
Robert Sarber, ‘Cervo/ Veado’, papel higiênico, cola e acrílica, 2017.
Durante os últimos meses a maioria de nós tem se encontrado em um território não familiar, tentando moldar os dias que perderam seus formatos enquanto lidamos com a separação física.
Muitas pessoas encarceradas, no entanto, têm passado anos tentando compreender o que fazer com o tempo no isolamento. Alguns descobrem a fé, enquanto outros leem e se educam. Há também os que se tornam artistas.
Pelos últimos 25 anos eu tenho trabalhado como curadora sênior e cofundadora da exposição anual de artes dos prisioneiros do estado de Michigan na Universidade de Michigan. A cada ano essas exibições arrastam milhares de pessoas que olham e compram os trabalhos dos presos. Para os artistas, essas mostras são fonte de validação e suporte. Eles também ficam com o dinheiro das vendas.
Poder conhecer muitos desses artistas confirmou minha crença de que fazer arte é uma atividade humana básica que dá forma ao significado. Em condições de confinamento extremo, encontrar propósito se torna ainda mais urgente.
A maioria dos artistas da prisão não considerava fazer arte até serem encarcerados. Para muitos é uma chance de crescimento ao invés da deterioração.
Para outros, como Wynn Satterlee, um ex-detento de uma prisão de segurança máxima, foi uma questão de vida ou morte.
Na cadeia disseram que ele iria morrer de câncer. Com a ajuda de amigos, ele começou a pintar.
“Eu pintava para escapar do sofrimento e da dor”, ele me contou depois que foi liberado da cadeia. “Dez horas por dia, sete dias por semana, por sete anos. E eu superei o câncer.”

Wynn Satterlee, ‘Libertem meu pai,’ acrílica sobre tela, 2005.
Oliger Merko, nascido na Albânia, cumpre prisão perpétua com a possibilidade de condicional. “Realmente te abala pegar uma sentença dessas”, ele me contou durante uma entrevista na unidade de segurança máxima de Ionia, em Michigan. “Eu estava totalmente sem esperanças, à deriva, sem direção. Comecei a pensar mais profundamente e quando descobri a arte, tudo se abriu. Agora eu pinto por três ou quatro horas por dia e não quero parar nem para me alimentar. É mais uma segunda vida do que um escape.”
Dar um salto como esse em direção à expressão artística requer algumas capacidades humanas básicas que geralmente ignoramos mas que podem ser convocadas em situações extremas. Isso envolve encontrar o extraordinário no ordinário – uma exigência para muitos artistas encarcerados que não contam com dinheiro para materiais caros.
Alguns eventualmente aprendem que quase tudo que pode ser pego e segurado pode ser transformado em um lindo objeto de arte tridimensional. Eles usam papel higiênico e cola, sabão, papelão, papel, pedras do jardim, tampinhas de plástico e garrafas. A escultura de Robert Saber “Cervo/veado” foi feita de papel higiênico e cola e depois pintada com acrílica.
Kenneth Mariner faz dioramas de papelão , pastas velhas, barbante, cola, lenço, tinta acrílica e amarrilhos.

Kenneth Mariner, ‘Casa Diorama,’ papelão e mídia mista, 2019.
Muitos artistas encarcerados cultivam a habilidade de focar por longos períodos. Esta disciplina é uma forma de resistir à monotonia e a violência da vida na cadeia.
John Bone aprendeu a desenhar fazendo centenas de ilustrações de sua cela, às vezes trabalhando 16 horas por dia, observando cada detalhe do ambiente. Sua análise de algo com nenhuma beleza intrínseca – acoplada com uma íntima atenção aos valores dos tons e às estruturas espaciais de seu desenho – resulta em notáveis trabalhos.

John Bone, ‘Cena da cela,’ Grafite, 2010.
Enquanto aprendia a desenhar, Billy Brown se frustrava. Então, um dia ele rezou por uma visão e descobriu uma técnica extraordinária para lápis de cor em papel preto. No começo de cada traço ele pressiona levemente o papel e enquanto move o lápis aumenta a pressão, o que torna a cor mais saturada.

Billy Brown, ‘Pessoas em movimento,’ lápis de cor em papel, 1999.

Billy Brown, ‘Pessoas em movimento,’ lápis de cor em papel, 1999.
O que permite uma pessoa ter tanta atenção por tanto tempo em isolamento?
Os artistas em encarceramento que eu conheço são motivados por uma necessidade poderosa de reafirmar sua identidade e explorar os ímpetos desconhecidos pelo amor, beleza, natureza e animais, um senso de realização e a habilidade de comunicar sentimentos intensos. Esse desejo é tão forte que as pessoas começam a fazer arte sem a insegurança que a maioria das pessoas que não são artistas no mundo sentiriam. Karmyn Valentine, uma carpinteira, nunca havia feito arte antes de vir para a prisão. Em sua primeira pintura, “Minha dor”, foi capaz de encontrar uma forma para seu sofrimento.

Karmyn Valentine, ‘Do jeito que se sente,’ aquarela em papel, 2016.
“Eu fui abusada e traída e é por isso que a flecha vem pelas costas”, ela disse. “Estou tocando minha flecha porque a dor é minha companhia constante. Vivi com ela antes de chegar na cadeia e vivo com ela agora.”
Existe uma liberdade que esses artistas podem acessar na escolha que fazem sobre o conteúdo, material, traços, texturas, cores, formas e superfícies. O próprio ato de fazer essas escolhas é uma forma de reivindicar sua agência. Isso é significativo em um sistema que trata pessoas como objetos que devem ser deslocados, contados, acorrentados, revistados e designados a um número.
O tempo e o futuro mudam quando detentos se tornam criadores ao invés de objetos. Uma vez que artistas imbuem seu propósito e significado em seu dia-a-dia, acordar não é mais algo a se temer. Como Merko explicou: “Antes de eu me tornar artista, todos os dias eram rotineiros, e agora, mesmo que na cadeia você queira que os dias passem rapidamente, eu às vezes desejo que eles sejam mais longos quando estou pintando. É como se eu não pertencesse mais a esse tempo.”
Artistas encarcerados desenvolveram uma prática na qual um trabalho de arte leva a outro, direcionando-os para um caminho que se desenvolve infinitamente e a um sentimento de estar alicerçado. Para aqueles de nós que estamos vivendo com o estresse e a frustração durante as restrições da covid-19, esses artistas demonstram como desenvolver um espaço interior de liberdade – e como viver imaginativamente e propositadamente em um novo mundo estranho.
Janie Paul,Professora emérita de arte e design na Universidade de Michigan