A Procuradoria-Geral da República face a face com Bolsonaro
Conrado Corsalette
19 de novembro de 2024(atualizado 21/11/2024 às 15h57)Enquanto as evidências se acumulam contra o ex-presidente e seu entorno, com planos de golpe e até assassinatos, cresce a expectativa quanto a apresentação de uma acusação formal contra ele
Terça-feira (19) foi dia de nova operação da Polícia Federal, esta para prender suspeitos de planejar o assassinato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do vice Geraldo Alckmin e do ministro do Supremo Alexandre de Moraes. É mais uma revelação da trama do golpe, que envolve o ex-presidente Jair Bolsonaro e seu entorno. Todas as frentes contra o político de extrema direita, porém, ainda estão em fase de investigação. Você pode se questionar: quando a Procuradoria-Geral da República vai apresentar denúncias para que eventuais crimes sejam julgados? Este é o tema central do Durma com Essa desta semana, que traz uma entrevista com a professora de direito Eloisa Machado.
O programa tem também João Paulo Charleaux falando sobre a pauta da fome na cúpula do G20 no Rio de Janeiro, Mariana Vick explicando a meta climática apresentada pelo Brasil na COP29 do Azerbaijão e Lucas Zacari comentando a evolução da presença negra em papeis de destaque nas novelas da TV Globo.
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Edição de áudio Brunno Bimbati
Produção de arte Mariana Simonetti
Transcrição do episódio
Conrado: Um país que viveu crises políticas em série na última década, permeadas por decisões judiciais que abalaram a estrutura de poder. Um país de inquéritos criminais, operações, denúncias, processos e julgamentos de líderes políticos, que agora aguarda um desfecho para aquilo que se configura como uma trama de golpe de Estado com requintes que incluem planos de assassinatos de presidente e vice eleitos. Eu sou Conrado Corsalette e este aqui é o Durma com Essa, o podcast de notícias do Nexo, que agora é semanal.
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Conrado: O programa desta semana tem também João Paulo Charleaux falando sobre a reunião de líderes do G20 no Rio de Janeiro, tem Mariana Vick explicando as metas climáticas do Brasil e tem também Lucas Zacari comentando o protagonismo de mulheres negras nas novelas da TV Globo.
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Conrado: A volta de Donald Trump à Casa Branca, programada para janeiro de 2025, suscitou uma série de questões quanto a possíveis falhas institucionais do sistema americano. Tais críticas seguem a linha segundo a qual as instituições não souberam frear um político que se tornou ícone da extrema direita populista global. Um político que, durante seu mandato, atacou a imprensa e a Justiça, abusou dos discursos de ódio, do pânico moral e propagou teorias conspiratórias. Um político acusado de incentivar um atentado à democracia, no episódio da invasão do Capitólio, sede do Congresso dos Estados Unidos. Um político que até foi condenado por fraude contábil, numa operação que visava ocultar um potencial escândalo envolvendo uma atriz pornô durante a campanha que garantiu a ele os primeiros quatro anos no comando do governo, que foram de 2017 a 2020.
Conrado: O Brasil também teve seus quatro anos com um líder de extrema direita no poder. Jair Bolsonaro seguiu os passos do seu declarado ídolo americano. Também atacou a democracia durante seu mandato, de 2019 a 2022. Seus apoiadores até repetiram os trumpistas diante da derrota na tentativa de reeleição. A diferença é que por aqui houve invasão não só do Congresso, mas também do Palácio do Planalto, sede do Poder Executivo, e do prédio do Supremo Tribunal Federal. Houve também, como indicam apurações em curso, uma trama com minuta para a decretação de estado de sítio e planos de assassinato de autoridades, tudo com envolvimento de militares.
Conrado: No caso do Brasil, as instituições até já conseguiram impor alguns freios aos arroubos autocráticos de uma turma saudosa de ditaduras. Se na Suprema Corte americana de maioria conservadora Trump obteve imunidade contra acusações criminais, por aqui o TSE, Tribunal Superior Eleitoral, tornou Bolsonaro inelegível por usar a máquina pública para espalhar mentiras sobre as urnas eletrônicas. Mas os procedimentos criminais do Supremo que têm o ex-presidente brasileiro ainda não avançaram para acusações formais do Ministério Público e para processos criminais.
Conrado: Existem inúmeras frentes de investigação que têm Bolsonaro como suspeito. Ele já foi alvo de operações da Polícia Federal. Já foi indiciado em alguns casos, como naquele que envolve a falsificação de cartões de vacina e no esquema de apropriação de joias recebidas de presentes de autoridades estrangeiras que deveria ser incorporadas ao acervo público. Mas nada avançou além disso, pelo menos por ora, nem nesses casos que eu citei, nem no caso principal, em que Bolsonaro é suspeito de articular um golpe de Estado no país.
Conrado: Quem faz a acusação formal, nos casos envolvendo Bolsonaro, é a PGR, a Procuradoria-Geral da República. Segundo informações de bastidores publicadas pela rede CNN Brasil, essa acusação formal, que é a chamada denúncia, não sai em 2024. Talvez saia em 2025.
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Conrado: São dois os inquéritos principais dos quais Bolsonaro é alvo. Um é o inquérito das fake news, aberto ainda em março de 2019 por iniciativa do próprio Supremo, sem que houvesse um pedido da Procuradoria-Geral da República, como de praxe. Os ministros do tribunal abriram essa investigação para se proteger, diante daquilo que viam como ataques que vinham recebendo. Alexandre de Moraes foi indicado para relatar esse inquérito, que cresceu, afinal os ataques também ficaram cada vez mais explícitos. O inquérito passou a lidar com desinformação e discursos de ódio no geral e foi sendo prorrogado. Bolsonaro, que era um dos que mais faziam os ataques ao Supremo, foi incluído como investigado em agosto de 2021.
Conrado: O segundo inquérito é o das milícias digitais. Essa investigação foi aberta originalmente a pedido do então procurador-geral Augusto Aras em abril de 2020, depois de manifestações em que bolsonaristas defendiam o fechamento do Congresso, do Supremo e pediam também a reedição do AI-5, o ato institucional que escancarou a ditadura militar no Brasil em 1968. Alexandre de Moraes também virou relator dessa frente de investigação, chamada inicialmente de inquérito dos atos antidemocráticos.
Conrado: Augusto Aras, indicado por Bolsonaro ao cargo, pediu o arquivamento desse inquérito em junho de 2021. Aras, aliás, era pródigo em pedir arquivamentos de investigações contra o então presidente. Mas Alexandre Moraes deu um drible no procurador-geral. O ministro do Supremo até arquivou o inquérito dos atos antidemocráticos mas abriu um novo, que acabou batizado de inquérito das milícias digitais. É nesse inquérito que estão os casos da falsificação dos cartões de vacina, das joias e a tentativa de golpe de Estado após a derrota nas urnas do bolsonarismo em 2022. Bolsonaro foi incluído como investigado nesse inquérito em janeiro de 2023, quando já não era mais presidente. Assim como no caso das fake news, o inquérito das milícias digitais foi sendo prorrogado.
Conrado: Bolsonaro já é alvo de investigação há três anos e três meses no inquérito das fake news. O ex-presidente já é alvo de investigação há um ano e dez meses no inquérito das milícias digitais. Ele já teve a residência vasculhada pela polícia em operações, incluindo auela que tem o golpe de Estado como foco. Mas até, quando este podcast foi colocado no ar, a Procuradoria-Geral da República não apresentou nenhuma denúncia contra ele.
Conrado: Vale apenas lembrar a sequência de procedimentos criminais. Primeiro a polícia investiga, realiza operações com buscas e apreensões, eventualmente até com prisões cautelares, tudo sob autorização judicial. Concluída a investigação, o inquérito vai para o Ministério Público, que nos casos que envolvem Bolsonaro é a Procuradoria-Geral da República, como eu disse agora há pouco. A procuradoria então decide se faz ou não a denúncia. Aí a Justiça aceita ou não as acusações, abre um processo criminal e, por fim, realizada um julgamento. Os casos de Bolsonaro, como estão no Supremo, são de instância única. Ou seja, ele não vão passar por vários tribunais, tudo se resolve na corte máxima do país.
Conrado: O Alexandre de Moraes, ministro do Supremo que relata os inquéritos das fake news e das milícias digitais, sofre críticas por tê-los prorrogado tanto. Ele também já foi alvo de questionamentos quando comandou o processo eleitoral em 2022, ao presidir o TSE e ganhar poderes excepcionais. Virou o super Xandão nos memes de internet. Mandou tirar conteúdos de desinformação do ar, derrubou perfis em redes sociais, conduzindo a campanha presidencial com rédea bem curta. Depois também entrou em embates com Elon Musk, dono do X, tirou a plataforma do ar e foi tachado de censor. Boa parte de suas decisões acabou chancelada por outros ministros do Supremo.
Conrado: O diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, já disse publicamente que espera concluir ainda em novembro as investigações sobre a tentativa de golpe de Estado, que teve minuta de estado de sítio e planos para prender e até matar autoridades. Uma dessas tramas veio a público nesta terça-feira, quando a Polícia Federal prendeu cinco pessoas suspeitas de tramar o assassino do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do vice-presidente Geraldo Alckmin e do Alexandre de Moraes, ministro do Supremo que já havia aparecido como alvo capital em outras tramas golpistas do bolsonarismo. Entre os suspeitos presos nesta terça estão três oficiais da ativa, um da reserva e um policial federal.
Conrado: Segundo essa trama mais recente que acaba de vir à tona, a ideia era promover os assassinatos, com explosivos ou então envenenamentos, no fim de 2022, após Bolsonaro ter sido derrotado por Lula. Esse plano teria sido discutido na casa do general da reserva Braga Netto, que tinha sido ministro da Casa Civil de Bolsonaro e vice na chapa da tentativa de reeleição do político de extrema direita. O plano, aliás, chegou a ir pro papel. Foi impresso no Palácio do Planalto, prédio onde Bolsonaro ainda trabalhava. Lula estava prestes a tomar posse de seu terceiro mandato como presidente, cargo que já tinha ocupado de 2003 a 2010. Esse, portanto, é mais um elemento que se soma à trama golpista do bolsonarismo. Mais um elemento que vai chegar às mãos da Procuradoria-Geral da República para eventuais acusações formais.
Conrado: Augusto Aras, indicado por Bolsonaro, não é mais o procurador-geral. Quem ocupa o cargo é Paulo Gonet, indicado por Lula. Gonet, Rodrigues, da Polícia Federal, além de ministros do Supremo, incluindo Moraes, estavam com Lula no Palácio da Alvorada, residência oficial da Presidência, na quarta-feira da semana passada, quando um bolsonarista soltou bombas na Praça dos Três Poderes e depois se matou ao se deitar sobre um explosivo, em mais um ato associado ao clima golpista do bolsonarismo.
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Conrado: Eu conversei com a professora de direito Eloísa Machado sobre o tempo do Ministério Público e da Justiça nos casos que envolvem Bolsonaro. Ela coordena um grupo de pesquisas sobre o Supremo na Fundação Getúlio Vargas em São Paulo. Eu perguntei para a Eloísa Machado por que, na avaliação dela, a Procuradoria-Geral da República ainda não apresentou denúncias contra Bolsonaro, mesmo sendo ele investigado formalmente pelo menos desde 2021, quando ainda era presidente, e já ter sido indiciado pela polícia, ou seja, já haver investigações concluídas, em alguns casos.
Eloisa: “É possível levantar quatro hipóteses para justificar a ausência de uma denúncia formal contra Bolsonaro frente a todas as investigações que correm no Supremo Tribunal Federal, seja em relação ao ataque às instituições, seja em relação à descredibilização da Justiça Eleitoral, à própria tentativa de golpe, toda a questão envolvendo a pandemia de covid-19 e crimes ali é que os beneficiaram inclusive financeiramente como por exemplo o caso das jóias. A primeira hipótese é de que de fato estamos diante de crimes complexos sobretudo se olharmos os crimes de ataques às instituições democráticas de tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito e a tentativa de golpe. São crimes que exigem uma investigação não só de um simples ato mas de uma série de atos praticados num contexto ao longo do tempo. Então muita coisa ainda está sendo revelada durante os anos de governo Bolsonaro que caminhavam todas ali no sentido daa prática desses crimes. Então uma hipótese para demora na apresentação de uma eventual denúncia criminal é de que de fato são crimes complexos que exigem um trabalho de investigação mais pormenorizado.”
Conrado: De fato a complexidade das suspeitas é grande, envolve muita gente do entorno de Bolsonaro. E os fatos continuam mesmo sendo revelados, como deu para ver na prisão dos militares suspeitos de planejar o assassinato de Lula antes da posse. Vamos continuar aqui com as explicações da Eloisa Machado.
Eloisa: “A segunda hipótese é de que há uma demora no oferecimento dessa denúncia porque por um longo período a procuradoria-geral da República trabalhou contra o andamento dessas investigações e aqui especificamente durante o governo Bolsonaro e o início do governo Lula. Então a PGR não só não tomou a iniciativa de promover essas investigações, o que gerou em grande medida a necessidade do Supremo abrir por si próprio alguns desses inquéritos, como a PGR também procurou arquivar todas essas investigações. Então durante um longo período houve aí uma movimentação contrária à elucidação desses crimes. Essa é uma hipótese que a gente precisa para avaliar essa demora agora no oferecimento de uma denúncia. A terceira hipótese decorre da segunda. Que diante da inércia da procuradoria-geral da República em procurar elucidar crimes durante o governo Bolsonaro, isso fez com que a polícia federal, assumisse a estratégia de investigação e elucidação desses crimes e que portanto olhou para todos esses atos com uma perspectiva própria e a polícia federal hoje indica que há uma correlação entre ataques a instituições ataque às urnas tentativa de golpe a condução da pandemia e atos aí em benefício próprio de quem estava no governo naquele momento de que tudo isso faria parte ali das estratégias de uma grande organização criminosa. Essa maneira de olhar para esses crimes pode não ser a mesma da procuradoria-geral da República e portanto ela agora precisa a partir desses elementos de investigação construir uma nova tese de acusação, que seja coerente frente a todos esses atos. Eu digo isso porque se a gente pensar como foi conduzido, por exemplo, o caso do mensalão e o caso da Lava Jato, ela foi estruturada, essa denúncia, ela já foi estruturada a partir de uma tese desse órgão de acusação. E nesse caso de Bolsonaro isso não aconteceu, a investigação foi estruturada a partir é da visão policial em razão da inércia da procuradoria-geral da República em promover essas investigações.”
Conrado: Esse aspecto destacado pela Eloísa Machado é interessante. Ela citou aí o exemplo da Lava Jato. Em Curitiba, a Polícia Federal investigava e era acompanhada de perto pelos procuradores da República, com Deltan Dallagnol à frente da força-tarefa. A Lava Jato, como a gente ficou sabendo depois, tinha parcerias até ilegais, como a dobradinha dos órgãos de investigação e acusação com o então juiz Sergio Moro, juiz que teoricamente deveria ser imparcial. Em Brasília, nos casos que envolvem Bolsonaro, essa parceria de investigadores e acusadores, essa que é permitida, não foi azeitada, e a Polícia Federal precisou tomar a frente, fechando ela mesmo até delações premiadas, como no caso do militar Mauro Cid, que era ajudante de ordens do Bolsonaro.
Conrado: Como você ouviu agora a professora da FGV dizendo, a Polícia Federal pode estar trabalhando com essa visão mais ampla, de que a falsificação dos cartões de vacina e o caso das joias, por exemplo, faziam parte de uma ação criminosa maior, que é a tentativa de golpe de Estado. Essa é uma visão que já é possível notar nas decisões cautelares de Alexandre de Moraes nos inquéritos, decisões essas tomadas a partir das investigações da polícia.
Conrado: A falsificação dos cartões de vacina da covid-19 serviriam para Bolsonaro e equipe permanecerem nos Estados Unidos, já que eram documentos necessários para isso. O ex-presidente de fato estava por lá quando seus apoiadores invadiram o Congresso, o Palácio do Planalto e o Supremo, tentando, a partir desse ato extremo, convencer as Forças Armadas a entrarem em ação e realizarem uma intervenção. As joias seriam uma forma de garantir o sustento da família Bolsonaro em solo estrangeiro caso houvesse possibilidade prisão em meio à tentativa de golpe.
Conrado: Só que os planos travaram, segundo essa visão que a Polícia Federal vem construindo. Isso porque enquanto havia militares golpistas, como esses que segundo investigações tramaram assassinar Lula antes da posse, havia também oficiais das Forças Armadas que não embarcaram na aventura. Nem todos toparam a minuta de estado de sítio após Bolsonaro perder nas urnas. Nem todos toparam prender ou matar autoridades. O golpe não saiu, mesmo depois do quebra-quebra em Brasília promovido pelos bolsonaristas que invadiram os prédios dos Três Poderes como último apelo às Forças Armadas. Esses bolsonaristas, aliás, já estão sendo denunciados, julgados e condenados. Muitos deles estão cumprindo pena. O que não é o caso daqueles que, segundo as investigações, tramaram o golpe frustrado. Bolsonaro, vale sempre destacar, nega que tenha tentado um golpe sempre diz que agiu dentro das quatro linhas da Constituição.
Conrado: Bom, a Eloisa Machado elenca as hipóteses para uma ausência, pelo menos até o momento, de denúncias criminais contra Bolsonaro.
Eloisa: “E a quarta hipótese para justificar essa demora é a mais grave de todas é de que PGR considere a si mesma e eventualmente considere o Supremo Tribunal Federal agora sem condições de impor a lei de impor um julgamento sobre Bolsonaro e outros eventuais partícipes de crimes sem que haja uma nova onda de ataques muito fortes ao tribunal. A gente tem acompanhado que é a investigação decorrente do 8 de janeiro, os julgamentos, as condenações, receberam uma resposta é muito preocupante do congresso nacional que procurou tramitar ali um Projeto de Lei de anistia a todos esses crimes, o que claro é uma afronta direta ao Supremo Tribunal Federal porque a gente tá falando não só de um julgamento que ocorre no Supremo, mas o julgamento que se referia ali, a uma tentativa de destruição física e simbólica do tribunal. Então a quarta a quarta hipótese que é a mais grave de todas é de que o sistema de justiça se consider incapaz de impor a lei a este grupo que vem atacando a democracia ao longo desses últimos anos.”
Conrado: É aí entra a questão do paralelo que eu fiz no início desse episódio. Os Estados Unidos elegeram Trump em 2016, passaram por seu governo de ameaças. Barraram a reeleição, viram o Capitólio ser invadido, mas reconduziram o republicano de volta à Casa Branca em 2024. O Brasil elegeu Bolsonaro em 2018, passou por seu governo de ameaças. Barrou a reeleição em 2022, viu os prédios dos Três Poderes e vê a cada dia mais detalhes da trama golpista. Por aqui, Bolsonaro está inelegível. Mas forças políticas agem por uma anistia não só a quem promoveu um quebra-quebra em Brasília, mas também para o próprio ex-presidente. É diante desse cenário que o Brasil está. E é com esse cenário que a Procuradoria-Geral da República vai ter de lidar agora.
Conrado: O Durma com Essa volta já.
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Conrado: Líderes mundiais desembarcaram no Brasil esta semana para a cúpula do G20. João Paulo Charleaux comenta aqui, no bloco “Além da Fronteira”, sobre o encaminhamento de uma das agendas mais caras ao governo Lula, anfitrião do encontro. Essa agenda é uma ampla cooperação de países no combate à fome.
João: “Olá, ouvintes, olá, amigos do Durma com Essa. Esse acordo que o presidente Lula patrocinou, na cúpula do G20, para acabar com a fome no mundo, vai funcionar? A resposta é: depende. Se vai acabar com a fome no mundo, ainda não dá para dizer. Mas, entre o tudo e o nada, há muita coisa; e uma dessas coisas é justamente o ganho político intermediário que essa iniciativa brasileira pode ir produzindo ao longo do caminho. De saída, a chamada Aliança Global contra a Fome e a Pobreza já serviu para marcar um ponto de agenda positiva num ambiente que, de outra forma, ficaria marcado apenas pelas críticas do presidente da Argentina, Javier Milei, e pelas ofensas da primeira-dama brasileira contra Elon Musk. Nesse sentido, uma declaração final é sempre melhor que declaração alguma. Então, já serviu. O problema é que o mundo precisa de mais que declarações para pelo menos mitigar um problema que hoje atinge mais de 700 milhões de pessoas no mundo; um problema que, se fosse fácil resolver, atingiria quase 500 mil pessoas só no Rio de Janeiro, estado em que a cúpula acontece e onde a Aliança estava sendo lançada. Sempre será possível dizer que a iniciativa é tímida e chega tarde, mas é preciso notar que no primeiro encontro do G20 sequer havia menção à fome. No encontro do ano passado, a palavra só aparecia três vezes na declaração final. Declarações não mudam a realidade por si só, é verdade. Mas é verdade também que a realidade não muda sem que haja uma declaração de consenso a respeito da ‘vontade política’ que o próprio documento ainda diz faltar para erradicar a fome do mundo.”
[mudança de trilha]
Conrado: O Brasil apresentou suas metas do clima na COP29, conferência do clima que este ano está sendo realizada no Azerbaijão. Mas o plano apresentado publicamente pelo vice-presidente Geraldo Alckmin foi visto com ceticismo. No bloco “Clima é Urgente” desta semana a Mariana Vick fala sobre o tema. Mariana, primeiro explica para gente qual meta é essa apresentada pelo Brasil.
Mariana: “A nova meta climática do Brasil propõe cortar as emissões nacionais de gases de efeito estufa de 59% a 67% em 2035 em relação aos níveis de 2005. Essa redução, maior que a proposta outras metas que o país apresentou anos atrás, equivale a limitar as emissões do país a um teto entre 850 milhões e 1,06 bilhão de toneladas de gás carbônico equivalente em 11 anos. Para atingir esse objetivo, o texto cita medidas como: a eliminação gradual dos combustíveis fósseis; o aumento da capacidade de energias renováveis; o desmatamento ilegal zero, somado a medidas de restauração florestal; e a adoção de medidas de adaptação à mudança do clima. Essa é a primeira vez que a meta brasileira fala na transição dos combustíveis fósseis. O texto se alinha com os resultados da COP28 — realizada em 2023, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos —, que também foi a primeira conferência do clima a dar um sinal para o fim da exploração de carvão, petróleo e gás natural. Essa também é a primeira vez que a meta fala em adaptação. O texto é chamado, no jargão ambiental, de NDC, sigla para Contribuição Nacionalmente Determinada. Essas contribuições são, na prática, planos de redução de emissões de gases de efeito estufa que os países apresentam de forma voluntária como parte de sua adesão ao Acordo de Paris. Essas metas precisam ser revisadas a cada cinco anos, e é por isso que o Brasil apresenta uma nova agora.
Conrado: E, Mariana, por que ela foi recebida com ceticismo?
Mariana: Apesar dos avanços, a nova meta brasileira não se alinha com o objetivo do Acordo de Paris de limitar o aquecimento global a 1,5ºC até 2100, segundo o Observatório do Clima, rede composta por mais de 100 organizações da sociedade civil. O IPCC, Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, recomenda cortes de no mínimo 60% nas emissões do país até 2035 em comparação com os níveis de 2019 para cumprir com o acordo, e, para alcançar esse valor, a meta brasileira deveria ser mais ambiciosa. Outro problema da NDC é o tamanho do intervalo da meta de emissões para 2030, que vai de 850 milhões a 1,06 bilhão de toneladas de gás carbônico — um intervalo de 200 milhões de toneladas poluentes, número maior que as emissões anuais da Argentina. Esses valores trazem ambiguidade e comprometem a percepção da ambição do Brasil, segundo o Instituto Talanoa. Organizações também criticaram a ausência de medidas detalhadas, prazos claros e contradições entre os planos redigidos na NDC e as políticas atuais do Brasil. Há projeções, por exemplo, de que o país aumente sua produção de petróleo e gás em 36% até 2035 — o que contradiz a meta de fazer a transição dos combustíveis fósseis.”
Conrado: O Durma com Essa volta já.
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Conrado: Nesta semana, no bloco “Tudo é cultura”, no Dia da Consciência Negra, Lucas Zacari fala sobre protagonistas de novela na emissora mais assistida do país. A TV Globo está com três novelas em que mulheres negras são essas protagonistas, e não estão ali para interpretar papeis estigmatizados. Lucas, a gente sabe que nem sempre foi assim, né?
Lucas: “ Se hoje temos as atrizes Duda Santos, Jéssica Ellen e Gabz como protagonistas de ‘Garota do momento’, ‘Volta por cima’ e ‘Mania de você’, da TV Globo, isso não foi sempre assim. A primeira telenovela que contou com uma protagonista negra foi ‘Direito de nascer’, de 1964 e exibida pela TV Tupi. A atriz Isadora Bruno interpreta Mamãe Dolores, uma ama que foge com uma criança para protegê-la. Essa novela foi exibida treze anos após a primeira novela da emissora e da história. Ao longo da história das telenovelas, os atores negros faziam papéis de subalternos, pobres ou escravizados. O primeiro personagem que esteve em uma posição diferente foi o psiquiatra Percival Garcia, interpretado por Milton Gonçalves em ‘Pecado Capital’, de 1975. O cineasta e pesquisador Joel Zito de Araújo disse no livro ‘A negação do Brasil: o negro na telenovela brasileira’ que os personagens negros nas produções nacionais eram adaptados de estereótipos raciais de Hollywood. Papéis como a mulher com características maternais intensas, os idosos fiéis e bondosos e o homem malandro se tornaram comuns nos roteiros. Esse cenário começou a mudar a partir da década de 1980, com a entrada de núcleos de famílias negras de classe média nas tramas. Movimentos sociais negros também passaram a reivindicar com mais intensidade a presença dos artistas nas produções nacionais e um maior respeito à população. Nomes como Camila Pitanga, Taís Araújo e Lázaro Ramos tiveram destaque nas primeiras décadas do século 21.”
Conrado: E, Lucas, a gente tem três protagonistas negras na TV Globo e uma diversidade na emissora. Mas é algo que não está absorvido por outras emissoras.
Lucas: “Emissoras como SBT e Record ainda não tiveram grandes mudanças raciais em relação aos protagonistas de suas novelas. Em ambos os casos, a estreia de personagens principais em suas produções aconteceu somente nos anos 2010. A Record, por exemplo, não tem protagonistas negros desde 2019. Além do trio atual de protagonistas negras, a TV Globo tinha colocado três personagens principais simultaneamente já em 2023. Eu entrevistei os pesquisadores Christiane Flores e Francisco Ewerton o que levou a essa decisão da principal emissora do país. A falta de demanda popular e de mercado nas outras emissoras, assim como uma necessidade de retorno financeiro para a Globo levaram a essa decisão. Os pesquisadores afirmaram que o número atual de atores negros como protagonistas ainda é pequeno em relação a história das telenovelas, sendo necessário também a introdução de outros profissionais do meio artístico, como diretores e roteiristas.”
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Conrado: Leia mais sobre os temas deste episódio em nexojornal.com.br.
Conrado: Do tempo da Justiça nos procedimentos criminais contra Bolsonaro, passando pela agenda da fome no G20, pelas metas climáticas do Brasil e pela maior presença de negros em papeis de destaque nas novelas da TV Globo, Durma com Essa.
Conrado: Com roteiro, produção e apresentação de Conrado Corsalette, edição de texto de Suzana Souza, participações de Eloísa Machado, João Paulo Charleaux, Mariana Vick e Lucas Zacari, produção de arte de Mariana Simonetti e edição de áudio de Brunno Bimbati, termina aqui mais um Durma com Essa. Semana que vem a gente está de volta. Até!
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