Expresso

Por que a poliomielite voltou a preocupar. E como reverter isso

Cesar Gaglioni

29 de agosto de 2022(atualizado 06/02/2024 às 10h59)

Casos nos EUA e em Israel acenderam sinal de alerta. No Brasil, cobertura vacinal cai desde 2015, o que coloca crianças em risco. Especialistas falam o que precisa ser feito para retomar um quadro de proteção

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FOTO:ERASMO SALOMÃO/MINISTÉRIO DA SAÚDE

Uma mulher de jaleco segura uma vacina na frente de uma mulher com uma criança no colo. Zé Gotinha está ao fundo, um boneco branco com rosto feliz e formato de gota

Dia de vacinação contra a pólio e sarampo em 2014, em Fortaleza

A poliomielite, doença grave que causa paralisia, especialmente nas crianças, já foi considerada erradicada, mas voltou a preocupar recentemente com o surgimento de novos casos ao redor do mundo e a crescente queda da cobertura vacinal em alguns países.

Desde 1994, a guerra contra a pólio já foi considerada vencida a nível global, e a doença não era mais uma fonte de estresse. No Brasil, a queda da cobertura vacinal se acentuou a partir de 2015, o que coloca o país em alerta, com as crianças como o principal foco de preocupação. O Ministério da Saúde realiza até 9 de setembro a campanha de vacinação contra a doença, na tentativa de conseguir atingir 95% do público-alvo do imunizante, mas a adesão segue baixa .

A vacina é a única forma de prevenir a poliomielite, uma doença que não tem cura. Neste texto, o Nexo mostra por que a poliomielite voltou a preocupar e como reverter este cenário.

O que é a poliomielite

A poliomielite, também chamada de pólio, é uma doença infecciosa viral, que é transmitida de pessoa para pessoa, especialmente pela via fecal-oral – quando coliformes fecais entram em contato, de alguma forma, com a boca do indivíduo.

Ela é causada pelo poliovírus, identificado pela primeira vez em 1908. Entre os sintomas da doença estão:

  • Febre
  • Fraqueza muscular
  • Dor de cabeça constante
  • Sensação de desmaio
  • Paralisia em um ou mais membros do corpo

A paralisia, apesar de acontecer em apenas 1% dos casos, é considerada grave. Ela causa deformações no desenvolvimento e pode afetar os músculos responsáveis pela respiração, o que pode levar a pessoa à morte se não houver auxílio de ventilação mecânica.

Não existe uma cura para a poliomielite. Os tratamentos agem apenas nos sintomas, com antibióticos, analgésicos e anti-inflamatórios. Por não existir cura, a vacina é essencial para combater a doença.

Das crises à erradicação

Há registros de poliomielite desde a Antiguidade. Há hieróglifos egípcios , datados de 1.400 aC, que mostram pessoas com deformidades similares às causadas pela pólio.

No entanto, foi a partir do início do século 20 que a pólio começou a preocupar e se espalhar, especialmente na Europa, América do Norte e Oceania. Em 1916, a cidade de Nova York registrou uma epidemia da doença, uma das mais graves já ocorridas.

Uma vacina só foi aparecer nos anos 1950. Isso trouxe um esforço global para a imunização. Sistemas de saúde do mundo todo se articularam para comprar e operacionalizar a aplicação. Um personagem importante para a adesão massiva da vacina foi o cantor Elvis Presley, que em 1956 recebeu o imunizante na TV aberta americana, e incentivou os jovens a se vacinar.

FOTO: DIVULGAÇÃO/PREFEITURA DE NOVA YORK – GOVERNO DOS EUA

O cantor Elvis Presley recebendo a vacina contra poliomielite em 1956

O cantor Elvis Presley recebendo a vacina contra poliomielite em 1956

Antes do programa, apenas 10% dos adolescentes americanos – grupo de risco da poliomielite – tinham se vacinado. Um ano após a aparição de Elvis, o número de casos da doença caiu 81%. O caso é tido até os dias de hoje como uma propaganda de sucesso do governo americano.

No Brasil, o primeiro surto foi registrado em 1911. Os registros do país para a doença antes de 1968 foram perdidos. Mas entre aquele ano e 1989, quando a pólio foi considerada erradicada em solo nacional, houve 26 mil casos .

A campanha brasileira de vacinação contra a pólio tem no personagem Zé Gotinha – criação do Ministério da Saúde – um símbolo. Anualmente, há esforços para a imunização das crianças. A capilaridade do SUS (Sistema Único de Saúde) e o treinamento intensivo de profissionais de saúde, bem como iniciativas de conscientização, foram essenciais para conseguir erradicar a pólio no Brasil.

No Plano Nacional de Imunização, a vacinação ocorre em cinco doses. Aos 2, 4 e 6 meses de vida, é utilizada a vacina injetável. Para as doses aplicadas dos 15 aos 18 meses e dos 4 aos 5 anos, adota-se a vacina oral, que são um reforço.

Por que ela volta a preocupar

Desde 1989, a pólio é considerada erradicada no Brasil. No entanto, a cobertura vacinal tem caído desde 2015. Naquele ano, o índice era de 98%. Em 2021, estava em 67%.

Em Queda

Índice de vacinação pólio

No mês de julho de 2022, os Estados Unidos registraram o primeiro caso de pólio em 30 anos, acendendo um alerta para órgãos de saúde do mundo todo. Semanas antes, um caso foi registrado em Israel, que não tinha registros da infecção desde 1990.

Em 2021, a Opas (Organização Panamericana da Saúde) colocou o Brasil como um país de alto risco para o retorno da doença, justamente pela queda nos índices de vacinação.

“[O Brasil] têm sustentado uma baixa cobertura de vacinação e sistemas de vigilância fracos, o que representa uma ameaça de emergência do vírus e a subsequente circulação dele”, disse a instituição em nota.

Denise Garrett, vice-presidente do Instituto Sabin de vacinação, vê o cenário com preocupação . “Com a queda acentuada na cobertura, a possibilidade de uma cepa se reverter e causar doença é preocupante”, disse à revista Veja em 16 de agosto.

Crianças e adolescentes não vacinados são os mais sujeitos a manifestarem as formas graves da doença. A população adulta, em sua maioria, recebeu o imunizante em décadas passadas e está com risco baixíssimo de infecção e desenvolvimento dos sintomas mais preocupantes.

Desde o dia 8 de agosto de 2022, o Ministério da Saúde tem feito o esforço para a campanha vacinal anual contra a pólio, que vai até o dia 9 de setembro. O dia 20 de agosto foi considerado “o Dia D” da mobilização, com horários de funcionamento ampliado nos postos e campanhas de conscientização.

A queda na cobertura vacinal tem dois fatores principais: a falsa sensação de segurança – com pais acreditando que, por ter sido erradicada, a pólio não é mais um risco, uma leitura equivocada – e o aumento dos movimentos antivacina que, apesar de pequenos no Brasil, mobilizam minorias vocais que divulgam teorias conspiratórias acerca de riscos infundados na imunização de crianças.

Além disso, durante a pandemia da covid-19, a cobertura vacinal contra diversas doenças caiu como um todo. No período de isolamento social – e no de flexibilização gradual das medidas sanitárias – a população estava evitando ir em postos de saúde sem necessidade imediata, temendo uma contaminação pelo coronavírus. Houve campanhas de incentivo à vacinação, mas elas tiveram menor adesão do que em anos anteriores.

Como reverter o cenário

Apesar dos temores, o cenário pode ser revertido. Para isso, o essencial é aumentar a cobertura vacinal contra a pólio para 95% da população. Nesse índice, o vírus não consegue se espalhar o suficiente para causar surtos.

“Só existe uma maneira de prevenir pólio, que é através da vacinação. Mas com uma vacinação muito baixa, tem mais gente suscetível. Se temos quase 3 milhões de crianças nascidas vivas por ano, e se temos uma vacinação de 60%, temos 40% de quase 3 milhões que não foram vacinadas”, disse a infectologista Luiza Harlant ao site do Ministério da Saúde no início de agosto. Ela é é presidente da Câmara Técnica de Pólio do Ministério da Saúde e membro da Sociedade Brasileira de Imunizações.

Ela vê como necessário um treinamento intensivo de profissionais da saúde nas unidades públicas, a fim de promover a conscientização da população acerca da doença. Além disso, ela acredita que é preciso ampliar o horário de funcionamento dos postos e trabalhar para diminuir a propagação de discursos antivacina.

“Os postos têm que abrir, de preferência, de 7h às 19h, porque hoje você depende do trabalho como nunca e perder um dia de trabalho hoje é perder um prato de comida na mesa. Você não pode exigir que os trabalhadores deixem de ganhar dinheiro para sustentar uma família com o básico para ir ao posto de saúde. E ainda chegar lá e descobrir que a vacina acabou ou que a vacina não veio e ter que voltar no dia seguinte”

Luiza Harlant

presidente da Câmara Técnica de Pólio do Ministério da Saúde

Juarez Cunha, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações, afirma que a população precisa ter clareza ao saber que a pólio é uma doença terrível. “Temos uma geração que, graças às vacinas, não sabe como a pólio é terrível. Não podemos aceitar que crianças deixem de andar ou até mesmo sejam obrigadas a passar a vida com auxílio respiratório por causa de uma doença prevenível. Podemos ter que enfrentar uma tragédia em breve, mas ainda há tempo de evitá-la”, disse em nota divulgada na terça-feira (23).

Isabella Ballalai, vice-presidente da associação, vê o combate da desinformação vacinal como essencial. “A internet é cada vez mais usada pelos brasileiros como fonte de informações, não apenas sobre saúde, mas a respeito de todos os temas. Infelizmente, há grupos que se aproveitam disso para criar e disseminar fake news, que, na prática, matam a causam sequelas”, afirmou na mesma nota.

ESTAVA ERRADO: Uma versão anterior deste texto deixava entender que o auxílio da ventilação mecânica poderia levar a pessoa à morte. Na verdade, é o contrário, a pessoa com a doença pode morrer se não tiver auxílio da ventilação mecânica. O texto foi corrigido às 11h de 5 de setembro de 2022.

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