Como o fracasso no combate à pandemia deve pesar na eleição
Isabela Cruz
19 de abril de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h28)Brasil é apontado como um dos países que fizeram as piores gestões do combate à covid-19 no mundo. Diante do quadro, o ‘Nexo’ ouviu cientistas políticas sobre o impacto da crise nas escolhas dos eleitores
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Protesto em frente ao Congresso Nacional pela condução da crise da pandemia
O Brasil tem um presidente da República que menosprezou as mortes da pandemia de covid-19, aglomerou centenas de pessoas em eventos públicos, sabotou o isolamento social em nome da economia, questionou sem base científica o uso de máscaras, defendeu e financiou medicamentos sem eficácia e desestimulou e atrasou a vacinação da população.
O país também tem governadores que, apesar de adotarem restrições de circulação para reduzir contágios, promoveram reaberturas prematuras e mal planejadas sob pressão de comerciantes, e fizeram compras de materiais hospitalares com indícios de superfaturamento, razão pela qual viraram alvo da Polícia Federal e de denúncias do Ministério Público.
Após dois anos, 662 mil mortes e uma CPI no Senado pedindo a responsabilização de dezenas de gestores, parte desses políticos vai tentar a reeleição em outubro de 2022, num contexto de arrefecimento da crise. Em abril, o Ministério da Saúde anunciou o fim da emergência sanitária . E os índices de avaliação do desempenho do presidente Jair Bolsonaro no combate à covid-19 começam a melhorar : a rejeição que já chegou a 53% em março de 2021 caiu para 46% em março de 2022.
A seis meses de os brasileiros irem às urnas, as questões que mais pesam para o eleitorado estão ligadas à economia, impactada pela crise sanitária. Bolsonaro culpa os governadores , que adotaram medidas restritivas, mesmo que descoordenadas, tentando salvar vidas. Economistas apontam o próprio governo federal como um dos responsáveis pela situação ruim.
Diante do quadro em que a gestão da pandemia feita no Brasil aparece em estudos nacionais e internacionais como uma das piores do mundo , o Nexo conversou com duas cientistas políticas sobre os reflexos da crise nas escolhas dos eleitores em outubro. São elas:
Luciana Veiga Durante toda a epidemia, assim como sempre foi desde que Bolsonaro apareceu no cenário político vislumbrando uma eleição para presidente, ele apostou na teoria da conspiração. Nessa lógica, não é preciso que seus eleitores falem de seus louros, mas sim que ataquem os adversários a partir de uma afetividade bastante negativa, tratando-os como verdadeiros inimigos.E o foco do bolsonarismo contra os governadores é muito forte, numa narrativa que desresponsabiliza o governo federal.
Nessa narrativa, o governo federal teria mandado os recursos para estados e municípios [o que aconteceu apenas parcialmente ou com meses de atraso], mas esses recursos foram desviados, por governadores e prefeitos [ casos estão sendo investigados ]. [Nessa narrativa] os governadores também arcam sozinhos com os custos da imposição do distanciamento social naquele momento de crise, e são acusados pelos bolsonaristas de manterem impostos muito altos. [O eleitor pensa] ‘comida cara, imposto caro. O povo paga esse imposto caro e não recebe nada em troca?’. Aí liga essa falta de amparo com a corrupção até [na compra pelos governos estaduais] dos respiradores [usados por pacientes graves de covid-19].
No final é o discurso antissistema. E quem é o candidato antissistema? Ainda que ele esteja inserido em toda a discussão do centrão, Bolsonaro repete e busca brechas para, com esse discurso antipolítica, antissistema, ir construindo uma redução da rejeição, dizendo que o outro é o sistema. Então nos perguntamos: em que momento esse ensaio de reação vai perder força? Em que momento vai bater no teto essa possibilidade de discurso antissistema, de forma que o eleitor questione como Bolsonaro pode ter esse discurso, se ele é o presidente e tem forte aliança com o sistema político? Esse momento vai ser importante, mas não sabemos por ora quando será. A ver na próxima pesquisa.
Camila Lameirão A eleição [presidencial] parte da premissa de que Lula e Bolsonaro têm apoios consistentes, independentemente das críticas que possam sofrer. Só para um terceiro segmento de eleitorado, que não se identifica nem com Lula nem com Bolsonaro, é que a questão da pandemia pode ser um motivo definidor, especialmente no segundo turno. Ou seja, [a pandemia] não vai ser uma razão única e suficiente para a escolha do voto, se o contexto sanitário se mantiver dentro da segurança que estamos tendo no momento.
Em relação aos governadores, temos um quadro bem heterogêneo no Brasil em relação ao nível de contaminação nos diferentes estados, de reação do poder público e de aprovação de suas respectivas populações. Mas também para os governadores a questão da pandemia não vai pesar tanto. A menos que víssemos um retorno de um contexto de maior preocupação sanitária em algum lugar.
De qualquer forma, não podemos descartar que vão ser forjadas diferentes narrativas para fazer a leitura retrospectiva da gestão da pandemia. As pesquisas já apontam que diminuiu a percepção crítica da gestão de Bolsonaro. O tempo é um aliado do presidente. Mas não sei se os eleitores vão estar muito receptivos a acompanhar esse tipo de debate, porque o eleitor se move muito mais por questões do momento.
Luciana Veiga Hoje o problema que se tem, na verdade, é emprego, renda, poder de compra e inflação. O que vai pesar é a economia. Mas não só a economia: também a responsabilização pela economia. Quem é o responsável pela economia do jeito como ela está? E aí vamos para as narrativas. Qual é a capacidade do discurso de um mandatário em se desvencilhar da entrega da economia? Precisamos acompanhar.Talvez, quem ganhar a narrativa da responsabilização tenha mais chance de ganhar a eleição.
Mas faço uma ressalva: estamos numa realidade de polarização, com narrativas muito divididas. O argumento da teoria da racionalidade, segundo a qual, quanto maior a insatisfação, maior a chance da oposição ganhar, é uma máxima que ainda predomina – Lula está na frente – mas que está sendo colocada em teste. Vimos em março a redução da rejeição contra Bolsonaro, o aumento da satisfação com seu governo, a redução da distância entre as intenções de voto de Lula e de Bolsonaro. Para frente, vamos ter que acompanhar.
Camila Lameirão Se nos mantivermos num contexto sanitário de maior controle e segurança, a pandemia vai ser algo distante do cálculo eleitoral. Certamente a questão econômica é um aspecto muito mais sensível ao eleitor, não apenas no Brasil, mas em todas as partes do mundo.
Tivemos uma alta incidência de mortes, não há o que se contestar em relação a isso. Mas quanto a uma generalização de que esse elemento vai ser ingrediente forte na hora de fazer o cálculo eleitoral para a definição do voto, num cenário em que a pandemia esteja sob controle, eu já tenho dúvidas. O que move o eleitor são seus problemas mais imediatos.
Claro que famílias que tiveram perdas expressivas podem, sim, considerar [as decisões governamentais sobre a pandemia] no seu cálculo eleitoral. Um eleitorado mais crítico, que tenha o tempo para recolher mais informações, também pode, sim, acionar isso na hora de fazer o cálculo de seu voto. Mas acho que esse eleitorado vai ser uma minoria.
Especialmente nos estados, as eleições se movimentam por questões relativas àquele território e questões emergenciais. Isso inclui questões de desempenho econômico, de segurança pública, de moradia, de saúde naquele momento. Esses são os elementos costumeiros, e não tende a haver uma alteração significativa mesmo num contexto pós-pandêmico.
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