‘La Nada’: por que o fenômeno La Niña ainda não veio em 2024
Mariana Vick
21 de dezembro de 2024(atualizado 23/12/2024 às 07h43)Evento marcado pelo resfriamento do Pacífico Equatorial pode chegar apenas em 2025, mais fraco e curto que o comum, segundo previsões. Atual cenário ocorre em ano de recordes de calor
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Lontras marinhas no oceano Pacífico, na região da Califórnia, nos EUA
O La Niña, fenômeno climático que estava previsto para ocorrer pouco depois do fim do El Niño, em meados deste ano, ainda não se estabeleceu em 2024, segundo a Noaa (National Oceanic and Atmospheric Administration), agência de clima do governo americano. O atraso do evento é inédito. Há chances de que ele chegue apenas em 2025, mais curto e fraco que o comum.
O quadro atual de neutralidade — em que não há presença de El Niño ou La Niña — é conhecido informalmente na comunidade de meteorologia como “La Nada”. Esse é o estado em que o oceano Pacífico — fundamental para a observação desses fenômenos — se encontra desde junho. O quadro, que ocorre num ano de recordes de calor, tem repercussões sobre o clima na Terra e as economias.
Neste texto, o Nexo explica o que é o La Niña, por que ele ainda não veio em 2024 e quais são os impactos do atraso. Mostra também quais são as previsões para os próximos meses e também para o verão brasileiro — que começa neste sábado (21) —, de acordo com boletins publicados por órgãos de meteorologia dentro e fora do país.
O La Niña é um fenômeno climático marcado pelo resfriamento anômalo das águas do oceano Pacífico na região da linha do Equador, nas proximidades da costa da América do Sul. Acontece de tempos em tempos, em intervalos que variam de dois a sete anos. Influencia o clima em várias partes do mundo.
É o fenômeno inverso do El Niño, que se caracteriza pelo aquecimento anormal do oceano Pacífico equatorial. O Nexo explica no vídeo abaixo como os dois fenômenos funcionam. O mecanismo que controla as alterações entre um e outro ainda não foi completamente compreendido, por isso, não é fácil prevê-los.
Episódios de La Niña podem durar meses ou anos. O mais recente evento desse tipo durou de julho de 2020 a fevereiro de 2023. No Brasil, o evento costuma aumentar as chances de chuvas acima da média nas regiões Nordeste e Norte e propiciar chuvas escassas na região Sul — efeitos inversos do El Niño no país.
As expectativas para a chegada do La Niña vêm desde que o último El Niño terminou, em junho. Modelos climáticos do começo de 2024 indicavam que a transição de um fenômeno para o outro seria rápida. A Noaa emitiu em fevereiro o primeiro alerta sobre o tema, indicando que o fenômeno poderia se desenvolver entre os meses de junho e agosto.
26ºC
é a temperatura média do Pacífico; quando ela fica meio grau (ou mais) abaixo do normal, configura-se um episódio de La Niña
Anomalias positivas (ou seja, de aquecimento) de temperatura da superfície do mar persistiram em grande parte do Pacífico no primeiro semestre — o que é compatível com o período de El Niño. Depois, o oceano entrou na chamada fase neutra (sem El Niño ou La Niña), com temperaturas próximas da média. Apesar do resfriamento das águas do Pacífico, o ressurgimento de anomalias quentes minou as perspectivas de La Niña nos meses seguintes.
A Noaa observa as condições de temperatura de uma região específica do Pacífico equatorial para verificar se há La Ninã. É preciso que as temperaturas fiquem abaixo da média e persistam dessa forma por algum tempo para que o órgão determine que o fenômeno se estabeleceu. Como isso não aconteceu nos últimos meses — os momentos de resfriamento, quando ocorreram, foram pontuais —, a Noaa afirma que o oceano ainda está em fase de neutralidade.
O atraso do La Niña ocorre num momento de recordes de calor na Terra. O ano de 2024 deve ser o mais quente da história da humanidade — superando 2023, que também havia sido recordista —, segundo o observatório europeu Copernicus. Esta será a primeira vez em que o mundo excederá em 1,5ºC a média de temperatura pré-industrial, ultrapassando a meta de aquecimento estabelecida em 2015 pelo Acordo de Paris.
O atraso do La Niña mantém o Pacífico num padrão neutro de temperatura. Os eventos climáticos associados ao fenômeno — como mais chuvas no Norte e Nordeste e tempo mais seco na região Sul —, portanto, tendem a não ocorrer enquanto a neutralidade durar. Esse cenário pode ter tanto impactos positivos quanto negativos.
Por um lado, de acordo com a empresa ClimaTempo, o adiamento do La Niña cria um cenário de incertezas, com prejuízos para setores que dependem do clima, como o agropecuário e o energético. Com menos chuvas que o esperado no Norte, o nível de reservatórios na região ficou crítico em 2024, por exemplo. Em outras partes do país — também por causa do atraso nas chuvas de primavera —, o plantio de soja foi adiado.
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Ao mesmo tempo, pesquisadores entrevistados em reportagem da DW Brasil afirmam que momentos de El Niño ou La Niña causam eventos climáticos extremos (ou seja, mais fortes que o comum). A ausência desses fenômenos tende a tornar o clima mais “moderado” — o que é positivo. Ainda assim, num cenário de mudança climática, é possível que eventos mais intensos ainda ocorram, por motivos que fogem à presença ou não de La Niña.
O ano de 2024 foi marcado por eventos extremos como as inundações no Rio Grande do Sul — associadas à presença do fenômeno El Niño, que ainda estava ativo no primeiro semestre. Depois de julho, destacaram-se episódios de seca e incêndios florestais em biomas como o Pantanal e a Amazônia. O fogo se espalhou por uma junção de fatores — desde a estiagem mais forte que o comum até a ação de grupos que queimaram intencionalmente áreas de vegetação.
Informações emitidas pela Noaa na segunda-feira (16) mostram que há 59% de chances de que o La Niña se estabeleça até janeiro de 2025. Caso ocorra, no entanto, o evento deve ser fraco e de curta duração. É provável que o cenário volte para a neutralidade entre março e maio de 2025, segundo a agência americana.
Ainda que o cenário oficial atual seja de neutralidade, o oceano se resfriou mais nos últimos dias, e a atmosfera apresenta sinais de La Niña, de acordo com análise da empresa de meteorologia MetSul. A anomalia de temperatura do Pacífico equatorial está em -0,6ºC, em patamar de La Niña. O valor é o menor observado até agora em 2024 na região — mas é preciso que ele se sustente por mais tempo para que o La Niña seja declarado.
Para parte dos climatologistas, está descartada a possibilidade de que o La Niña se estabeleça ainda em 2024. A MetSul afirma que, caso a tendência atual persista, a Noaa pode declará-lo tanto no fim deste ano quanto no começo de janeiro. De qualquer forma, o evento seria inédito, “por uma declaração tardia jamais vista”, segundo a empresa.
O Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia) e o Inpe (Instituto Nacional de Pequisas Espaciais) divulgaram na quarta (18) uma nota técnica com o prognóstico para o verão de 2025 no Brasil, que começou neste sábado (21). As previsões consideram a influência de um fenômeno La Niña fraco e curto no primeiro trimestre. Elas incluem:
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