Quem é a brasileira que mais descobriu vulcões ativos no Universo
Mariana Vick
01 de dezembro de 2024(atualizado 03/12/2024 às 01h26)Cientista com mais de três décadas de carreira na Nasa, Rosaly Lopes foi recordista no Guinness Book em 2006 por descobertas em missão não tripulada na lua Io, em Júpiter. Ela veio ao Brasil para atividades de divulgação científica
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Ilustração de sonda da missão Galileo, da Nasa, voando perto de Io, lua de Júpiter
Astrônoma, geóloga planetária e vulcanóloga, Rosaly Lopes faz parte do grupo de brasileiros que trabalham na agência espacial mais conhecida do mundo: a Nasa. Lá, atingiu o curioso feito de ser a pessoa que descobriu o maior número de vulcões ativos do Universo. Diversas outras descobertas marcam suas mais de três décadas de carreira científica.
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foi a quantidade de vulcões ativos que Rosaly Lopes descobriu na lua Io, em Júpiter; pesquisa rendeu um recorde no Guinness Book em 2006
Natural do Rio de Janeiro, Lopes já teve diversas funções na agência espacial americana. Hoje, é vice-diretora e cientista-chefe da Diretoria de Ciências Planetárias do Laboratório de Propulsão a Jato, participando de missões não tripuladas cujas descobertas até hoje são objeto de pesquisas. Ela veio ao Brasil recentemente para atividades de divulgação científica.
Neste texto, o Nexo explica o que marca a trajetória de Rosaly Lopes, quais têm sido seus principais objetos de pesquisa e qual a importância de estudar a superfície de outros planetas do Universo. Mostra também qual a sua avaliação sobre as ciências planetárias no Brasil e como ela vê a inserção de cientistas mulheres nesse campo.
Nascida em 1957, 12 anos antes de o astronauta Neil Armstrong ter pisado na Lua, Rosaly Lopes é formada em astronomia e doutora em geologia planetária pela Universidade de Londres. Começou a carreira na Nasa em 1989, como pesquisadora residente do Laboratório de Propulsão a Jato. Antes, havia trabalhado no Observatório Real de Greenwich, na Inglaterra.
Lopes decidiu estudar astronomia ainda jovem, acompanhando o programa espacial Apollo, que orbitou a Lua. Uma reportagem do Jornal do Brasil exibida na época dessas missões citou a presença de uma mulher na sala de comando — a matemática Frances Poppy Northcutt —, o que a inspirou. “Achei que a exploração do espaço era a coisa mais importante que a minha geração estava fazendo, e queria fazer parte disso”, disse ao Nexo.
“Cresci no Rio, mas muito interessada em tudo de astronomia, luas, estrelas, e acompanhei o programa Apollo. Queria ser astronauta — bem, ainda quero —, mas vi na época que, sendo mulher, brasileira e muito míope [pilotos precisam ter boa visão], não ia dar, então decidi seguir a carreira de astronomia para ajudar a Nasa na exploração do espaço”
Rosaly Lopes
astrônoma e cientista-chefe da Nasa, em entrevista ao Nexo
Dois anos depois de ter ingressado no Laboratório de Propulsão a Jato, Lopes foi convidada a ficar na Nasa de forma definitiva. Como parte de diferentes missões, especializou-se na investigação de superfícies de planetas, estudando processos vulcânicos na Terra, em Marte e na lua Io, de Júpiter. Também pesquisou o chamado criovulcanismo (formação de vulcões gelados, que não expelem lava, mas corpos voláteis, como água) em luas geladas.
Um dos projetos dos quais participou foi o da chamada sonda Galileo, no qual identificou 71 vulcões ativos na superfície de Io. A descoberta rendeu a ela um recorde registrado no Guiness Book em 2006 como a pessoa que descobriu o maior número de vulcões ativos do Universo. Lopes também foi homenageada com prêmios, títulos e tributos — o asteroide 22454, por exemplo, foi batizado como Rosalylopes.
3 missões das quais ela participou
Galileo
Lançada em 1989, a missão Galileo teve como objetivo explorar Júpiter e suas luas. Depois de uma viagem de seis anos, o ônibus espacial Atlantis chegou ao planeta em 1995, passando a registrar uma série de descobertas sobre sua atmosfera, anéis, satélites e campo magnético — além de ter identificado atividade vulcânica em Io, a missão sugeriu a possibilidade de haver um oceano subterrâneo numa lua chamada Europa. O trabalho terminou em 2003, quando a sonda foi deliberadamente destruída na atmosfera de Júpiter, para evitar qualquer risco de contaminação de suas luas.
Cassini
Lançada pela Nasa em 1997, a missão Cassini chegou a Saturno em 2004. O trabalho revelou detalhes sobre a composição dos anéis do planeta, descobriu fontes de água e atividade geotérmica na lua Encélado e, numa das descobertas mais impressionantes, identificou um possível oceano subterrâneo na lua Titã. A missão foi encerrada em 2017, quando a sonda foi mergulhada na atmosfera de Saturno.
New Horizons
Lançada em 2006, a missão New Horizons tem o objetivo de explorar Plutão — aonde chegou em 2015 — e corpos celestes distantes do Sistema Solar. O trabalho gerou as primeiras imagens detalhadas do planeta anão e suas luas e fez descobertas sobre sua atmosfera e composição de seus satélites. A missão continua operando.
Lopes fez diferentes tipos de trabalho nas missões que integrou. “Na missão Galileo, estudei a lua vulcânica de Júpiter com o instrumento infravermelho, que podia medir o calor dos vulcões [a partir da detecção da radiação infravermelha que eles emitem]”, disse. Também participou das chamadas operações de ciências da nave, que envolvem fazer e analisar diferentes observações.
Fez atividades semelhantes na missão Cassini. “Trabalhei [nessa missão] com o instrumento radar, que era o melhor para ver a superfície da lua Titã [maior satélite natural de Saturno]. A lua Titã tem uma atmosfera muito espessa, e precisamos do instrumento para penetrá-la”, explicou. Os dados que obteve com as observações têm sido objeto de pesquisas e artigos científicos até hoje.
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Lopes afirmou que o trabalho sobre as superfícies de outros planetas é importante porque ele não apenas ajuda a descrever o Universo. As tecnologias usadas para observação do espaço podem também ser aplicadas em outras áreas de estudo. “Começamos a descobrir muito mais crateras antigas na superfície da Terra, inclusive no Brasil”, disse.
Hoje, como vice-diretora, seu ritmo de trabalho mudou. Lopes afirmou que ainda faz um pouco de pesquisa em Titã e colabora com outros pesquisadores da Nasa, mas a maioria de seu trabalho é supervisionar as missões do Laboratório de Propulsão a Jato. Ela também contribui para planejar suas estratégias para o futuro.
Lopes veio ao Brasil neste mês pelo programa Cesar Lattes, do Instituto de Estudos Avançados da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Ela encerrou sua participação como cientista residente do programa após meses de atividades. O fim do ciclo foi marcado por palestras para estudantes e o público em geral, promovidas tanto pela Unicamp quanto por entidades como a Academia Brasileira de Ciências.
O Programa Cesar Lattes recebe pesquisadores — brasileiros ou não — com amplo reconhecimento em sua área de trabalho para estadias de até seis meses na Unicamp. Durante a permanência, os cientistas têm a oportunidade de divulgar sua produção científica para pesquisadores de diferentes áreas. Outros interessados em geral também têm a chance de ouvi-los.
Rosaly Lopes, vice-diretora e cientista-chefe do Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa
“Foi uma oportunidade muito boa para mim de ter mais contato com pesquisadores e estudantes”, disse Lopes. Segundo ela, a participação no programa começou com uma colaboração com o professor Álvaro Crósta, da Unicamp, que estuda crateras de meteoro na Terra. “Ele queria ir para a parte de geologia planetária e foi para o JPL [seu laboratório na Nasa] por seis meses.
Para ela, a estadia numa universidade brasileira foi importante para que ela desenvolvesse mais laços com a comunidade brasileira, depois de décadas trabalhando no exterior. “Minha área, a de geologia planetária, não tem muitas pessoas no Brasil pesquisando”, disse. “Mas vamos ver se no futuro vai ter mais.”
Além de trabalhar com missões espaciais, Lopes se preocupa com a participação feminina nas ciências planetárias. “Quando comecei, tinha muito poucas mulheres na minha área, mas hoje tem muito mais — inclusive muitas jovens entrando em áreas de pesquisa e de astronomia”, disse.
A cientista diz não conhecer estatísticas oficiais sobre a participação de mulheres nas ciências planetárias. Ela percebe, no entanto, que cerca de um terço dos membros da divisão dessas ciências dentro da Sociedade Americana de Astronomia, por exemplo, são mulheres. “É uma questão de as mulheres quererem seguir essas carreiras.”
A certa altura, Lopes conheceu Frances Poppy Northcutt, matemática que a inspirou a seguir na astronomia. Com o apelido de Poppy, a americana foi engenheira da equipe técnica do programa Apollo e teve papel importante em suas missões. Para a brasileira, é importante que mulheres cientistas divulguem seus trabalhos para inspirar meninas.
Lopes disse que ainda há desafios para o ingresso de mulheres na pesquisa científica. “Precisa de muita dedicação, e muitas vezes, digamos, [a pesquisa] tira o tempo de a pessoa passar com a família”, disse. “Talvez seja por isso que a pesquisa não tenha atraído tantas mulheres [antes]. Mas isso está mudando muito.”
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