Expresso

O que foi decidido na COP29. E o que fica para a COP no Brasil 

Mariana Vick

23 de novembro de 2024(atualizado 24/11/2024 às 20h13)

Acordo final em Baku decepciona com meta fraca de financiamento climático e recuo em compromissos sobre transição energética. Dificuldade de consenso traz desafios adicionais para cúpula em 2025

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FOTO: Maxim Shemetov/REUTERSPresidente da COP29, Mukhtar Babayev em discurso durante o encerramento da cúpula

Presidente da COP29, Mukhtar Babayev em discurso durante o encerramento da cúpula

A COP29, Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, terminou neste sábado (23) em Baku, no Azerbaijão. O acordo final da reunião propõe que países ricos desembolsem US$ 300 bilhões anuais para ações de combate e adaptação à crise do clima em países em desenvolvimento. Atrasado em um dia, o encerramento foi marcado por frustração e dificuldades para se chegar a um consenso.

Chamada de “COP das finanças” pelo espaço que deu ao debate sobre financiamento climático, a cúpula entregou uma decisão muito aquém da reivindicada por países em desenvolvimento, que pediam pelo menos US$ 1,3 trilhão anuais. O rascunho do documento final divulgado na sexta-feira (22) falava em US$ 250 bilhões. Apesar do acréscimo no valor final, ambientalistas afirmam que os US$ 300 bilhões firmados mal cobrem a inflação da meta anterior de financiamento, definida em 2015. O desfecho traz desafios para a COP30, que deve ocorrer no Brasil em 2025.

US$ 100 bilhões

foi a meta anual de financiamento climático definida pelo Acordo de Paris de 2015; decisão da COP29, que tinha o objetivo de apresentar valor mais ambicioso, ofereceu US$ 150 bilhões a mais 

Neste texto, o Nexo explica os principais pontos do acordo final da COP29, destacando três temas: a nova meta de financiamento, a decisão tomada sobre os chamados mercados de carbono e as medidas propostas nas áreas de mitigação e adaptação à mudança do clima. Mostra também o que está previsto na agenda da COP30, no Brasil. 

O que foi decidido sobre financiamento 

A cifra de US$ 300 bilhões foi proposta após uma série de embates para que a cúpula chegasse a uma nova meta de financiamento, chamada no jargão pela sigla NCQG (nova meta quantificada coletiva). Definir o número era um dos principais objetivos da conferência deste ano. A meta de US$ 100 bilhões, definida no Acordo de Paris, iria “expirar” em breve, e os países deveriam definir um novo montante para ser desembolsado a partir de 2025 e válido até 2035.

O assunto foi um dos principais motivos de divergências entre os participantes da COP29. Neste sábado (23), as delegações dos pequenos Estados insulares e dos países em desenvolvimento – conhecidos, respectivamente, nas siglas em inglês por Aosis e LDCs – abandonaram temporariamente a reunião da COP29 em protesto, alegando que eles não estavam sendo ouvidos na reunião.

Nações em desenvolvimento cobraram das ricas pagamentos anuais de pelo menos US$ 1,3 trilhão a partir de 2025 para ações de combate à mudança do clima, enquanto as ricas consideraram a proposta inviável. A falta de consenso puxou os números do acordo final para baixo.

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Outro motivo para conflito entre os participantes da COP29 foi a cobrança de países ricos para que parte das nações em desenvolvimento, como a China, também contribuíssem para a meta global de financiamento. Negociadores do Sul Global protestaram contra o pedido, por a considerarem uma violação do Acordo de Paris. O tratado define que são os países desenvolvidos — principais causadores históricos das emissões que geram a mudança climática — os responsáveis por financiar as ações para remediá-la.

“Para financiamento, como discutido no G20 e como aponta o Grupo de Alto Nível em Finanças Climáticas, trilhões são necessários, por mais que alguns o considerem desafiador. Assim como o 1,5ºC [meta de aquecimento global do Acordo de Paris] foi a estrela-guia para [a COP de] Dubai, temos que colocar US$ 1,3 trilhão por dólares por ano também como nossa estrela-guia aqui em Baku”

Marina Silva

ministra do Meio Ambiente, em discurso na quinta-feira (21) na COP29, quando os países divergiam sobre a nova meta de financiamento 

Além de estabelecer uma cifra aquém do esperado, o acordo final da COP29 recebeu críticas de ambientalistas por incluir trechos que podem diminuir a responsabilidade dos países ricos. O texto diz, por exemplo, que essas nações irão “tomar a dianteira” do financiamento, abrindo margem para a ideia de que não serão as únicas a fazer desembolsos. Além disso, ele sugere que os recursos podem vir de várias fontes (públicas ou privadas) e podem ser de diferentes naturezas (doações ou empréstimos), diluindo as obrigações contrariando a reivindicação do Sul Global de que a verba seja doada — não emprestada a juros de mercado.

“[…] o tipo de financiamento que precisamos [é] público, especialmente doações, ou empréstimos altamente concessionais. Não podemos aceitar um financiamento climático que seja pautado na geração do lucro de poucos e no endividamento de muitos”

Raíssa Ferreira

diretora de Campanhas do Greenpeace Brasil, em declaração na sexta-feira (22), quando o acordo da COP caminhava para essa direção

O que foi decidido sobre mitigação e adaptação

As discussões das cúpulas da ONU sobre mitigação da mudança climática — ou seja, sobre medidas que buscam reduzir as emissões de gases de efeito estufa — foram marcadas por retrocessos em Baku. Depois de a COP28, em Dubai, em 2023, ter dado o primeiro sinal da história das conferências para o fim da exploração de combustíveis fósseis, o acordo aprovado neste sábado (23) não fez menções ao setor.

“[Os países são chamados a] fazer a transição ‘para longe’ dos combustíveis fósseis nos sistemas de energia de forma justa, ordenada e equitativa, acelerando as ações nesta década crítica, de modo a atingir zero emissões líquidas [de gases de efeito estufa] até 2050”

Consenso dos Emirados Árabes Unidos

acordo final da COP28, de Dubai, em 2023, e rejeitado na COP29, em Baku  

A decisão final frustrou as expectativas de obter das negociações em Baku um compromisso global mais forte de transição energética. o recuo ocorreu devido ao “bloqueio” de países cujas economias são baseadas na exploração de combustíveis fósseis. dois dias antes do fim da COP29, na quinta-feira (21), os árabes haviam dito que rejeitariam qualquer texto contrário ao setor.

“O grupo [de países árabes] não aceitará nenhum texto que aponte contra setores específicos, incluindo as energias fósseis”

Albara Tawfiq

representante do grupo dos países árabes na COP29, em declaração na quinta-feira (21) 

Negociadores consideraram inexplicável a posição atual dos árabes depois do avanço da COP28, segundo reportagem do jornal Folha de S.Paulo. Ambientalistas criticaram a mudança por ela contrariar decisões já tomadas. “Decisões essenciais para frear o aquecimento global ficam reféns de arrependimentos inaceitáveis em matéria de diplomacia porque colocam todo o direito internacional em questão”, escreveu o Instituto Climainfo em boletim na sexta (22), quando o acordo da COP29 já seguia nessa direção.

Além dos temas de mitigação, a COP29 se dedicou a discussões sobre adaptação à mudança do clima. Um dos objetivos da cúpula era negociar detalhes da futura Meta Global de Adaptação, cuja criação foi acordada em 2023, em Dubai. O acordo deste sábado (23) deu diretrizes técnicas para a definição da meta — trabalho que deve ser continuado na COP30, no Brasil.

O que foi decidido sobre mercados de carbono

A COP29 chegou a um consenso inédito sobre os chamados mercados de carbono, depois de anos de negociações travadas sobre o tema. O acordo final da cúpula estabelece as bases para um mercado de carbono global, que será administrado pela ONU. O mecanismo deve detalhar os tipos de projetos e atividades que poderão gerar créditos de carbono.

Créditos de carbono são cotas de emissão de gases do efeito estufa que podem ser compradas e vendidas por empresas e governos, como mostra a ONU em seu site. O mecanismo foi criado pelo Protocolo de Kyoto, que em 1997 definiu metas de redução de emissão de gases. O Acordo de Paris, que substituiu o tratado, deu novas diretrizes para o tema, e a COP29 discutiu como operacionalizá-las.

crédito de carbono equivale a uma tonelada de CO2 (gás carbônico) absorvido da atmosfera, o que pode ocorrer por medidas como o reflorestamento, a substituição de fontes de energia sujas e novas tecnologias ambientais

As primeiras resoluções sobre as regras para o mercado de carbono foram anunciadas no primeiro dia da COP29. Diversos países comemoraram a chegada a um consenso, incluindo o Brasil — que, na terça-feira (19), também aprovou no Congresso Nacional a regulamentação de um mercado de carbono brasileiro. O texto foi à sanção presidencial.

O acordo da COP29, no entanto, também recebeu críticas. Para ambientalistas, a possibilidade de compensar emissões de gases de efeito estufa pela compra de créditos de carbono enfraquece a meta do Acordo de Paris de limitar o aquecimento global a idealmente 1,5ºC e pode dar mais fôlego à indústria de combustíveis fósseis. Críticos do mercado de carbono também argumentam que ele pode ser ineficiente para gerar resultados concretos, por ser difícil contabilizar compensações.

“Agora temos um mecanismo de mercado de carbono aprovado pela ONU que enfraquece a meta de 1,5 °C do Acordo de Paris, fornecendo uma tábua de salvação para a indústria de combustíveis fósseis ao permitir a compensação de emissões. Pior, é uma cortina de fumaça para a falta de progresso em soluções reais de financiamento climático, incluindo fazer os poluidores pagarem”

An Lambrechts

especialista em política de biodiversidade da Greenpeace International, em declaração divulgada na sexta-feira (22), quando o acordo já caminhava para o texto aprovado neste sábado (23)

O que deve ser discutido na COP30

A COP30, marcada para novembro de 2025 em Belém, no Brasil, deve dar continuidade à discussão sobre parte dos temas tratados na COP29. A agenda da conferência inclui o financiamento climático para países em desenvolvimento, a redução de emissões de gases de efeito estufa e a adaptação à mudança do clima. Temas como a preservação de florestas e a justiça climática também devem estar presentes.

A falta de ambição no acordo final da COP29 deve empurrar para Belém questões de financiamento que originalmente não seriam tratadas na COP30. No relatório final da edição de 2024, foi acordado um programa de trabalho Baku-Belém, com o objetivo de trabalhar a meta inalcançada de US$ 1,3 trilhão.

A conferência de 2025 também deve finalizar os indicadores da Meta Global de Adaptação e insistir em propostas sobre a eliminação gradual dos combustíveis fósseis. Antes do fim da COP29, o vice-presidente Geraldo Alckmin mencionou a relação do evento com a COP30:

“O sucesso da COP29 é parte fundamental para o sucesso da COP30,  que teremos o orgulho de se sediar em Belém, no Brasil, e também para a resposta global à mudança do clima. A omissão de agora custará muito para o depois” 

Geraldo Alckmin

vice-presidente do Brasil, em declaração na COP29, em Baku, no dia 12 de novembro 

Ana Toni, secretária nacional de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente, disse em entrevista à AFP que a COP30 não irá evitar debates importantes. Mesmo que o Brasil seja produtor de petróleo — com planos de expandir a produção nos próximos anos —, por exemplo, o país quer estimular o debate sobre a redução gradual dos combustíveis fósseis. “Nunca evitaremos discussões tão importantes porque são do nosso próprio interesse”, afirmou.

A intenção do governo brasileiro é fazer da COP30 o início de uma fase “pós-negociação” do regime climático, saltando para um novo ciclo de implementação das decisões, segundo reportagem do jornal Valor Econômico. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva propôs no encerramento da cúpula do G20, no Rio de Janeiro, a criação de um Comitê de Mudança do Clima nas Nações Unidas para tornar a ação mais ágil. Para o Brasil, a entidade ajudaria a reduzir a atual frustração com a incapacidade das COPs de transformar suas decisões em medidas concretas.

“Precisamos de uma governança climática mais forte. Não faz sentido negociar novos compromissos se não temos um mecanismo eficaz para acelerar a implementação do Acordo de Paris. O Brasil convida a comunidade internacional a considerar a criação de um Conselho de Mudança do Clima na ONU, que articule diferentes atores, processos e mecanismos que hoje se encontram fragmentados”

Luiz Inácio Lula da Silva

presidente do Brasil, em discurso no encerramento da cúpula do G20 

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