor de “A origem das espécies”. Antes dele, cientistas como Jean-Baptiste de Lamarck já haviam defendido as ideias de transformação e parentesco entre os seres vivos. Foi o britânico, porém, o primeiro a comprovar o mecanismo que torna a evolução possível: a seleção natural.
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A teoria da evolução de Darwin mudou radicalmente o pensamento biológico. Em 1858, o naturalista a apresentou pela primeira vez à Linnean Society de Londres, ao lado de Alfred Russel Wallace. O jovem cientista havia chegado a conclusões muito parecidas com as de Darwin sobre a dinâmica das espécies na mesma época que o veterano.
Tanto Darwin quanto Wallace desenvolveram suas ideias a partir de observações feitas em viagens pelo mundo. De 1831 a 1836, Darwin participou da missão do chamado HMS Beagle, navio que passou pela África, América do Sul e Oceania para coleta de informações biológicas. Já Wallace começou sua vida de naturalista no Brasil — ele foi o primeiro europeu, por exemplo, a percorrer o rio Negro, no Amazonas.
Além de ter aparecido nas primeiras observações de Darwin e Wallace, o Brasil foi objeto de estudos de outros cientistas que, graças à biodiversidade e às paisagens brasileiras, contribuíram para o avanço do conhecimento sobre a evolução. Fritz Müller, naturalista alemão que imigrou para o Brasil em 1852, foi um deles. Ele foi um dos mais importantes cientistas a descrever a flora e a fauna brasileira no fim do século 19.
“Fritz Müller […] publicou o livro ‘Para Darwin’ em 1864. No volume, ele descreve seus estudos com crustáceos na Ilha de Santa Catarina (hoje Florianópolis), corroborando a evolução por seleção natural. Müller foi pioneiro em apresentar modelos matemáticos explicando a teoria da evolução. Por meio da troca de cartas, ele teve contato extenso com o próprio Darwin, que o chamou de o ‘príncipe dos observadores’”
Carlos Menck e Adalberto Luis Val
cientistas, no livro “Evolução é fato”, publicado pela Academia Brasileira de Ciências
Outro cientista estrangeiro com trabalhos no Brasil foi Peter Wilhelm Lund, considerado o pai da paleontologia e da arqueologia no país. Depois de ter imigrado para o Brasil em 1833, ele participou de escavações que revelaram fósseis de animais extintos e de humanos pré-históricos na região de Lagoa Santa (MG). Darwin citou os trabalhos em “A origem das espécies”.
“Lund descreveu com detalhes a fauna do Pleistoceno (época em que grande parte do planeta foi coberto por gelo)”, entre 2,5 milhões e 11 mil anos atrás, segundo o livro “Evolução é fato”. Entre os animais que registrou, está o tigre-dentes-de-sabre. Outro animal registrado foi a preguiça gigante, extinta há cerca de 10 mil anos.
De acordo com o livro “Evolução é fato”, um evento geológico marcante para a teoria da evolução foi o soerguimento da cordilheira dos Andes, “quando a conexão Atlântico-Pacífico vai, aos poucos, se desfazendo, e um ambiente com água doce e extensas áreas florestais começa a ser formado no norte da América do Sul”. Observando essa paisagem, que inclui o Brasil, o biogeógrafo alemão Jurgen Haffer propôs sua chamada teoria dos refúgios. Para ele, os fragmentos de floresta separados por áreas não florestadas serviram de refúgio a pássaros da Amazônia, resultando na diversificação biológica.
Junto com a biodiversidade, o Brasil contribuiu para o conhecimento sobre a evolução por meio de seus cientistas. Um deles foi o biólogo Crodowaldo Pavan, que nos anos 1950 descreveu o processo conhecido como amplificação gênica, segundo o livro “Evolução é fato”. Darwin não tinha conhecimentos de genética quando publicou “A origem das espécies”, mas a área se incorporou aos estudos de evolução a partir do século 20, explicando processos como o da seleção natural.
Pavan foi aluno do biólogo Theodosius Dobzhansky, que estudou o papel da genética nas populações e lecionou na USP (Universidade de São Paulo) nas décadas de 1940 e 1950. O ucraniano teve grande impacto na geração de cientistas brasileiros da época. Além de Pavan, foi seu aluno o pesquisador Francisco J. S. Lara, cujos trabalhos abriram caminho para os primeiros sequenciamentos de genomas em larga escala (de parasitas e bactérias) na América Latina.
“Pavan descobriu esse processo [da amplificação gênica, pelo qual alguns genes fazem cópias adicionais de si mesmos] em pufes [formações com muitos genes] de cromossomos politênicos [gigantes] de glândulas salivares de lagartas de moscas encontradas nas matas do litoral de São Paulo (Rhynchosciara americana). Na sequência, Francisco J. S. Lara demonstrou que esses pufes transcrevem moléculas de RNA para construir o casulo da metamorfose da lagarta em mosca adulta. O trabalho de Lara teve papel fundamental para a biologia molecular latina”
Carlos Menck e Adalberto Luis Val
cientistas, no livro “Evolução é fato”, publicado pela Academia Brasileira de Ciências
Outro brasileiro conhecido pelas contribuições para os estudos da evolução foi o zoólogo Paulo Vanzolini. Estudando uma espécie de lagarto chamada Anolis chrysolepis, ele corroborou a teoria dos refúgios de Jurgen Haffer. Seus trabalhos reafirmaram que os redutos florestais da Amazônia tiveram papel importante na diversificação de espécies locais.
Conhecido por seus trabalhos sobre a geomorfologia (as formas da superfície terrestre) brasileira, o geólogo Aziz Ab’Saber também é citado no livro “Evolução é fato”. Assim como Vanzolini, ele contribuiu para as pesquisas sobre variabilidade biológica na bacia amazônica. Entre outras contribuições, o pesquisador mostrou as relações entre as flutuações climáticas do Quaternário (período que vai de 2,5 milhões de anos atrás até a atualidade) e os espaços geoecológicos da América Tropical.
Décadas depois desses trabalhos, o Brasil continua a publicar pesquisas que contribuem para o conhecimento sobre a evolução. Várias são de cientistas que escreveram capítulos de “Evolução é fato”. Carlos Menck, professor do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, coordenador do livro e membro titular da Academia Brasileira de Ciências, citou ao Nexo, por exemplo, o trabalho de Sávio Torres de Farias, da UFPB (Universidade Federal da Paraíba), que estuda a origem da vida.
De acordo com ele, não há hoje no Brasil uma agenda específica de pesquisas sobre a evolução, que tendem a ser heterogêneas. Estão entre as áreas fortes do país, por exemplo, a parasitologia — estudos que tentam entender o papel evolutivo dos parasitas —, a virologia, a evolução humana e a paleontologia. “Qualquer pessoa que quer estudar os dinossauros, de certa forma, vai ter que passar pelo Brasil”, disse, referindo-se aos registros fósseis de espécies antigas dos répteis encontrados em estados como o Rio Grande do Sul.
Chimpanzé chamada Tina segura filhote em zoológico em São Paulo
“Tivemos essa preocupação de falar [no livro] do Brasil na evolução”, afirmou Menck. “Podemos ter mais [contribuições], e certamente teremos.” Além dele, nomes como Sérgio D. J. Pena, da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), e Alexander W. A. Kellner, do Museu Nacional, estão entre os autores do livro. Também há participação de cientistas mulheres — minoria nas primeiras décadas de estudos sobre o tema —, como Marie-Anne Van Sluys, da USP, e Marina Bento Soares, também do Museu Nacional.
Para Menck, é importante combater o negacionismo da evolução — que, segundo ele, está ligado a outros negacionismos da ciência, como o das vacinas e o da mudança climática. “Temos que valorizar a ciência, os dados científicos, a análise científica e o método científico”, disse. Ele também afirmou que não se deve confundi-los com a religião.
“Temos que combater o negacionismo, porque [isso] não tem nada a ver com religião. As pessoas podem acreditar no Deus que quiserem, e está tudo bem. Mas [religião] não é ciência. É outra coisa, é outro tipo de pensamento. […] Dentro do criacionismo, algumas pessoas dizem que o tempo da Terra é de 6.000 anos — e que isso está ligado a fatos científicos. Não está. É uma enorme bobagem”
Carlos Menck
professor do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, coordenador do livro “Evolução é fato” e membro titular da Academia Brasileira de Ciências, em entrevista ao Nexo
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