
HAL 9000, de “2001: Uma odisseia no espaço”
Em 2024, IAs aparecem em manchetes de jornais diariamente. Nós podemos estar conscientes da ciência por trás delas, mas como imaginamos as IAs e nossa relação com elas agora e no futuro? Felizmente, filmes podem nos dar algumas ideias.
Provavelmente a IA mais conhecida do cinema é HAL 9000, de “2001: Uma odisseia no espaço” (1968), filme de Stanley Kubrick. HAL é um computador artificialmente inteligente instalado a bordo de uma espaçonave capaz de viagens interestelares. O filme foi lançado menos de um ano antes de os seres humanos chegarem à lua. E, no entanto, mesmo em meio ao otimismo acerca de uma nova era de viagens espaciais, o retrato de HAL soou como uma nota de precaução quanto a inteligências artificiais. Sua motivação é ambígua, e ele se mostra capaz de se voltar contra os humanos na tripulação da nave.
Esse clássico dos anos 1960 representa medos que são comuns ao longo da história das IAs em filmes — de que IAs não são confiáveis, de que elas vão se rebelar contra seus criadores humanos e de que vão procurar nos dominar e nos subjugar.
Esses medos são contextualizados de diversas formas em diferentes épocas da história — nos anos 1950, as IAs eram associadas à Guerra Fria, e, posteriormente, foram ligadas à corrida espacial, nos anos 1960 e 70. Então, na década de 1980, ao videogame, e na de 1990, à internet. Apesar de serem diferentes as preocupações, o medo permanece marcadamente consistente.
Minha última pesquisa, que forma a espinha dorsal do meu novo livro “AI in the Movies” (“IA nos filmes”, em tradução livre), explora como IAs “fortes” ou “em nível humano” são representadas no cinema. Eu examinei mais de 50 filmes para ver como eles retratam atitudes humanas em relação a IAs — como nós as interpretamos e as entendemos através de personagens e histórias, e como essas posturas mudaram desde o começo da representação da tecnologia.
Tipos de IA
A ideia de IAs nasceu no verão de 1956, em um workshop de projetos de pesquisa na Universidade de Dartmouth, em Hanover, Nova Hampshire, onde um grupo de acadêmicos se reuniu para debater ideias sobre “máquinas pensantes”.
Um matemático chamado John McCarthy cunhou o nome “inteligência artificial”, e, assim que o novo campo científico ganhou um título, cineastas começaram a imaginar uma IA que se parecesse com os seres humanos e qual seria nossa relação com ela. No mesmo ano, uma IA, Robby, o Robô, apareceu no filme “Planeta proibido”, e retornou no ano seguinte, em 1957, para “O garoto invisível”, a fim de derrotar outro tipo de IA, dessa vez um supercomputador do mal.
A ideia da inteligência artificial como um computador vilão apareceu de novo em 1965, como Alpha 60, na arrepiante distopia “Alphaville”, de Jean-Luc Godard, e então em 1968, com o memorável HAL, em “2001: Uma odisseia no espaço”, de Kubrick.
Esses filmes pioneiros na temática das IAs definiram o modelo para o que viria em seguida. Houve IAs que tinham corpos robóticos e, depois, corpos robóticos que pareciam humanos — a primeira destas aparecendo em “Westworld”, em 1973, filme no qual um robô com mau funcionamento em um parque de diversões futurista para adultos cria caos e terror. Então, houve IAs digitais, como o malvado Joshua, no filme de terror “Geração Proteus”, de 1977, no qual uma mulher está grávida de um supercomputador.
Nos anos 1980, IAs digitais começaram a ser conectadas a redes de computadores — nas quais máquinas “falavam” umas com as outras em uma versão inicial do que viria a ser a internet —, como a que foi encontrada por um estudante de Ensino Médio interpretado por Matthew Broderick em “Jogos de guerra” (1983), personagem que quase começou acidentalmente um conflito nuclear.
A partir da década de 1990, as IAs podiam se mover entre domínios digitais e materiais. Na animação japonesa “O fantasma do futuro” (1995), o Mestre das Marionetes existe no fluxo e refluxo da internet, mas pode habitar corpos como se fossem “conchas”. O Agente Smith, em “Matrix Revolutions” (2003), toma conta de um corpo humano e se materializa no mundo real. Em “Ela” (2013), Samantha, o sistema operacional que funciona por meio de IA, acaba se movendo para além da matéria, para além das “coisas” da existência humana, se tornando um ser pós-material.
Espelhos, duplos e híbridos
Nas primeiras décadas de filmes com temática de IA, os personagens que eram inteligências artificiais espelhavam os personagens humanos. Em “Collosus 1980” (1970), o supercomputador inteligente representado reflete e amplifica a ambição arrogante e exagerada do próprio inventor. Em “O exterminador do futuro 2” (1991), Sarah Connor espelha o comportamento dos exterminadores da Skynet ela mesma: sua força vem da sua armadura, e ela caça para matar.
Nos anos 2000, duplos humanos-IA começaram a se sobrepor e se fundir. No filme “A.I. – Inteligência Artificial” (2001), de Steven Spielberg, o “filho” David, que é uma inteligência artificial, parece um menino de verdade, enquanto o filho real, Martin, volta do hospital para casa conectado a tubos e fios que o fazem se parecer com um ciborgue.
Em “Ex_Machina: Instinto artificial” (2014), o humano Caleb testa a robô IA Ava, mas acaba questionando sua própria humanidade, examinando seu globo ocular por traços digitais e cortando sua pele para ter certeza de que pode sangrar.
Nos últimos 25 anos de filmes de IA, as fronteiras entre humanos e inteligências artificiais, digitais e materiais, se tornaram frágeis, enfatizando a natureza fluida e híbrida das criações IA. E nos filmes “Soldado do futuro” (2013), “Transcendence: A revolução” (2014) e Chappie (2015), os limites entre humanos e inteligências artificiais são desgastados quase ao ponto de não existirem. Esses filmes apresentam cenários de transumanismo — nos quais humanos podem evoluir para além de suas restrições físicas e mentais atuais através do aproveitamento do poder das inteligências artificiais para fazer o upload da mente humana.
Embora essas histórias sejam imaginárias, e seus personagens sejam ficcionais, elas retratam vividamente nossas fascinações e nossos medos. Nós temos medo de inteligências artificiais, e esse temor nunca vai embora nos filmes, embora venha sendo questionado cada vez mais nas décadas recentes, e mais retratos positivos possam ser observados, como o pequeno robô coletor de lixo WALL-E. Na maioria das vezes, nós temos medo de que elas se tornem muito poderosas e busquem se transformar em nossas mestres. Ou medo de que elas possam se esconder entre nós, e de que talvez não possamos reconhecê-las.
Mas às vezes nós também sentimos simpatia por elas: personagens IAs em filmes podem ser criaturas dignas de pena que querem ser aceitas pelos humanos mas nunca serão. Nós também temos inveja delas — da sua capacidade intelectual, da sua solidez física e do fato de que não experimentam a morte humana.
Circundando esse medo e inveja, há uma fascinação com as IAs que está presente ao longo da história do cinema — nós vemos a nós mesmos e projetamos nossas emoções nelas. Às vezes inimigas dos seres humanos, às vezes espelhos inquietantes, e às vezes até híbridos, os últimos 70 anos de filmes sobre IAs mostram a natureza inextricavelmente entrelaçada das relações entre nós e as inteligências artificiais.
Paula Murphy é professora assistente na School of English, da Dublin City University, na Irlanda